Processo número: 0010.14.005427-0


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0010.14.005427-0 / BOA VISTA.
Apelante: Jucivan Pereira de Magalhães.
Defensor Público: Ronnie Gabriel Garcia.
Apelado: Ministério Público de Roraima.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.



RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação (fl. 50), interposto por JUCIVAN PEREIRA DE MAGALHÃES, contra a r. sentença de fls. 40/45, da lavra do MM. Juiz de Direito da 3.ª Vara Criminal de competência residual da Comarca de Boa Vista, que o condenou à pena de 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário mínimo, além da suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, no mesmo prazo de duração da pena privativa de liberdade, pela prática dos delitos previstos nos artigos 306 (embriaguez ao volante) e 309 (dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação) da Lei n.º 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro - CTB).

O apelante, em suas razões (fls. 55/58), pugna pela absolvição quanto ao crime do art. 309 do CTB, por aplicação do princípio da consunção, e redução da pena de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para conduzir veículo automotor.

Em contrarrazões (fls. 60/69), o apelado pugna pelo provimento parcial do recurso, para que seja readequada a pena acessória (suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para conduzir veículo automotor).

Em parecer (fls. 73/76), opina o Ministério Público de 2.º grau pelo provimento parcial da apelação (revisão do período de suspensão do direito de dirigir).

É o relatório.

Recurso que dispensa revisão (RITJRR, art. 178, parágrafo único).

Designe-se data para julgamento.

Boa Vista, 18 de abril de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

A pretensão recursal merece provimento.

Quanto ao princípio da consunção, a jurisprudência tem admitido sua aplicação entre os crimes dos artigos 306 e 309 do CTB, quando praticados no mesmo contexto fático, afastando o concurso material. Nesse sentido:

"APELAÇÃO CRIMINAL - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO (ART. 306 COMBINADO COM O ARTIGO 298, III, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO) - PARCIAL PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. RECURSO MINISTERIAL - PLEITO PELA CONDENAÇÃO PELOS DELITOS TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 306 E 309, DO CTB, EM CONCURSO MATERIAL - IMPROCEDÊNCIA - DELITO PREVISTO NO ART. 309 DO CTB É ABSORVIDO PELO DELITO TIPIFICADO NO ART. 306 DO MESMO CÓDIGO - APLICA-SE, NESSE CASO, A AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 298, III, DO CTB - RECURSO DESPROVIDO. 1. Na ocasião em que o agente pratica o delito previsto no art. 306 do CTB sem possuir habilitação para conduzir veículo automotor, é produzida apenas uma situação de risco, não sendo criados perigos diversos ao bem jurídico, de modo a ocorrer a consunção, absorvendo-se o delito previsto no art. 309 pelo delito do art. 306, ambos do CTB, e agravando-se a pena com fulcro no art. 298, III, do mesmo diploma legal. Apelação Crime nº 1.430.059-12" (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1430059-1 - Capanema -  Rel.: Luís Carlos Xavier - Unânime -  - J. 10.03.2016).

"PENAL. APELAÇÃO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR COM CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA, SEM A DEVIDA HABILITAÇÃO E FURTO SIMPLES CONSUMADO (Artigos 306 e 309, ambos do Código de Trânsito Brasileiro e artigo 155, caput, do Código Penal), em concurso material. 1) Absolvição dos crimes. A) Não há que se falar em insuficiência de provas quando o conjunto probatório se revelou uníssono em demonstrar a materialidade e autoria dos delitos de furto e embriaguez ao volante. Condenações confirmadas. B) A embriaguez ao volante, entretanto, absorve a direção sem habilitação, aplicando-se o princípio da consunção no conflito aparente de normas. Absolvição necessária do delito previsto no artigo 309, do CTB. (...)" (TJSP, Relator(a): Alcides Malossi Junior; Comarca: Itaí; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Data do julgamento: 28/01/2016; Data de registro: 02/02/2016).   

Com efeito, a ausência de habilitação por parte do réu deve ser considerada como agravante na individualização da pena do delito de embriaguez ao volante (art. 298, III, do CTB): "São circunstâncias que sempre agravam as penalidades dos crimes de trânsito ter o condutor cometido a infração sem possuir permissão para dirigir ou Carteira de Habilitação".

Assim, fica o apelante absolvido do crime do art. 309 do CTB (dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação), remanescendo a condenação pelo crime do art. 306, c/c art. 298, III, do mesmo diploma legal.

No que se refere à pena cumulativa de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para conduzir veículo automotor, o magistrado não apresentou fundamentação idônea, pois fora estabelecida "pelo prazo de duração da pena privativa de liberdade".

O art. 293 do CTB dispõe que "a penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos". Deve, pois, guardar proporcionalidade à gravidade do fato típico e ao grau de censura merecido pelo agente. Sobre o tema:

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 302 DA LEI N.º 9.503/1997. HOMICÍDIO CULPOSO. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. PENA CUMULATIVA. ART. 293 DO CTB. PRAZO DE DURAÇÃO DA MEDIDA. CRITÉRIOS. PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO. 1. O Código de Trânsito Brasileiro prevê a possibilidade de suspensão da habilitação para dirigir veículo, ora como sanção principal, ora como pena cumulativa - hipótese dos autos -, competindo ao magistrado aplicá-la dentro dos limites estabelecidos pelo art. 293 do mesmo diploma. 2. A legislação de regência, entretanto, não estabelece os parâmetros para a sua fixação, devendo o magistrado, de acordo com as peculiaridades do caso em concreto - gravidade do delito e grau de culpabilidade do agente -, estabelecer o prazo de duração da medida, não se restringindo à análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. 3. É certo que a pena de suspensão de habilitação deve seguir os mesmos critérios de proporcionalidade e adequação da privativa de liberdade. Entretanto, a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado não implica, necessariamente, a redução do prazo da sanção prevista no art. 293 do CTB ao mínimo legal de 2 meses, tendo em conta que a norma jurídica deixa uma margem de discricionariedade maior na aplicação dessa penalidade. (...). 5. Recurso especial desprovido" (STJ, REsp 1481502/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 03/11/2015).

