Processo número: 0005.02.000020-3


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005.02.000020-3 - ALTO ALEGRE/RR
1º APELANTE / 2º APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2º APELANTE / 1º APELADO: EDSON DE SOUZA
DEFENSOR PÚBLICO: VANDERLEI OLIVEIRA
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA



RELATÓRIO

Tratam os autos de apelações criminais (fl. 499), interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA e por EDSON DE SOUZA, contra a r. sentença de fls. 504/506, da lavra do MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre, que, acolhendo pronunciamento do Conselho de Sentença, condenou o réu a 08 (oito) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, por infração ao art. 121, caput, do CP.
 
O 1.º apelante (MINISTÉRIO PÚBLICO), em suas razões (fls. 507/513), pugna por novo julgamento, alegando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, visto que restou demonstrada a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (surpresa e disparo efetuado à curta distância). 

O 2.º apelante (EDSON DE SOUZA), por sua vez, também pede a realização de novo júri, sustentando que o julgamento foi manifestamente contrário à prova dos autos, porquanto não foi reconhecida a tese de legítima defesa. Em relação à pena, ressalta que foi fixada de modo exacerbado, sem a devida fundamentação, devendo ser reduzida (fls. 515/526).

As partes ofereceram contrarrazões (fls. 527/537 e 539/542-v).



Em parecer de fls. 546/552, opina o Ministério Público de 2.º grau pelo desprovimento de ambos os recursos.

É o relatório.

À douta revisão regimental.

Boa Vista, 27 de outubro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

Só é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que se divorcia completamente dos elementos do processo, revelando-se arbitrária através de um simples exame dos autos, o que, in casu, não ocorre.

Com efeito, os jurados concluíram que o réu EDSON DE SOUZA, vulgo "Maranhão", praticou o crime de homicídio simples contra a vítima JOSÉ CARLOS COSTA, conhecida por "Negão", contrariando a tese da acusação na parte em que estaria configurada a qualificadora do recurso que dificultou a defesa do ofendido. No julgamento, também foi afastada a ocorrência da legítima defesa, versão sustentada pela defesa.

Não obstante a irresignação das partes, não há que se falar em julgamento contrário à prova dos autos.

Apesar de o crime ter ocorrido sem a presença de testemunhas, o veredicto popular encontra apoio nas declarações do próprio réu, que narrou que, durante discussão por causa de uma quantia em dinheiro, desferiu um tiro de espingarda na vítima (CD-ROM).

Em relação à qualificadora do recurso que dificultou a defesa do ofendido (surpresa e disparo efetuado à curta distância), convém lembrar que "todo ataque tem uma dose natural de surpresa, pois, do contrário, seria um autêntico duelo. Não se costuma cientificar a vítima de que ela será agredida, de forma que não é o simples fato de iniciar um ataque de súbito que faz nascer a qualificadora (...). Assim, se durante uma exasperada discussão, alguém saca de um revólver atingindo o ofendido, isso não significa, necessariamente, a configuração da qualificadora da surpresa." (Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 765). 

No que tange à tese da legítima defesa, embora o réu tenha alegado que atirou para se defender de "Negão", os jurados decidiram pela ausência dos requisitos para a configuração da excludente (CP, art. 25). De fato, o depoimento do acusado não induz à certeza de que ele teria sofrido injusta agressão por parte da vítima, a qual, ao que tudo indica, estava desarmada.

Vê-se, portanto, que a versão aceita pelos jurados é verossímil, encontrando apoio nas provas carreadas, motivo pelo qual deve ser mantida, sob pena de afronta ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.

Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2.º, INCISOS I E IV DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE TER SIDO A DECISÃO DO JÚRI CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. I. Não se qualifica como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos Jurados que se filia a uma das versões para o crime, em detrimento de outra, ambas apresentadas em Plenário, desde que a tese privilegiada esteja amparada em provas idôneas, como ocorreu na espécie (Precedentes). (...) III. Somente a decisão aberrante, manifestamente contrária à prova produzida, é que comporta anulação" (STJ, HC 146.519/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 11/05/2010, DJe 31/05/2010).

Diante disso, ainda que houvesse dúvida em relação aos fatos, não seria correto anular-se o julgamento, pois compete exclusivamente ao Conselho de Sentença comparar e aferir o grau de confiabilidade de cada depoimento, tendo a liberdade de optar por uma das versões fluentes da prova.

No que se refere à fixação da pena, ao contrário do que afirmado pela defesa, todos os vetores do art. 59 do CP foram devidamente sopesados, não havendo que se falar em falta de fundamentação (fls. 504/506).

No caso em comento, a sentença combatida analisou desfavoravelmente ao recorrente os motivos, as circunstâncias do crime e o comportamento da vítima, elevando a reprimenda inicial em 02 (dois) anos de reclusão.

Ainda que não haja fórmula exata para o cálculo da pena-base, a jurisprudência firmou o entendimento de que "deve o julgador, além de respeitar os ditames legais e avaliar detalhadamente as circunstâncias judiciais, observar o princípio da proporcionalidade, para que a resposta penal seja justa e suficiente para cumprir o papel de reprovação e prevenção do ilícito" (STJ, HC 137.164/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 29/10/2009).

