Processo número: 0010.14.837246-8


CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010.14.837246-8 - BOA VISTA/RR
APELANTE: I. M. DE S.
ADVOGADA: DRA. DENISE ABREU CAVALCANTI – OAB/RR Nº 171-B
APELADO: L. H. L. DE S.
RELATOR: DES. JEFFERSON FERNANDES

 

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença que indeferiu a inicial por impossibilidade jurídica do pedido, em AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS, n. 0837246-63.2041.8.23.0010, com tramite na 1ª Vara de Família, Sucessões, Órfãos, Interditos e Ausentes.

O Apelante aduz que nas ações revisionais de alimentos o critério que deve ser observado sempre é o binômio alimentar: necessidade e possibilidade.

Alega que se as condições de fortuna do alimentado e do alimentante são mutáveis, o valor dos alimentos poderá ser modificado a qualquer momento.

Argumenta que entre o período da primeira demanda e da presente ocorreu mudança na renda do apelante, pois antes exercia função, de modo precário, para a Diretoria De Mobilidade Urbana da EMHUR, e na presente demanda já não está mais trabalhando, encontrando-se sem renda e, ainda, com precário estado de saúde.

Conclui que a sentença de alimentos poderá ser modificada a qualquer tempo, bastando, que exista modificação na situação de fato das partes, nos termo do artigo 1.699, do Código Civil.

Requer o conhecimento e provimento do presente recurso para reformar a sentença.

Réu, ora Apelado, não citado.

Parecer do Ministério Público graduado, às fls. 06/09, pugnando pela manutenção da sentença pelos próprios fundamentos.

É o breve relato.

Inclua-se o feito em pauta para julgamento.

Boa Vista (RR), em 16 de setembro de 2016.
 
JEFFERSON FERNANDES DA SILVA
Desembargador Relator

 

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Inicialmente, cumpre observar que embora esteja vigorando o Novo Código de Processo Civil, verifico que a interposição do presente recurso se deu na vigência do Código de Processo Civil de 1973, motivo pelo qual este deverá ser aplicado, uma vez que, em se tratando de recursos, a lei que regula seu procedimento, por questão de segurança jurídica, é a da data da sua interposição (STJ, Resp 659772/SP).

No mesmo sentido o artigo 14, do Código de Processo Civil atual, dispõe que "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

Pois bem. Os alimentos consistem garantia de sobrevivência digna do necessitado, alimentado, primando pelo direito à vida e pela dignidade da pessoa humana nos artigos 5°, caput, e, 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

A obrigação de sustento dos filhos menores também está previsto no artigo 229, da Constituição Federal:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Tal obrigação vem pormenorizada em legislação infraconstitucional, a exemplo dos artigos 1.568 e 1.696, do Código Civil:

Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Prevê, ainda, o ordenamento pátrio que, para o deferimento do direito a alimentos pretendido, imprescindível é a comprovação do binômio: necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante (CC/2002: art. 1.694, § 1º).

Poderá o interessado reclamar em juízo, conforme o caso, exoneração, redução ou majoração do encargo se ocorrer mudança nas finanças de quem os supre, ou na de quem os recebe (CC/2002: art. 1.699).

É o que, também, estabelece a Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências. Vejamos:

Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.

Assim, os alimentos fixados podem ser revistos a qualquer tempo, desde que haja provas que demonstrem a alteração na capacidade financeira do alimentante e, por via de consequência, a impossibilidade em suportar o encargo que lhe foi atribuído, bem como, a necessidade do alimentado.

Compreendo que na ação revisional de alimentos a mudança na situação financeira das partes é questão de mérito e não requisito da ação. Dessarte, o indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido, pela fundamentação recorrida, implica pré-julgamento da ação.

Acerca da questão colaciono:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - VINCULAÇÃO DO INTERESSE DE AGIR AO ENTENDIMENTO DO MAGISTRADO SOBRE O MÉRITO DA AÇÃO - NÃO CABIMENTO - SENTENÇA CASSADA - RECURSO PROVIDO.
- Na ação revisional de alimentos, a mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe é questão de mérito, e não requisito da ação. E nem poderia ser diferente, porque a referida tese, que foi adotada pela sentença, implica pré-julgamento da ação.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0079.13.036014-6/001, Relator(a): Des.(a) Moreira Diniz , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2013, publicação da súmula em 18/12/2013)

O critério para análise da possibilidade jurídica do pedido, não pode ser subjetivo. Vejamos: Se a situação financeira das partes fosse requisito para ingresso da ação revisional de alimentos, o Juiz poderia recebe a ação caso compreendesse haver mudança na situação financeira das partes, analisando desde logo as provas trazidas à inicial. Noutro rumo, se outro Juiz compreender, preliminarmente, inexistência da referida mudança, este poderia indeferir a exordial por ausência do interesse de agir. Creio que tal subjetividade, ofende o princípio da segurança jurídica, já que o interesse de agir da parte estaria ligado ao entendimento do Juiz sobre o mérito da causa.

