Processo número: 0047.13.000759-5


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0047.13.000759-5 - RORAINÓPOLIS/RR
APELANTE: ABRAÃO ALVES LIMA
DEFENSOR PÚBLICO: DR. EDUARDO DE CARVALHO VERAS
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: DES. LEONARDO CUPELLO



RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal, em face de sentença proferida pelo Juiz da Vara Única da Comarca de Rorainópolis/RR, que condenou o Apelado pela prática do ilícito descrito no art. 155, §1º, do CP, fixando a pena definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa.

A defesa, irresignada, interpôs Recurso, alegando error in judicando.

Em suas razões, alega que em alegações finais a defesa sustentou atipicidade da conduta em razão da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a res furtiva tinha valor ínfimo levando em consideração que todos os objetos subtraídos eram usados; que o douto juízo a quo entendeu por não aplicar referido princípio ao argumento que, a soma dos objetos subtraídos ultrapassa o valor de um salário mínimo.

Aduz que não fora realizada avaliação da res furtiva com o fim de constatar seu real valor venal, não havendo como afastar o princípio da insignificância baseado em valores aplicando "achismos".

Afirma ainda que em suas alegações finais, requereu, em caso de condenação, o reconhecimento da figura do furto privilegiado, entretanto a sentença afastou a tese sob fundamento de ausência circunstância subjetiva exigida no tipo penal; que o réu é tecnicamente primário, nos termos do art. 63, do CP, pois apesar de existirem processos em curso nenhum destes tramitaram em julgado antes da prática das conduta ora analisadas não gerando assim o instituto da reincidência.

Aduz, ainda, que de acordo com a moderna jurisprudência, a causa de aumento de pena do repouso noturno somente se aplica se os moradores estiverem repousando, estando a vigilância sobre a res furtiva diminuída, o que não ocorreu nos autos; ainda, assevera que caso não se aceite as teses anteriores, é imperioso que seja reformada a decisão proferida no juízo  a quo que refutou a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos sob o fundamento de que o apelante é reincidente específico.

Requer, por fim, o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a r. sentença, absolvendo o Apelante, ou, subsidiariamente, aplicar o privilégio do §2º (pequeno valor), bem como afastar a causa de aumento de pena (furto noturno) prevista no §1º, ambos do CP, fixando a pena no mínimo legal, devido a ausência de reincidência; e ainda, a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

O Ministério Público, em contrarrazões, rebate o argumento da insignificância, sustentando que além da questão do valor dos bens furtados, a decisão que afastou o princípio da insignificância, fundamentou-se, sobretudo, no desestímulo às repetidas condutas delituosas; que constam duas condenações em ações penais, sendo uma delas por furto, restando indubitável a reincidência do apelante.

Rebate ainda o apelo, afirmando que na jurisprudência é irrelevante que as vítimas estejam efetivamente repousando no momento do delito, sendo aplicável até mesmo em estabelecimento comercial, e, até em via pública; bem como, rechaça a possibilidade de substituir a pena privativa por restritiva de direitos.

Ao final, requer o conhecimento, mas desprovimento total do recurso.

A d. Procuradoria de Justiça, em seu parecer, rechaçou os argumentos da defesa e manifestou-se pelo total desprovimento do recurso.

Vieram-me os autos conclusos.
É o sucinto relato.
Encaminhe-se a d. revisão regimental.

Boa Vista (RR), em 09 de agosto de 2017.

Leonardo Cupello
Desembargador
Relator



VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ab initio, retifico o relatório quanto à descrição da sentença condenatória do Apelante, para que em lugar de "fixando a pena definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa", leia-se "fixando a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa."

Prossigo. 

O Apelante sustenta a atipicidade da conduta, em virtude da aplicação do princípio da insignificância. Contudo, para aferir a ocorrência ou não do crime de bagatela, faz-se necessário verificar os requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Vejamos.

