Processo número: 0060.13.701102-3


CÂMARA ÚNICA - TURMA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0060.13.701102-3
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADO: ISRAEL LIMA SILVA
RELATORA: Desembargadora ELAINE BIANCHI



RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face da sentença, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá, na ação de n°. 0701102-10.2013.8.23.0010, que julgou procedente o pedido autoral, "consolidando a tutela a qual já foi antecipada na Decisão do EP. 04, para obrigar o Estado a fazer a fornecer, de forma contínua, a medicação solicitada pelo requerente, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas a partir da intimação do Secretário de Saúde, sob pena de multa diária de R$500,00(quinhentos reais), por dia, limitada à 30 dias."
Em suas razões o apelante sustenta preliminarmente, em síntese, que o gestor não fora intimado pessoalmente da sentença e, considerando que se trata de obrigação de fazer e, segundo a Súmula do STJ n°. 410, deveria a intimação ser direcionada a ele.
Ainda nas preliminares, afirma que não há interesse de agir, vez que o apelante jamais se negou a fornecer a medicação, nem opôs obstáculos, assim, não restou configurada a pretensão resistida, motivo pelo qual mostra-se desnecessário o presente processo.
Continuando as alegações preliminares, afirma que "ações dirigidas ao fornecimento de medicamentos através do Sistema Único de Saúde - SUS devem ser dirigidas a todos os entes políticos (União, Estados e Municípios). Assim, o fornecimento de medicamentos deve ser coordenado entre as três esferas políticas, devendo a responsabilidade ser imputada a todas elas, em conjunto. Dessa forma, o presente caso é hipótese de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que não se pode imputar a responsabilidade a um só dos entes, e, de outro lado, não se pode responsabilizar aquele que não é parte no processo".
No mérito, sustenta que não é obrigatoriedade do Estado em fornecer toda e qualquer medicação. Alega que "a escolha do medicamento a ser fornecido pelo Estado é resultado de criteriosa seleção efetuada pelo Ministério da Saúde e que por meio da Portaria 1.318/2002 determinou aos Estados-membros o fornecimento dos medicamentos constantes da Tabela Descritiva do SAI/SUS do Grupo 36. Entretanto, o medicamento pleiteado pelo Apelado não compõe o rol dos medicamentos de obrigatório fornecimento pelo Estado".
Requer, ao final, o provimento do recurso para reformar integralmente o decisum.
Contrarrazões apresentadas no EP n° 58.
É o relato que submeto à douta revisão regimental (art. 178, III, do RITJ/RR).
Boa Vista, 02 de dezembro de 2015.


Desª. ELAINE BIANCHI - Relatora



VOTO - PRELIMINAR

O recorrente suscita, preliminarmente, a falta de intimação pessoal da sentença, em contrariedade à Súmula 410 do STJ; a ausência de interesse de agir do autor; bem como a necessidade de formação de litisconsórcio passivo entre os Entes da Federação.
Entendo que a primeira questão não comporta conhecimento, uma vez que suscitada em sede de apelação interposta em face da sentença da ação de conhecimento, sendo que a intimação pessoal é pressuposto para a execução das astreintes fixadas em caso de descumprimento da obrigação, sendo, portanto, matéria a ser analisada na fase de execução.
Quanto às demais alegações preliminares, estas não merecem acolhida.
Isso porque, a garantia do direito à saúde como dever do Estado compreende tal expressão no seu sentido lato, ou seja, União, Estados e Municípios, conforme comando constitucional (CF/88: art. 196).
Assim, nas causas envolvendo o direito à saúde dos cidadãos, os entes federados são solidariamente responsáveis. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já firmou compreensão:
"(...) O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional". (STF, 2ª Turma, RE-AgR nº 393175/RS, Rel. Min. Celso de Melo, DJU 02.02.2007). (sem grifos no original).