Outrossim, o Juiz assevera que as provas juntadas à exordial datam de antes da sentença que se pretende revisar e que a parte pretende a revisão da matéria.

Compreendo que a análise das provas carreadas também é questão de mérito. Quando o juiz tratou das provas juntadas, adentrou no mérito da questão.

Finalmente, a fundamentação de que o lapso entre uma ação e outra é de, apenas três meses, também merece retoque, afinal, as circunstâncias podem mudar, para ambas as partes, a qualquer tempo. Por isso, o artigo 1.699, do Código Cível, já mencionado, autoriza o ingresso da revisão, desde que ocorra mudança nas condições financeiras das partes. O legislador não adotou critério de tempo para a revisão, mas de mudança na situação econômica das partes.

Ex positis, nos termos acima, e com fundamento artigo 1.699, do Código Cível, conheço do Apelo, para dar provimento ao recurso, cassando a sentença que indeferiu a inicial, por ausência de interesse de agir.

É como voto.

Boa Vista (RR), em 06 de outubro de 2016.

JEFFERSON FERNANDES DA SILVA
Desembargador Relator

 

EMENTA

DIREITO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - REVISIONAL DE ALIMENTOS - BINÔMIO: POSSIBILIDADE X NECESSIDADE - INDEFERIMENTO DA INICIAL - AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - IMPOSSIBILIDADE - MUDANÇA NA SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS PARTES - QUESTÃO DE MÉRITO - E NÃO REQUISITO DA AÇÃO -  APELO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Sobrevindo alteração na situação financeira do alimentante ou do alimentado, poderá haver exoneração, redução ou majoração do encargo (CC/2002: art. 1.699).
2. Os alimentos fixados podem ser revistos a qualquer tempo, desde que haja provas que demonstrem a alteração na capacidade financeira do alimentante e, por via de consequência, a impossibilidade em suportar o encargo que lhe foi atribuído, bem como, a necessidade do alimentado.
3. A mudança na situação financeira das partes é questão de mérito, e não requisito da ação. Dessarte, o indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido implica pré-julgamento da ação.
4. Apelo conhecido e provido.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes 2ª Turma, da Colenda Câmara Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade, em conhecer do Apelo e dar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Presentes à Sessão de Julgamento os Senhores Desembargadores Elaine Bianchi (Presidente e julgadora), Jefferson Fernandes (Relator), e Mozarildo Cavalcanti (Julgador).

Sala das sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos seis dias do mês de outubro do ano de dois mil e dezesseis.

JEFFERSON FERNANDES DA SILVA
Desembargador Relator



RESUMO ESTRUTURADO
DIREITO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - REVISIONAL DE ALIMENTOS - BINÔMIO: POSSIBILIDADE X NECESSIDADE - INDEFERIMENTO DA INICIAL - AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - IMPOSSIBILIDADE - MUDANÇA NA SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS PARTES - QUESTÃO DE MÉRITO - E NÃO REQUISITO DA AÇÃO - - APELO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Sobrevindo alteração na situação financeira do alimentante ou do alimentado, poderá haver exoneração, redução ou majoração do encargo (CC/2002: art. 1.699).
2. Os alimentos fixados podem ser revistos a qualquer tempo, desde que haja provas que demonstrem a alteração na capacidade financeira do alimentante e, por via de consequência, a impossibilidade em suportar o encargo que lhe foi atribuído, bem como, a necessidade do alimentado.
3. A mudança na situação financeira das partes é questão de mérito, e não requisito da ação. Dessarte, o indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido implica pré-julgamento da ação.
4. Apelo conhecido e provido.

TJRR (AC 0010.14.837246-8, Câmara Cível, Rel. Des. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, julgado em 06/10/2016, DJe: 04/11/2016)