Logo, considerando o intervalo entre a pena mínima e a máxima estabelecidas no preceito secundário do tipo penal incriminador (homicídio simples), que corresponde a 168 meses (240 - 72 = 168), cumpre reconhecer que o aumento em 24 meses (8 meses para cada vetor negativo) mostrou-se favorável ao réu, não havendo se falar em desproporcionalidade ou carência de fundamento idôneo para o incremento da reprimenda em tal patamar.

Em caso similar:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. CRIME DE LESÃO CORPORAL DECORRENTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 129, § 9.º, DO CP. DOSIMETRIA DA PENA. DESPROPORCIONALIDADE DO AUMENTO DA PENA-BASE. NÃO OCORRÊNCIA. TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. AUMENTO DE 1/6 PARA CADA UMA. POSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. AÇÃO PENAL TRANSITADA EM JULGADO ANTES DOS FATOS DE LESÃO CORPORAL. CONFIGURAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...). 2. Sendo cominada, no art. 129, § 9º, do Código Penal, pena de detenção de 3 meses a 3 anos, com variação total de 33 meses de pena, o aumento de cinco meses por vetorial gravosa representa aproximadamente 1/6 (um sexto) da variação total de pena cominada, o que não é absurdo ou desproporcional. (...)" (STJ, HC 335.624/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 07/11/2016).

Todavia, na segunda fase de aplicação da pena, merece reparo a sentença, para que seja aplicada a atenuante da confissão espontânea.

Realmente, embora tenha se tratado de confissão qualificada, vê-se que ela foi usada em plenário, bem como na sentença de pronúncia (fl. 441). Assim, obrigatória sua incidência.

O tema está, inclusive, sedimentado na Súmula 545 do STJ, segundo a qual "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, 'd', do Código Penal", mesmo que se trate de confissão qualificada, como ocorreu nos autos.

Nessa linha:

"APELAÇÕES CRIME. HOMICÍDIO CONSUMADO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. INSURGÊNCIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA DEFESA DOS RÉUS. (...) 2. Apenamento. (...) Havendo o réu PATRICK admitido a prática do crime, embora sob a alegação de legítima defesa, e sendo tal confissão utilizada para formar a convicção dos Julgadores, inviável o afastamento da atenuante de confissão espontânea, que deve obrigatoriamente incidir ao caso, na forma da Súmula 545 do STJ. Penas mantidas. RECURSOS IMPROVIDOS. UNÂNIME." (TJRS, Apelação Crime n.º 70073957359, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Victor Luiz Barcellos Lima, j. 14/09/2017).

Convém lembrar que, embora tal matéria não tenha sido ventilada especificamente no recurso da defesa, é pacífico o entendimento de que a apelação devolve o mérito da ação penal à apreciação pelo Tribunal em sua totalidade e, sendo favorável ao réu, a modificação na sentença pode ser realizada (TJSP, RT 522/323).

Passo, então, à nova dosimetria.

Sopesando as mesmas circunstâncias judiciais já analisadas na primeira instância, tenho como necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime a pena-base de 08 (oito) anos de reclusão.

Na segunda fase, presente a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), reduzo a pena em 1/6 (um sexto), perfazendo 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão. Não há agravantes.

Na terceira fase, não existem causas de diminuição ou aumento, motivo pelo qual fixo a pena definitiva em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão.

A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida em regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2.º, "b").

Incabíveis a substituição da reprimenda corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, I) e a suspensão da pena (CP, art. 77, caput).

ISTO POSTO, em consonância parcial com o parecer ministerial, nego provimento ao 1.º apelo (acusação), e dou provimento, em parte, ao 2.º apelo (defesa), apenas para redimensionar a pena de EDSON DE SOUZA, nos termos acima explicitados.

É como voto.

Boa Vista, 17 de novembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator



EMENTA

APELAÇÕES CRIMINAIS - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CP) - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES FLUENTES DA PROVA - DOSIMETRIA - PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - PROPORCIONALIDADE ENTRE OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS E A EXASPERAÇÃO APLICADA - NECESSIDADE, PORÉM, DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 545 DO STJ - PENA REDIMENSIONADA - 1.º APELO DESPROVIDO - 2.º APELO PARCIALMENTE PROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância parcial com o parecer ministerial, em negar provimento ao 1.º apelo (acusação), e dar provimento, em parte, ao 2.º apelo (defesa), nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente, em exercício, e Relator), Juiz Convocado Luiz Fernando Mallet (Revisor), Des. Almiro Padilha (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.

Sala das Sessões, em Boa Vista, 17 de novembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÕES CRIMINAIS - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CP) - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES FLUENTES DA PROVA - DOSIMETRIA - PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - PROPORCIONALIDADE ENTRE OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS E A EXASPERAÇÃO APLICADA - NECESSIDADE, PORÉM, DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 545 DO STJ - PENA REDIMENSIONADA - 1.º APELO DESPROVIDO - 2.º APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

TJRR (ACr 0005.02.000020-3, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 17/11/2017, DJe: 06/12/2017)