Processo número: 0000.15.000992-6


CÂMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0000.15.000992-6 / BOA VISTA.
Apelante: Ernesto Carlos de Freitas.
Advogado: Ednaldo Gomes Vidal.
Apelado: Ministério Público de Roraima.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.



RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação (fl. 645), interposto por ERNESTO CARLOS DE FREITAS, contra a r. sentença de fls. 641/642, da lavra da MM.ª Juíza de Direito da 1.ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Boa Vista, que o condenou a cumprir pena de 15 (quinze) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2.º, II (meio torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal.

Computando-se o tempo de prisão provisória, a pena foi reduzida para 14 (quatorze) anos, 06 (seis) meses e 01 (um) dia de reclusão, no regime inicial fechado (art. 387, § 2.º, do CPP).

O apelante, em suas razões (fls. 661/683), pugna pela redução da pena-base aplicada e pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.

Em contrarrazões (fls. 686/691), o Ministério Público de 1.º grau requer seja mantida a sentença.

Em parecer de fls. 695/703, opina o Ministério Público de 2.º grau pelo total desprovimento da apelação.

É o relatório.

À douta revisão regimental.

Boa Vista, 11 de dezembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

Inicialmente, esclareço que houve erro material na sentença condenatória de fls. 641/642, pois o réu, na verdade, foi condenado pela prática de homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2.º, I (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), e não do art. 121, § 2.º, II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido) do CP.

Com efeito, a denúncia (fls. 02/04), a sentença de pronúncia (fls. 240/245), o acórdão em Recurso em Sentido Estrito n.º 0010.10.014415-2 (fls. 332/333), o Termo de Votação do Conselho de Sentença (fls. 639/640) e a Ata da 18.ª Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri (fls. 643/645) demonstram que o réu foi condenado por homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2.º, I (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), do CP.

Por essa razão, retifico o relatório de fls. 705/705-v, apenas para constar que o réu foi condenado pela prática do crime previsto no art. 121, § 2.º, I (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), do Código Penal.

Dito isso, temos que o recurso deve ser desprovido.

Ressalto que o réu interpôs apelação com fundamento no art. 593, III, "a", "c" e "d", do CPP. Todavia, nas razões oferecidas às fls. 661/683, houve redução do inconformismo, uma vez que a defesa fundamentou o recurso apenas na alínea "c" do referido artigo, ou seja, pugnou pela redução da pena-base e pelo reconhecimento da confissão espontânea.
Cediço, todavia, que nas apelações interpostas em processos de competência do Tribunal do Júri é o termo, e não as razões, que delimita os fundamentos do recurso, segundo o disposto na Súmula n.º 713 do STF.
 
Desse modo, em respeito ao direito de ampla defesa garantido ao acusado, abordo, ainda que sucintamente, a matéria relativa à alínea "a", além da constante na alínea "d", do art. 593, III, do CPP.

Quanto à hipótese do art. 593, III, "a", do CPP, não houve qualquer "nulidade posterior à pronúncia", sendo ela confirmada por esta Corte de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso em Sentido Estrito n.º 0010.10.014415-2, cujo acórdão transitou em julgado (fls. 332 e 338). Além disso, a Sessão do Júri transcorreu normalmente (fls. 643/645).

Em relação ao art. 593, III, "d", do CPP, não há que se falar em "decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos", pois a decisão dos jurados acolheu a tese da acusação (homicídio duplamente qualificado), baseada nas provas constantes dos autos: Auto de Prisão em Flagrante n.º 357/2010 (apenso); Laudo de Exame Pericial n.º 172/10/BAL (fls. 36/39, fls. 73/76); Laudo de Exame Pericial n.º 1.701/10 - Local de Morte Violenta (fls. 48/65, fls. 149/166); Laudo de Exame Pericial n.º 177/10/BAL (fls. 67/72); oitiva de informantes/testemunhas (fls. 96/104, fls. 629/637); e Laudo de Exame de Corpo de Delito - Cadavérico n.º 6.119/2010/IML/RR (fls. 133/134).