A vítima Alan da Silva afirmou em juízo que foram levados de sua oficina (serralheria) uma lixadeira makita, uma furadeira makita, 40 metros de cabos (fio elétrico) e uma bicicleta; que não lembra bem quanto custou a lixadeira, fazia uns quatro anos que tinha ela, deve ter sido uns R$ 500,00 (quinhentos reais), atualmente deve custar uns novecentos reais; que os fatos ocorreram no dia em que havia chegado da igreja, por volta de meia-noite quando ouviu os latidos do cachorro; que mora no mesmo local da serralheria; que só percebeu pela manhã, pois foi pegar a lixadeira pra terminar um serviço; que a bicicleta também não estava no local; que na terça-feira comentou com um conhecido sobre o ocorrido, e este lhe informou que o "Passarinho" estava oferecendo a furadeira e lixadeira lá no centro; que a vítima viu na quarta-feira o agente com a bicicleta, que a bicicleta é modelo de mulher; que a bicicleta estava no galpão; que esse lugar é fechado na frente e ao lado tem um muro; que não houve arrombamento, que o acusado pulou pelo buraco das janelas que ficam ao lado dos galpões; que o acusado deve ter afastado as coisas que ficam na frente do buraco; que a vítima é amigo do pai do acusado. 

Continuou afirmando em juízo que após ver o acusado com a bicicleta comunicou a PM (polícia militar) e de lá foram para civil; que o acusado negou ter pego as coisas, só a bicicleta; que a lixadeira e a furadeira não estavam na casa dele, já tinha vendido; que o acusado disse que queimou o fio; que ele também indicou a pessoa e a casa para quem ele vendeu as coisas; que a pessoa que comprou a lixadeira e a makita levou essas pra Polícia Civil; que conseguiu recuperar os objetos menos o fio; que acha que a bicicleta foi uns duzentos reais; que no dia em que foi na delegacia tinha outra vítima se queixando de outro furto e desconfiando do réu; que também viu na delegacia umas botijas de gás.

Ao ser questionado, a vítima afirmou que não estava dormindo no momento do furto, que os cabos custaram por volta de R$ 2,80 o metro, eram 40 metros de cabo.

Destaco na oitiva do subtenente Batista que este já atendeu algumas ocorrências de bar envolvendo o réu, muitas vezes procurou e não encontrou o agente por queixas de furto; que já prendeu o agente uma vez em um bar alterando contra guarnição.

Destaco ainda, na oitiva do subsargento Sérgio da Silva Gomes que a dona Núbia, esposa do Alan, o informou que a bicicleta da filha, roubada de sua casa, estava na casa do réu, que uma testemunha também viu a bicicleta na casa do réu; que foi nessa ocasião que o depoente foi até a casa do réu e conduziu este para prestar esclarecimentos na delegacia; que sabe que os objetos furtados foram recuperados, menos o fio que fora queimado; que o réu havia informado na delegacia que tinha comprado a bicicleta.

Após análise do interrogado do réu, destaco que o mesmo confirmou que é conhecido como "Passarinho"; que trabalha com artesanato; que ainda recebe ajuda dos pais pra sobreviver. Bem como, o réu confessou os fatos, que agiu sozinho, entrou pelo buraco de janela, que não é muito alta, confirmou que levou os fios, furadeira, lixadeira e bicicleta, e depois tentou vender a furadeira e lixadeira; também confessou que vendeu um notebook do jeito que furtou.

Com as oitivas em destaque, passo a análise do pedido recursal.

Quanto à autoria, não há o que se questionar, o réu é confesso esclarecendo alguns detalhes dos fatos que lhe foram imputados. Bem como, a materialidade igualmente está patente, pelos autos de apreensão e apresentação de fls. 30 (do IP) e pela confissão do réu.

Em relação à atipicidade pela insignificância da res furtiva, não há como prosperar. Apesar de não haver nos autos perícia de avaliação do valor de cada objeto furtado, a fim de se apurar se em conjunto ultrapassam um salário mínimo à época dos fatos (R$ 678,00), apurou-se em audiência, tanto pelos depoimentos dos policiais militares que atendem a comunidade, quanto pelo próprio réu e alegações finais da defesa, que o recorrente é contumaz em pequenos furtos, fato que por si já desautoriza a aplicação do princípio da insignificância.

Trago à colação julgados sobre o tema: 

PENAL.  AGRAVO  REGIMENTAL  NO  AGRAVO  EM  RECURSO ESPECIAL. FURTO. MÚLTIPLA  REINCIDÊNCIA.  PRINCÍPIO  DA  INSIGNIFICÂNCIA.  APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1.  O Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que, para a  aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, cumulativamente,   as   seguintes  condições  objetivas:  a)  mínima ofensividade  da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da  ação;  c)  reduzido  grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2.  O  princípio da bagatela não pode ser aplicado a réu que ostenta diversas  condenações  criminais  transitadas em julgado, por crimes contra o patrimônio. Precedentes.
3.  "Embora a res furtivae seja de valor irrisório, deve-se levar em conta,  igualmente,  o  desvalor da conduta do recorrente, porquanto extrai-se  das  certidões  juntadas que ele é contumaz na prática de delitos,  possuindo  diversos  registros  criminais em seu desfavor, significando   dizer   que   não   há  falar  em  reduzido  grau  de reprovabilidade de seu comportamento." (AgRg  no  REsp  1.618.533/MG,  Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 25/10/2016).
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 975343 / MG, Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, T6 - SEXTA TURMA, DJe 24/02/2017)


PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES TENTADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ELEVADO GRAU DE REPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. CONFISSÃO. QUANTUM DESPROPORCIONAL. REDUÇÃO. RECONHECIMENTO DO FURTO PRIVILEGIADO. VIABILIDADE.
1. Impossível o reconhecimento da atipicidade material do fato, pelo princípio da insignificância, uma vez que o comportamento do apelante reveste-se de elevado grau de reprovação, na medida em que praticou furto tentado na presença de um policial, a demonstrar maior destemor, bem como é contumaz em delitos dessa natureza.
2. O quantum de redução na segunda fase da dosimetria da pena deve ser proporcional ao aumento realizado na primeira fase por cada circunstância judicial desfavorável.
3. Presentes os requisitos previstos no § 2º do art. 155 do Código Penal, deve ser reconhecida a figura do furto privilegiado, sem aplicação isolada da pena de multa, quando as peculiaridades do caso concreto evidenciam não ser suficiente para a prevenção e repressão do delito.
4. Apelação conhecida e parcialmente provida.  (TJDF. APR 20130111553776, JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Publicado no DJE : 06/10/2015) (g.n.)


HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE CONTUMAZ EM CRIMES PATRIMONIAIS. RELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESFERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ E SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
- O STJ, seguindo o entendimento da Primeira Turma do STF, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal. - O STF já consagrou o entendimento de que, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, de forma cumulada, os seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC n. 112.378/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 18/9/2012).
- As circunstâncias do crime - furto qualificado, cometido mediante arrombamento, com a quebra do vidro lateral do carro da vítima -, afastam a aplicação do princípio da insignificância, por tratar-se de conduta ousada e, portanto, relevante para o Direito Penal.
- O paciente é contumaz na prática de delitos, porquanto ostenta condenação com trânsito em julgado, inclusive por outro furto qualificado, conforme consignado no acórdão impugnado. Nesse contexto, a reiteração no cometimento de infrações penais se reveste de relevante reprovabilidade e não se mostra compatível com a aplicação do princípio da insignificância, reclamando a atuação do Direito Penal. Deve-se enfatizar, por oportuno, que o princípio da bagatela não pode servir como um incentivo à prática de pequenos delitos. Habeas Corpus não conhecido. (STJ. HC 311348 RS, T6 - SEXTA TURMA, Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), DJe 24/04/2015) (g.n.)


Portanto, não merece acolhida a insurgência da defesa, para afastar a absolvição pelo crime de bagatela. 

A defesa ainda suscita a ocorrência de furto privilegiado. O Código Penal prevê no §2º, do art. 155, que se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Ocorre que as coisas furtadas não possuem valor irrisório. Reitero que, independente de não ter sido realizado avaliação técnica do valor dos objetos furtados, a vítima em depoimento deu valor aproximado dos objetos, a nota fiscal do valor da bicicleta está nos autos, e a quantia não foi rebatida pela defesa. Desta feita, não considero valor irrisório dois aparelhos de makita de aproximadamente R$ 300,00 (trezentos reais) cada um, os quais são fundamentais para o ofício/trabalho da vítima, que é serralheiro, acrescido dos fios e da bicicleta, que custou R$ 300,00 (trezentos reais), conforme nota nos autos.

Pelas provas colhidas, portanto, nego o pedido de aplicação do privilégio ao furto praticado. Sigo precedentes nessa linha:

AGRAVO  REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.    NÃO    OCORRÊNCIA.    SUPRESSÃO    DE   INSTÂNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. PRIVILÉGIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não viola o princípio da colegialidade a decisão monocrática que, amparada  em  permissivo  regimental  (art.  210 do RISTJ), indefere liminarmente   o   habeas   corpus   quando  a  tese  defendida  for manifestamente incabível. 2. O pleito do paciente não foi analisado pelo Tribunal estadual, de forma  que  seu exame diretamente por esta Corte Superior importaria em  indevida  supressão  de  instância.  
3.  Tratando-se de furto de coisas avaliadas  em  R$  675,00,  quantia que ultrapassa o salário mínimo  vigente  à  época  dos  fatos,  inviável o reconhecimento do princípio da insignificância ou do furto privilegiado. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no HC 387098 / SC, Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe 23/03/2017) (g.n.)

AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. TRÊS FURTOS QUALIFICADOS PELO CONCURSO DE AGENTES EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 155, § 4.º, IV, COMBINADO COM O ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RÉ PRIMÁRIA. APLICAÇÃO DA FIGURA PRIVILEGIADA (ART. 155, § 2.º DO CÓDIGO PENAL). IMPOSSIBILIDADE. VALOR SUBTRAÍDO PRÓXIMO AO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE Á ÉPOCA. TESE RELATIVA A CONSIDERAÇÃO INDIVIDUAL DE CADA CRIME PARA AFERIÇÃO DA APLICAÇÃO DA FIGURA PRIVILEGIADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
I - Consoante entendimento pacificado pela 3.ª Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.193.932/MG, sob o regime especial dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, é possível o reconhecimento da figura privilegiada do furto, nos termos do art. 155, § 2.º, do Código Penal, ainda que presente qualificadora prevista no § 4.º, do mesmo artigo.
II - No caso dos autos, por três vezes, em continuidade delitiva, a Ré subtraiu diversos artigos de vestuário, em três estabelecimentos comerciais distintos, que somados chegam ao montante de R$ 346,00 (trezentos e quarenta e seis reais). Os fatos ocorreram em 2009, quando em vigor o salário mínimo estabelecido pela Lei n. 11.944/2009, no valor de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais). Desse modo, revela-se significativo o montante.
III - A tese de que, para fins de aplicação da figura privilegiada do crime de furto - art. 155, § 2.º do Código Penal -, deve-se considerar os crimes individualmente e não somar o valor dos objetos furtados, não foi objeto de debate no Tribunal de origem, tampouco constou da petição de Recurso Especial, padecendo do vício de ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
IV - Agravo parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (STJ, AgRg no REsp 1397678 RJ, T5 - QUINTA TURMA, Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 27/02/2014) (g.n.)


Contrariamente ao que afirma a defesa, os objetos somados possuem valor maior que um salário mínimo vigente no ano de 2013, ou muito aproximado a este. Destacando-se que com exceção da bicicleta, os objetos eram essenciais para o trabalho da vítima.

Portanto, também afasto a aplicação do privilégio.

O argumento de não aplicação da majorante do repouso noturno a estabelecimento comercial, semelhantemente, não há como prosperar. A jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal já é pacífica sobre o tema:

"Decisão: [...] Decido. Nos presentes autos se discute a possibilidade de aplicação da majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código Penal aos crimes de furto simples praticado em estabelecimento comercial durante o período de repouso noturno. O legislador, ao inserir o §1º do art. 155 no Código Penal, visou suprir a deficiência da segurança durante o período de ausência da luz solar. Nesses termos, tinha como intenção resguardar o patrimônio de forma geral, não fazendo diferenciação entre o patrimônio da pessoa física e o da jurídica, já que ambas podem ser sujeito passivo do crime de furto. Conforme explicitado pelo Superior Tribunal de Justiça em suas razões de decidir: "(...)a incidência da causa de aumento de pena do repouso noturno, prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal, é suficiente que o delito ocorra durante a noite, sendo prescindível que a vítima esteja repousando ou que se trate de local habitado. Neste aspecto, cumpre ressaltar que é irrelevante o local da empreitada criminosa, residência, estabelecimento comercial ou via pública, haja vista que o tipo tutela exclusivamente o patrimônio. Com efeito, configura-se a majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código Penal, quando o furto for praticado em estabelecimento comercial no período do repouso noturno, haja vista que há maior probabilidade do agente lograr êxito na empreitada criminosa em razão da menor vigilância sobre o bem, que fica mais vulnerável à subtração'". Nessa mesma linha, o Ministério Público Federal, em parecer, entendeu que "maior a reprovabilidade da conduta daquele que comete o crime quando estabelecimento comercial está fechado, valendo-se da ausência do dono ou gerente e empregados durante o período do repouso noturno. Nesse período a redução do nível de vigilância aumenta a probabilidade de sucesso na empreitada". ( eDOC 8, p. 3) Assim, reputo irretocável a decisão formalizada pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do agravo regimental, porquanto o repouso noturno deve ser considerado nas hipóteses de furto praticado em estabelecimento comercial, tendo em vista a maior probabilidade do agente lograr êxito em virtude da menor vigilância sobre o bem. Ante o exposto, com base no art. 192, caput, do RISTF, denego a ordem. Publique-se. Brasília, 15 de setembro de 2016. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente." (STF. HC 132993, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 15/09/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 16/09/2016 PUBLIC 19/09/2016) (g.n.)

