Processo número: 0000.15.001325-8


CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N.º 0000.15.001325-8
Recorrente: Ministério Público do Estado de Roraima
Recorrido: Eduardo dos Santos
Advogado: Wilson Roy Leite da Silva DPE/RR



RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face da decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Criminal de Competência Residual que, com base no princípio da insignificância, deixou de receber a denúncia  DE FLS. 29/31, a qual atribui ao recorrido a prática delitiva prevista no art. 155, 'caput', c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Às fls. 43/46, o representante do Ministério Público de primeiro grau apresentou razões recursais alegando que, apesar da pouca expressividade dos bens que o recorrido tentou furtar, não se verifica o preenchimento do pressuposto subjetivo exigido à aplicação do princípio da insignificância, vez que o acusado é indiciado em um inquérito policial e apresenta duas medidas protetivas em instrução, devendo, por tal razão, ser reformada a decisão a quo, para que seja recebida a inicial acusatória.
Em contrarrazões às fls. 49/52, a Defensoria Pública Estadual pugnou pela manutenção da decisão vergastada.
Em parecer de fls. 66/70, opina a Procuradoria de Justiça pelo provimento do presente recurso, a fim de que seja recebida a denúncia e processado o feito.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
Boa Vista, 17 de agosto de 2015.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator



VOTO

O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra o ora recorrido EDUARDO DOS SANTOS, ante a narrativa dos fatos a seguir transcritos:
" (...) Consta do incluso Auto de Prisão em Flagrante nº 8988/2014 - Central de Flagrantes - registrado no SISCOM sob o nº 0010.14.017621-4, que, no dia 22 de outubro de 2014, por volta das 22h40min, na Av. Princesa Isabel c/ Nelson Albuquerque, Bairro Liberdade, nesta cidade, o denunciado, livre e conscientemente, tentou subtrair bens pertencentes à vítima Jessé Almeida da Silva.
Depreende-se dos autos que o denunciado invadiu a construção da vítima e, de lá, tentou furtar quatro baldes plásticos, um martelo uma chave de boca nº 17 e um serrote.
A vítima, que, em outras ocasiões, teve outro de seus bens furtados de dentro da construção, resolveu ir até o local para ver se encontrava alguém mexendo. Na ocasião, encontrou o denunciado saindo do local com os bens mencionados acima, momento em que abordaram e acionaram a Polícia Militar.
DA AUTORIA E MATERIALIDADE
A autoria e materialidade restam incontestes através dos depoimentos prestados pela vítima e pelas testemunhas, bem como por meio da apreensão dos bens furtados de posse do denunciado.
DA IMPUTAÇÃO PENAL
Assim agindo, incorreu o Denunciado nas penas tipificadas no art. 155, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal.(...)"
Às fls. 32/33, o MM. Juiz da 1ª Vara Criminal de Competência Residual da Comarca de Boa Vista proferiu decisão negando o recebimento da denúncia entendendo que o fato descrito "é penalmente insignificante, o que afasta a tipicidade da conduta. Com efeito, Eduardo da Silva foi denunciado pelo furto tentado de quatro baldes de plástico, um martelo, uma chave de boca e um serrote que foram apreendidos e devolvidos à vítima (cf. termo de apreensão de fls. 14 e relatório policial às fls. 23), não tendo havido prejuízo efetivo. Colaciono trechos de julgado do STF, da lavra do eminente Ministro Celso de Melo, no julgamento do HC 84.412-0/SP - 2ª T. - j. 19.10.2004, sobre o tema, infra. ' O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material (...) O direito penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor  por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social ' (in RT 834/477-481)."
Contra tal decisão, o Ministério Público Estadual interpõe o presente Recurso em Sentido Estrito, alegando que, a despeito do baixo valor dos bens, não se aplica o princípio da insignificância no caso concreto eis que o recorrido apresenta inquéritos policiais e medidas protetivas em seu desfavor, não preenchendo, assim, o requisito de ordem subjetiva necessário à aplicação do referido princípio.
Em que pesem os argumentos do órgão ministerial, ora recorrente, filio-me à corrente jurisprudencial minoritária que entende não constituir impeditivo a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência, ações penais ou inquéritos em curso (Nesse sentido: STJ/HC 206.754/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22/6/2011).
Desta forma, salvo melhor entendimento, entendo que o que se deve analisar é a conduta em si, não servindo para definir a tipicidade da conduta a suposta reiteração delituosa, vez que tal elemento será aferidos, se for o caso, quando da fixação da eventual e futura pena.
Assim, a despeito de o fato tratado nos autos ser formalmente típico, verifico que a inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado (patrimônio), com a restituição dos bens à vítima, além da irrelevante periculosidade social da ação e a baixa reprovabilidade do comportamento, conduzem à conclusão de que o fato ora tratado é materialmente atípico.
Com efeito, cumpre lembrar que a criminalização de uma conduta só se legitima se for o meio indispensável para a preservação de determinado bem jurídico, em consideração aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal.
Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do STJ:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. TENTATIVA. RES FURTIVA DE PEQUENO VALOR. TRÊS DESODORANTES AVALIADOS, CADA QUAL, EM R$ 7,99. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). REINCIDÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR.
1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada segundo os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal.
2. A aferição da reprovabilidade do comportamento do autor do delito dá-se mediante a análise global da conduta - por exemplo, a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, as circunstâncias - e do resultado concretamente verificados.
3. Não é empecilho à aplicação do princípio da insignificância a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, a teor de pronunciamentos das duas Turmas integrantes da Terceira Seção (HC n.
206.754/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22/6/2011).
Ressalva do entendimento do Relator.
4. Agravo regimental improvido."
(AgRg no HC 214.828/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 20/08/2012)