O Conselho de Sentença reconheceu que: "no dia 18 de setembro, por volta das 13 horas, na empresa CMT, localizada na Rua Dr. Paulo Coelho Pereira, no Bairro São Vicente, nesta cidade, a vítima JOAB ALVES DE OLIVEIRA FILHO foi atingida por disparos de arma de fogo, que lhe causaram as lesões descritas no Laudo de Exame Cadavérico de fls. 130/131, e que foram a causa eficiente de sua morte"; "o crime foi praticado por motivo torpe, em razão de vingança, devido a vítima ter rescindido contrato de prestação de serviços que a esposa do Réu tinha com a empresa CMT"; "o crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, vez que a vítima foi atacada de inopino, sem chance de defesa" (Termo de Votação, fls. 639/640).

Portanto, não é possível anular a decisão dos jurados que optaram por uma corrente de interpretação da prova a eles apresentada. Nesse sentido:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIME - JÚRI - TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - CONDENAÇÃO - REQUERIMENTO DE JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - O decisum apenas há de ser considerado manifestamente contrário à prova dos autos quando inteiramente divorciado do acervo probatório, o que não é o caso, encontrando o veredito popular amparo no acervo probatório RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO" (TJCE - Ap n.º 0468692-92.2010.8.06.0001 - Rel. Haroldo Correia de Oliveira Maximo - DJe 09.12.2014 - p. 68).

"JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DOS JURADOS - VERSÃO SUSTENTADA NO PLENÁRIO - ANULAÇÃO - DESCABIMENTO - Apelação criminal. Júri. Participação em homicídio qualificado e fuga de preso. Decisão manifestamente contraria à prova dos autos. Versões sustentadas em Plenário. Anulação do julgamento. Descabimento. 1. Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que, por íntima convicção, com respaldo no conjunto probatório coligido, optaram por uma das versões sustentadas em Plenário. 2. Em casos tais, não pode o órgão revisor anular a decisão do conselho popular, sob pena de negar vigência ao princípio constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, d). Apelação desprovida" (TJGO - ACr 35384-9/213 - 1ª C.Crim. - Rel. Jose Ricardo M. Machado - DJe 20.10.2009).

No que se refere à hipótese do art. 593, "c", do CPP, também não ocorreu injustiça na aplicação da pena. Ao contrário, a magistrada decidiu com razoabilidade, considerando que a pena mínima prevista para o crime de homicídio qualificado é de 12 (doze) anos de reclusão. Dessa forma, estabeleceu-se a pena-base em 13 (treze) anos, isto é, apenas 01 (um) ano acima do mínimo, considerando que duas circunstâncias judiciais foram desfavoráveis: culpabilidade extremada e ausência de provocação da vítima. Assim decidiu o juízo de origem:

"A culpabilidade tem extrema relevância, face ao alto grau de reprovabilidade da conduta do agente; o Réu é primário e de bons antecedentes; conduta social favorável ao Réu, que trabalha, tem família constituída e endereço conhecido na cidade de Campina Grande - Paraíba; personalidade do homem comum; o motivo do crime foi considerado na qualificadora; as consequências do crime são comuns à espécie; as circunstâncias são comuns; a Vítima, em nada, contribuiu para a prática criminosa. Por tudo isso, fixo a pena-base em 13 (treze) anos" (fls. 641/642).

Tratando-se de circunstâncias judiciais (CP, art. 59), conforme o escólio de Nucci (2008, p. 384), "apenas se todas forem favoráveis, tem cabimento a aplicação da pena no mínimo". Nesse sentido:

"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. PERCENTUAL. PROPORCIONALIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. SÚMULAS 7/STJ E 279/STJ. I - Não há ilegalidade no v. acórdão recorrido que, analisando o art. 59 do Código Penal, verifica a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis aptas a autorizarem a fixação da pena-base acima do mínimo legal. II - Dessa forma, tendo sido estabelecida a pena-base acima do patamar mínimo, em virtude da valoração negativa da culpabilidade, motivos e consequências, com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, não há como proceder a qualquer reparo em sede de recurso especial. (Precedentes). (...). Agravo regimental desprovido" (STJ, AgRg no AREsp n.º 527.419/ES, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015).

Assim, sopesando as mesmas circunstâncias já analisadas na primeira instância (fls. 641/642), mantenho a pena-base em 13 (treze) anos de reclusão, por considerá-la necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Na segunda fase, não é possível o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do CP). Muito embora as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenham admitido sua aplicação nos casos de "confissão qualificada", isso somente será possível se for utilizada pelo magistrado para fundamentar a condenação. In casu, resulta claro dos autos que o convencimento dos jurados ocorreu em razão dos depoimentos prestados pelas testemunhas/informantes, e não da versão apresentada pelo réu.