"[...] Esta Corte de Justiça vem entendendo que "a majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código Penal incide na hipótese de furto praticado em estabelecimento comercial no período de repouso noturno, em que há maior possibilidade de êxito na empreitada criminosa em razão da menor vigilância do bem, mais vulnerável à subtração." (REsp 1.193.074/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 15/03/2013). No mesmo sentido, vale conferir o seguinte precedente: AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. ART. 155, § 1º, DO CP. FURTO CIRCUNSTANCIADO. PERÍODO NOTURNO. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. POSSIBILIDADE. 1. Para a incidência da causa especial de aumento prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal, faz-se suficiente que a infração ocorra durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade para as residências, lojas e veículos, entre outros. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 1251465/MG, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 20/02/2014) 
[...] Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para determinar a aplicação da circunstância relativa à prática do furto durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, do Código Penal), ao crime praticado pelo recorrido, arbitrando a pena de reclusão em 01 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, mais 07 (sete) dias-multa, mantidos os demais termos do acórdão recorrido. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 13 de maio de 2015. MINISTRO GURGEL DE FARIA Ministro." (STJ, REsp 1527875 MG, DJ 27/05/2015) (grifo nosso).


Assim, mantenho a causa especial de aumento do repouso noturno.

Derradeiramente, requer seja afastada a reincidência do réu e a consequente substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Então, vejamos.

O réu foi condenado a 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa.

Prevê o CPB, que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; o réu não for reincidente em crime doloso; e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (art. 44).

Verifiquei às fls. 11, que as condenações contra o recorrente, constantes nos autos do processo n. 047.12.000442-8 e 047.12.001462-7, tiveram o trânsito em julgado posterior aos fatos do caso em análise. Portanto, considerando que a lei descreve a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior, merece acolhida este último pedido da defesa, para aplicar pena restritiva de direito em lugar da privativa de liberdade.

Desta feita, com fundamento no art. 44, incisos I, II, III, e §2º, do CP, substituo a pena de reclusão fixada pelo juízo a quo de 01 (um) ano e 06 (seis) meses, por duas penas restritivas de direitos a serem estabelecidas pelo juízo da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, em consonância parcial com o parecer Ministério Público, conheço do recurso e dou parcial provimento ao apelo, reformando a sentença condenatória apenas para afastar a reincidência e substituir a pena de reclusão de 01 (um) ano e 06 (seis) meses por duas penas restritivas de direito, a serem estabelecidas pelo Juízo da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (VEPEMA).

É como voto.
Boa Vista, 22 de agosto de 2017.