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – PENAL – DESCAMINHO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – 1- O Excelso Pretório, no julgamento do Habeas Corpus nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, firmou compreensão no sentido de considerar aplicável o princípio da insignificância nos casos em que o valor dos tributos sonegados seja inferior ou igual ao montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do art. 20, caput, da Lei nº 10.522/02, alterado pela Lei nº 11.033/04. 2- A existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso não impedem a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes desta Corte e do eg. STF. 3- Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg-REsp 1.246.604 – (2011/0077296-0) – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 22.08.2012 – p. 1106)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL  NO RECURSO ESPECIAL.   PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO QUALIFICADO. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS.  DESCONSIDERAÇÃO PARA EFEITOS DE TIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Não há como reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado pelo Estado. Isso porque o objeto do delito -  R$ 12,75 em pecúnia - possui valor ínfimo, tendo, inclusive, sido restituído à vítima o que evidencia a higidez do acórdão recorrido que manteve a sentença absolutória.
2. A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, a existência de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não são óbices, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância.
3. O princípio da insignificância opera diretamente no tipo penal, que na hodierna estrutura funcionalista da teoria do crime, leva em consideração, entre outros, o desvalor da conduta e o desvalor do resultado.
4. Nesse viés, as condições pessoais do possível autor, tais como reincidência, maus antecedentes, comportamento social etc, não são consideradas para definir a tipicidade da conduta. Tais elementos serão aferidos, se caso, quando da fixação da eventual e futura pena.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1305209/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 22/08/2012)
Diante de tais considerações, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso, porém NEGO-LHE provimento, nos termos acima expostos.
É como voto.

Boa Vista, 25 de agosto de 2015.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator



EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO TENTADO - DECISÃO A QUO QUE DEIXOU DE RECEBER A DENÚNCIA COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - BENS DE PEQUENO VALOR QUE FORAM RESTITUÍDOS À VÍTIMA - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). - EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS E MEDIDAS PROTETIVAS EM DESFAVOR DO RECORRIDO - IRRELEVÂNCIA - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE PRESTA A DEFINIR A TIPICIDADE DA CONDUTA, MAS SOMENTE NA EVENTUAL FIXAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma Criminal da Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos e em dissonância com o parecer ministerial, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso.
Estiverem presentes os eminentes Desembargadores Ricardo Oliveira - Presidente/Julgador e Mozarildo Cavalcanti - Julgador. Também presente o ilustre representante do Ministério Público.
Sala das Sessões, TJ-RR, em 25 de agosto de 2015.

DES. MAURO CAMPELLO - Relator



RESUMO ESTRUTURADO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO TENTADO - DECISÃO A QUO QUE DEIXOU DE RECEBER A DENÚNCIA COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - BENS DE PEQUENO VALOR QUE FORAM RESTITUÍDOS À VÍTIMA - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). - EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS E MEDIDAS PROTETIVAS EM DESFAVOR DO RECORRIDO - IRRELEVÂNCIA - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE PRESTA A DEFINIR A TIPICIDADE DA CONDUTA, MAS SOMENTE NA EVENTUAL FIXAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

TJRR (RSE 0000.15.001325-8, Câmara Única, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, julgado em 25/08/2015, DJe: 01/09/2015)