A propósito, para o Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação da atenuante não incide quando o agente reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude (STF, HC n.º 119671, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-237, DIVULG. 02-12-2013, PUBLIC. 03-12-2013).

De fato, apesar de o acusado assumir a autoria dos disparos contra a vítima, ele tentou se eximir da responsabilidade criminal no interrogatório prestado no Plenário do Júri, alegando que Joab Alves de Oliveira Filho (vítima) teria corrido em sua direção e, por isso, sentiu-se ameaçado (fl. 638, CD-ROM). Este cenário não condiz com o relato das testemunhas presenciais, especialmente Douglas Pereira dos Santos (CD-ROM, fl. 631), no sentido de que a vítima estava apenas despachando documentos ao lado de outro funcionário (Antônio), momento em que o acusado entrou na sala e atirou contra ela várias vezes.

Houve, portanto, a chamada confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, que não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP.

Reconheceu-se, por outro lado, a circunstância agravante do art. 61, II, "c", do CP (recurso que dificultou a defesa do ofendido), razão pela qual a reprimenda foi elevada para 15 (quinze) anos e 02 (dois) meses de reclusão, porque, in casu, de acordo com o Laudo de Exame de Corpo de Delito - Cadavérico n.º 6.119/2010/IML/RR (fls. 133/134), a vítima sofreu as seguintes lesões:

"Constatou-se, externamente, a existência de: 07 feridas pérfuro contusas e, (sic) região torácica posterior. 01 ferida pérfuro contusa em região posterior do terço proximal do baço esquerdo. 04 feridas pérfuro contusas em face anterior do tórax. Todas as feridas apresentam: orlas equimóticas com características de orifício de entrada e características de ação à média distância".

Na terceira fase, não havendo causas de diminuição e de aumento de pena, a reprimenda ficou estabelecida em 15 (quinze) anos e 02 (dois) meses de reclusão, sendo reduzida para 14 (quatorze) anos, 06 (seis) meses e 01 (um) dia de reclusão, em face da detração (CP, art. 42).

Vê-se, portanto, que não há reparo a fazer na dosimetria.

ISTO POSTO, em harmonia com o parecer ministerial, nego provimento à apelação.

É como voto.

Boa Vista, 18 de dezembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator



EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, I E IV, DO CP) - FUNDAMENTOS DO RECURSO DELIMITADOS PELO TERMO DE APELAÇÃO, E NÃO PELAS RAZÕES (SÚMULA N.º 713 DO STF) - NULIDADE PROCESSUAL A PARTIR DA PRONÚNCIA - INEXISTÊNCIA - PLEITO DE NULIDADE DO JULGAMENTO POR TER SIDO A DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - HIPÓTESE NÃO VERIFICADA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES APRESENTADAS - DOSIMETRIA PENAL - MANTIDA - IMPOSSIBILIDADE DE SE APLICAR A ATENUANTE DO ART. 65, III, "D", DO CP, NOS CASOS DE CONFISSÃO QUALIFICADA - PRECEDENTES DO STF - RECURSO DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Única - Turma Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em harmonia com o parecer ministerial, em negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Des. Mauro Campello (Revisor), Des. Leonardo Cupello (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 18 de dezembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, I E IV, DO CP) - FUNDAMENTOS DO RECURSO DELIMITADOS PELO TERMO DE APELAÇÃO, E NÃO PELAS RAZÕES (SÚMULA N.º 713 DO STF) - NULIDADE PROCESSUAL A PARTIR DA PRONÚNCIA - INEXISTÊNCIA - PLEITO DE NULIDADE DO JULGAMENTO POR TER SIDO A DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - HIPÓTESE NÃO VERIFICADA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES APRESENTADAS - DOSIMETRIA PENAL - MANTIDA - IMPOSSIBILIDADE DE SE APLICAR A ATENUANTE DO ART. 65, III, "D", DO CP, NOS CASOS DE CONFISSÃO QUALIFICADA - PRECEDENTES DO STF - RECURSO DESPROVIDO.

TJRR (ACr 0000.15.000992-6, Câmara Única, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 18/12/2015, DJe: 17/02/2016)