Leonardo Cupello
Desembargador 
Relator



EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE FURTO - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - RÉU CONTUMAZ - APLICAÇÃO DO FURTO PRIVILEGIADO - NÃO CONCESSÃO - VALORES DOS OBJETOS FURTADOS, SOMADOS, SÃO EQUIVALENTES AO SALÁRIO MÍNIMO  VIGENTE À ÉPOCA - EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO REPOUSO NOTURNO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL - INVIABILIDADE - PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES CONSOLIDARAM A APLICAÇÃO DA MAJORANTE MESMO EM COMÉRCIOS - PLEITO PARA AFASTAR A REINCIDÊNCIA - ACOLHIMENTO PARA SUBSTITUIR A PENA DE RECLUSÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1- Apelação da defesa trouxe pleitos diversos: a absolvição pela aplicação do princípio da insignificância; se mantida a condenação, a incidência de furto privilegiado; exclusão da causa de aumento de pena do repouso noturno; e, para afastar a reincidência e substituição da pena de reclusão por restritiva de direitos. 
2- O pedido de absolvição merece rejeição, pois o recorrente é réu contumaz na prática de pequenos furtos conforme se demonstra em sua folha de antecedentes; o princípio da bagatela não pode ser um incentivo à reiteração delitiva. Precedentes do STJ.
3 - O pleito de aplicação do privilégio constante no §2º, do art. 155, do CP, não merece acolhimento. Ainda que não tenha havido perícia ou avaliação do valor real dos objetos furtados, há nota fiscal da bicicleta nos autos, na qual consta R$ 300,00 (trezentos reais), o qual somado aos demais objetos, cujos valores foram relatados pela vítima e não contestados em tempo, rechaçam o privilégio, por perfazerem valor igual ou maior que o salário mínimo vigente à época dos fatos (R$ 678,00). 
4 - Exclusão da causa de aumento de pena pela aplicação do repouso noturno devido o réu ter adentrado em estabelecimento comercial. Impossibilidade. Precedentes das e. Cortes Superiores já sedimentaram que quando o furto for praticado em estabelecimento comercial no período de repouso noturno, assim como em residências, há maior probabilidade do agente lograr êxito na empreitada em razão da menor vigilância e vulnerabilidade do bem.  
5 - Pedido para afastar a reincidência e possibilitar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Acolhimento. As condenações constantes na folha de antecedentes do réu possuem trânsito em julgado posteriores ao fato em análise. Pena de reclusão de 01 (um) ano e 06 (seis) meses substituídas por duas restritivas de direito a serem estabelecidas pelo juízo da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas - VEPEMA.
6 - Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido, em consonância parcial com o parecer do Parquet Graduado.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, e em consonância parcial com o parecer do Ministério Público, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores Ricardo Oliveira, Almiro Padilha  e o (a) representante da Procuradoria de Justiça.

Sala de Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos vinte e dois dias do mês de agosto do ano de dois mil e dezessete.

Leonardo Cupello
Desembargador
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE FURTO - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - RÉU CONTUMAZ - APLICAÇÃO DO FURTO PRIVILEGIADO - NÃO CONCESSÃO - VALORES DOS OBJETOS FURTADOS, SOMADOS, SÃO EQUIVALENTES AO SALÁRIO MÍNIMO  VIGENTE À ÉPOCA - EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO REPOUSO NOTURNO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL - INVIABILIDADE - PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES CONSOLIDARAM A APLICAÇÃO DA MAJORANTE MESMO EM COMÉRCIOS - PLEITO PARA AFASTAR A REINCIDÊNCIA - ACOLHIMENTO PARA SUBSTITUIR A PENA DE RECLUSÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1- Apelação da defesa trouxe pleitos diversos: a absolvição pela aplicação do princípio da insignificância; se mantida a condenação, a incidência de furto privilegiado; exclusão da causa de aumento de pena do repouso noturno; e, para afastar a reincidência e substituição da pena de reclusão por restritiva de direitos. 
2- O pedido de absolvição merece rejeição, pois o recorrente é réu contumaz na prática de pequenos furtos conforme se demonstra em sua folha de antecedentes; o princípio da bagatela não pode ser um incentivo à reiteração delitiva. Precedentes do STJ.
3 - O pleito de aplicação do privilégio constante no §2º, do art. 155, do CP, não merece acolhimento. Ainda que não tenha havido perícia ou avaliação do valor real dos objetos furtados, há nota fiscal da bicicleta nos autos, na qual consta R$ 300,00 (trezentos reais), o qual somado aos demais objetos, cujos valores foram relatados pela vítima e não contestados em tempo, rechaçam o privilégio, por perfazerem valor igual ou maior que o salário mínimo vigente à época dos fatos (R$ 678,00). 
4 - Exclusão da causa de aumento de pena pela aplicação do repouso noturno devido o réu ter adentrado em estabelecimento comercial. Impossibilidade. Precedentes das e. Cortes Superiores já sedimentaram que quando o furto for praticado em estabelecimento comercial no período de repouso noturno, assim como em residências, há maior probabilidade do agente lograr êxito na empreitada em razão da menor vigilância e vulnerabilidade do bem.  
5 - Pedido para afastar a reincidência e possibilitar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Acolhimento. As condenações constantes na folha de antecedentes do réu possuem trânsito em julgado posteriores ao fato em análise. Pena de reclusão de 01 (um) ano e 06 (seis) meses substituídas por duas restritivas de direito a serem estabelecidas pelo juízo da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas - VEPEMA.
6 - Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido, em consonância parcial com o parecer do Parquet Graduado.

TJRR (ACr 0047.13.000759-5, Câmara Criminal, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, julgado em 22/08/2017, DJe: 24/08/2017)