Dessa forma, o direito à saúde é um direito social e deve alcançar toda coletividade, sendo dever do Estado prestá-lo.
Igualmente não prospera a alegação de falta de interesse de agir, sob o fundamento de que não houve negativa por parte do Estado/recorrente.
Quanto a necessidade de utilizar a via administrativa antes da via judicial, admitir tal exigência significaria ferir a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (Art. 5º, XXXV, da CF), mormente quando a omissão da autoridade em cumprir o preceito de assistência plena à saúde rendeu ensejo para a propositura da presente ação.
Ora, a existência de negativa de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público somente confirma o que já é sabido por todos, ou seja, que a burocracia e a desinformação a que são submetidos os usuários dos serviços do SUS realmente os compelem (antes que tenham suas doenças ainda mais agravadas ou que, na pior das hipóteses, morram nas filas de espera) a bater às portas do Judiciário. Isso por questão de sobrevivência.
Aliás, sendo certo que é obrigação do Ente Federativo o fornecimento dos medicamentos que, na espécie, foram devidamente requisitados pelo médico, mostra-se nitidamente descabida tal argumentação.
Nesse sentido:
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. Inocorrência. Não comprovação da negativa da Administração. Desnecessidade. Inviável exigir esgotamento da via administrativa. Garantia constitucional da Inafastabilidade da Jurisdição prevista no art. 5º, XXXV, da CF. Preliminar rejeitada. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. Ausência de padronização que não tem o condão de restringir o direito material tutelado. Indisponibilidade do direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal, norma de eficácia imediata. Prova inequívoca da necessidade do medicamento. Receituário médico que basta ao atendimento do pedido. A saúde constitui direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado. Recurso improvido.
(TJ-SP - APL: 00022887120128260204 SP 0002288-71.2012.8.26.0204, Relator: Claudio Augusto Pedrassi, Data de Julgamento: 03/11/2015,  2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/11/2015)

"(...) 4. Também é descabida a alegação de carência de ação por falta de interesse de agir.
Ao contrário do sustentado, a simples decisão governamental de fornecimento gratuito de medicamentos, insumos e exames na rede pública não garante ao cidadão o acesso às drogas, materiais, exames e tratamentos de que necessita, principalmente diante dos percalços financeiros enfrentados pelo Estado e em razão das constantes alterações de orientações administrativas.
Demais disto, em se tratando de medicamento essencial ao controle do tratamento de doença grave, a não dispensação do mesmo poderá trazer sérios riscos à saúde do doente, podendo, inclusive, determinar a sua morte.
Destarte, o cidadão possui o direito assegurado constitucionalmente de assistência integral à saúde e a negativa de fornecimento de medicamento 'in casu', poderá determinar o sacrifício de sua vida, direito fundamental indisponível.
Ainda que não exista o pedido do autor ao órgão competente ou a recusa formal deste - até porque é prescindível a via administrativa para a postulação de direitos - a omissão da autoridade em cumprir o preceito de assistência plena à saúde rendeu ensejo para a propositura da vertente ação . (...)". (TJSP - Apelação Cível nº 994.09.304278-1, Rel. Desª. Regina Capistrano, j. 11.5.2010).

Ante o exposto, rejeito as preliminares suscitadas pelo recorrente.
É como voto.
Boa Vista, 16 de fevereiro de 2016.