Por sua vez, no que concerne à dosimetria penal, estabelecida para o crime remanescente - art. 306 do CTB (embriaguez ao volante) - não existem elementos nos autos que possam considerar a "personalidade" do réu como circunstância judicial negativa.

Passo à nova dosimetria.

O crime do art. 306 do CTB é punido com detenção, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Sopesando as mesmas circunstâncias já analisadas na primeira instância (fl. 43), tenho como necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime a pena-base de 01 (um) ano de detenção e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo, haja vista que a maioria das circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu: antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do crime.

Na segunda fase, não há circunstância atenuante, verificando-se, porém, as circunstâncias agravantes do art. 61, I, do CP (reincidência - fl. 07) e do art. 298, III, do CTB (dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação), pelo que elevo a pena aplicada na fase anterior para 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de detenção, e 144 (cento e quarenta e quatro) dias-multa.

Na terceira fase, não havendo causas de diminuição e de aumento de pena, torno-a definitiva em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de detenção, e 144 (cento e quarenta e quatro) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Em razão da reincidência, deve permanecer inalterado o regime inicial de cumprimento da pena imposto na sentença (semiaberto), nos termos do art. 33 , 2.º, "c", do Código Penal , sendo, ainda, incabíveis a substituição da reprimenda corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, II) e a suspensão da pena (CP, art. 77, I).

Por fim, reduzo o prazo de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor a 06 (seis) meses, eis que proporcional à gravidade do fato típico e ao grau de censura merecido pelo agente.

ISTO POSTO, em parcial harmonia com o parecer ministerial, dou provimento à apelação de JUCIVAN PEREIRA DE MAGALHÃES, para absolvê-lo do crime do art. 309 do CTB (dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação) e, mantendo a condenação pelo crime do art. 306 do CTB (embriaguez ao volante), reduzir a pena para 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de detenção, no regime inicial semiaberto, 144 (cento e quarenta e quatro) dias-multa, no valor unitário mínimo, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 06 (seis) meses.

É como voto.

Boa Vista, 03 de maio de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (CTB, ART. 306) E CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO (CTB, ART. 309) - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - POSSIBILIDADE - ABSORÇÃO DO DELITO DO ART. 309 PELO ART. 306, AMBOS DO CTB, AGRAVANDO-SE A PENA COM FULCRO NO ART. 298, III, DO MESMO DIPLOMA LEGAL - SANÇÃO DO ART. 293 DO CTB - PROPORCIONALIDADE - PENAS REDIMENSIONADAS - RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência tem admitido a aplicação do princípio da consunção entre os crimes dos artigos 306 e 309 do CTB, quando praticados no mesmo contexto fático, afastando o concurso material.
2. A ausência de habilitação por parte do réu deve ser considerada como agravante na individualização da pena do delito de embriaguez ao volante (art. 298, III, do CTB).
3. Assim, fica o apelante absolvido do crime do art. 309 do CTB, remanescendo a condenação pelo crime do art. 306, c/c art. 298, III, do mesmo diploma legal. Redução da pena definitiva.
4. A sanção do art. 293 do CTB deve guardar proporcionalidade à gravidade do fato típico e ao grau de censura merecido pelo agente. Redução da pena cumulativa.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em parcial consonância com o parecer ministerial, em dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Des. Mauro Campello (Julgador), Des. Leonardo Cupello (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.

Sala das Sessões, em Boa Vista, 03 de maio de 2016.


Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CRIMINAL - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (CTB, ART. 306) E CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO (CTB, ART. 309) - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - POSSIBILIDADE - ABSORÇÃO DO DELITO DO ART. 309 PELO ART. 306, AMBOS DO CTB, AGRAVANDO-SE A PENA COM FULCRO NO ART. 298, III, DO MESMO DIPLOMA LEGAL - SANÇÃO DO ART. 293 DO CTB - PROPORCIONALIDADE - PENAS REDIMENSIONADAS - RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência tem admitido a aplicação do princípio da consunção entre os crimes dos artigos 306 e 309 do CTB, quando praticados no mesmo contexto fático, afastando o concurso material.
2. A ausência de habilitação por parte do réu deve ser considerada como agravante na individualização da pena do delito de embriaguez ao volante (art. 298, III, do CTB).
3. Assim, fica o apelante absolvido do crime do art. 309 do CTB, remanescendo a condenação pelo crime do art. 306, c/c art. 298, III, do mesmo diploma legal. Redução da pena definitiva.
4. A sanção do art. 293 do CTB deve guardar proporcionalidade à gravidade do fato típico e ao grau de censura merecido pelo agente. Redução da pena cumulativa.

TJRR (ACr 0010.14.005427-0, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 03/05/2016, DJe: 05/05/2016)