Desª. ELAINE BIANCHI - Relatora



VOTO - MÉRITO

No presente caso, constata-se a necessidade do medicamento para o controle de grave enfermidade, o que configura o direito constitucional que proclama a saúde como direito de todos e dever do Estado.
Nesse sentido, dispõe o artigo 196 da nossa Constituição Federal:
"Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Sendo assim, o bem da vida deve ter primazia sobre todos os demais interesses juridicamente tutelados, devendo o ente federado fornecer o suplemento prescrito, conforme bem decidiu a r. sentença.
Destarte, muito embora a lista de dispensação de medicamentos/insumos seja essencial à orientação e priorização da ação da Administração Pública na política estatal de assistência à saúde, ela não constitui pressuposto ao direito de obter o atendimento objeto de prescrição médica.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DOENÇA DE ALZHAIMER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DA LISTA ELABORADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. FÁRMACOS PRESCRITOS POR PROFISSIONAL DA SAÚDE HABILITADO. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS MEDICAMENTOS DEVIDAMENTE COMPROVADA. DEVER DE O ESTADO FORNECER A MEDICAÇÃO PRETENDIDA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE E À VIDA. Cerceamento de defesa - inocorrência. No caso, tendo a Magistrado "a quo" elementos suficientes para o esclarecimento da questão controvertida, está autorizada a dispensar a produção de quaisquer provas, podendo julgar antecipadamente a lide, sem que isso configure cerceamento de defesa. Precedentes desta Câmara. Fornecimento de medicamento prescrito por médico particular não constante do rol do SUS. - O fato de os medicamentos não constarem dentre os incluídos na lista elaborada pelo Ministério da Saúde não afasta a responsabilidade de o Estado fornecer os fármacos necessários ao tratamento da enfermidade que acomete a autora, considerando a relevância da questão saúde e a diretriz do atendimento integral aos cidadãos hipossuficientes economicamente. (…) REJEITARAM A PRELIMINAR, DESPROVERAM O RECURSO DE APELAÇÃO E REFORMARAM PARCIALMENTE A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação Cível Nº 70052251253, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em 29/05/2014)
(TJ-RS - AC: 70052251253 RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Data de Julgamento: 29/05/2014,  Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/06/2014)

Ademais, incabível a utilização das questões orçamentárias para que o Poder Público deixe de cumprir as normas previstas na Constituição Federal e que devem ser respeitadas pelos Entes Federados.
Nesse sentido, como bem asseverou o Min. Celso de Mello:
"entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput, e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo uma vez configurado esse dilema que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas". (RE-AgR nº 393.175-RS).

Dessa forma, não merece reparos a sentença vergastada, a qual determinou o fornecimento, de forma contínua, da medicação prescrita ao autor.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso, e, na parte conhecida, rejeito as preliminares suscitadas e, no mérito, nego provimento ao apelo.
É como voto.
Boa Vista, 16 de fevereiro de 2016.


Desª. ELAINE BIANCHI - Relatora



EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
PRELIMINARES: A) AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INOBSERVÂNCIA À SÚMULA 410 DO STJ. NÃO CONHECIMENTO; B) FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. COMPROVAÇÃO DE NEGATIVA DE FORNECIMENTO. DESNECESSIDADE; C) FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE ANTE A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS.
MÉRITO:  FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS QUE NÃO CONSTANTES DA LISTA ELABORADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS FÁRMACOS DEVIDAMENTE COMPROVADA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE E À VIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, QUANTO A ESTA, DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da Turma Cível da colenda Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer parcialmente do recurso, rejeitando as preliminares suscitadas e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora.
Estiveram presentes o eminente Desembargador Presidente da Câmara Única e demais integrantes da Turma Cível, bem como, o(a) ilustre representante da douta Procuradoria de Justiça. 
Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos dezesseis dias do mês de fevereiro do ano de dois mil e dezesseis.


Desª. ELAINE BIANCHI - Relatora



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
PRELIMINARES: A) AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INOBSERVÂNCIA À SÚMULA 410 DO STJ. NÃO CONHECIMENTO; B) FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. COMPROVAÇÃO DE NEGATIVA DE FORNECIMENTO. DESNECESSIDADE; C) FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE ANTE A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS.
MÉRITO:  FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS QUE NÃO CONSTANTES DA LISTA ELABORADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS FÁRMACOS DEVIDAMENTE COMPROVADA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE E À VIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, QUANTO A ESTA, DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

TJRR (AC 0060.13.701102-3, Câmara Única, Rel. Des. ELAINE BIANCHI, julgado em 16/02/2016, DJe: 26/02/2016)