Processo número: 0000.17.002807-0


CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS Nº 0000.17.002807-0 - BOA VISTA/RR
IMPETRANTE: PAULO AFONSO SANTANA DE ANDRADE – OAB/RR Nº 165-A
PACIENTE: CLAUDINÉIA REBELO DE FREITAS
AUT. COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA



RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por PAULO AFONSO SANTANA DE ANDRADE, em favor de CLAUDINÉIA REBELO DE FREITAS, alegando constrangimento ilegal por parte do MM. Juiz de Direito da 3.ª Vara Criminal, em virtude de a paciente encontrar-se presa preventivamente desde 29/10/2017, por suposta infração ao art. 155, § 4.º, IV, e ao art. 155, § 4.º, IV, c/c o art. 14, II, na forma do art. 71, todos do CP.

Sustenta o impetrante, em síntese, que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva, e a que indeferiu o pedido de sua revogação, carecem de fundamentação, e que falta justa causa para a manutenção da segregação cautelar, por não estarem presentes os seus requisitos autorizadores.

Acrescenta, ainda, que o crime cometido seria de menor potencial ofensivo (crime de bagatela), sendo aplicável ao caso o princípio da insignificância.



Requer, assim, a concessão da ordem, para que seja revogada a prisão preventiva.

Juntou documentos (fls. 11/100).

Às fls. 106/106-v, indeferi a liminar.

As informações foram dispensadas.

Em parecer de fls. 108/113, o Ministério Público de 2.º grau opina pela denegação da ordem.

É o relatório.

Boa Vista, 12 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

Merece ser indeferido o writ.

In casu, verifica-se que a paciente foi denunciada por suposta infração ao art. 155, § 4.º, IV, e ao art. 155, § 4.º, IV, c/c o art. 14, II, na forma do art. 71, todos do CP, por ter, de forma livre e consciente, juntamente com outras duas corrés, subtraído e, posteriormente, tentado subtrair para si vários produtos de higiene pessoal expostos à venda em um supermercado localizado na Av. Capitão Júlio Bezerra, bairro Aparecida, nesta Capital (fls. 84-v/85-v).

O Magistrado, ao converter a prisão em flagrante em preventiva (fls. 56/56-v), manteve a segregação cautelar como garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, ressaltando, em síntese, além da existência dos crimes e de indícios suficientes de autoria, a periculosidade social da agente, evidenciada pelo fato de ela encontrar-se "respondendo por crime de furto simples, ou seja, é contumaz na prática de crime de furto".

No mesmo sentido, ao indeferir o pedido de revogação da prisão preventiva (fl. 98), o Juízo a quo ratificou as razões assentadas no decreto originário, adotando-as como "fundamentação para decidir". 

Assim, não há que se falar em falta de fundamentação, pois o Julgador consignou as razões do seu convencimento, demonstrando a necessidade da medida constritiva. 

Além disso, "não se configura desprovida de fundamentos, tampouco omissa, a decisão que, ao indeferir o pedido de revogação da preventiva do paciente, ratifica as razões de decidir adotadas na decretação dessa prisão, utilizando-se da denominada fundamentação 'per relationem'." (TJMG, Habeas Corpus Criminal n.º 1.0000.17.014792-0/000, 7.ª C. Crim., Rel. Des. Cássio Salomé, j. 06/04/0017, DJ 19/04/2017). 

Logo, a motivação não pode ser tida como ausente, de modo a afrontar o art. 93, IX, da CF.

Da mesma forma, não prospera a alegação de falta de justa causa, pois a vida pregressa da paciente, que responde a outros processos por crimes contra o patrimônio (fls. 38-v/40), revela ser ela propensa à prática desse tipo de infração, fazendo crer que solta continuará a cometer atos dessa natureza, sendo correta a decisão que, diante desse quadro, visa a prevenir a reprodução de fatos criminosos.

A propósito, "a garantia da ordem pública, para fazer cessar a reiteração criminosa, é fundamento suficiente para a decretação e manutenção da prisão preventiva" (STJ, RHC n.º 55.992/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 19/03/2015, DJe 16/04/2015).

Nesse contexto, ainda persiste um dos motivos autorizadores da prisão preventiva (garantia da ordem pública, nos termos do art. 312, c/c o art. 313, I, do CPP), sendo irrelevantes eventuais condições pessoais favoráveis da acusada (TJRR, HC n.º 0000.16.000632-6, Câmara Criminal, Rel. Des. Ricardo Oliveira, j. 24/05/2016, DJe 31/05/2016, p. 20).

Sobre o tema:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. NEGATIVA DE AUTORIA. INADMISSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO DELITIVA. RISCO AO MEIO SOCIAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. INAPLICABILIDADE DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. (...).
2. (...).
3. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.
4. No caso dos autos, a prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada, com base em elementos concretos, a periculosidade do paciente, evidenciada pela reiteração de condutas delitivas, considerando a constatação de diversos envolvimentos criminais pretéritos em delitos de mesma natureza - furto e roubo -, o que demonstra risco ao meio social, recomendando a sua custódia cautelar para garantia da ordem pública.
5. Não ficou caracterizada a inovação, pelo Tribunal de origem, de fundamentos ao decreto preventivo. Isso porque, tanto a decisão do Magistrado de piso quanto o acórdão hostilizado fundamentaram a prisão preventiva no risco real de reiteração delitiva demonstrado a partir da vasta folha de antecedentes do paciente.
6. A presença de condições pessoais favoráveis do agente, como primariedade, não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela.
7. São inaplicáveis quaisquer medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, uma vez que as circunstâncias do delito e a periculosidade social do agente evidenciam a insuficiência das providências menos gravosas. Habeas corpus não conhecido." (STJ, HC 411.190/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 17/10/2017, DJe 26/10/2017).

Sendo assim, evidenciada a necessidade da prisão cautelar, não se mostram suficientes, para o caso em análise, as medidas previstas no art. 319 do CPP (art. 282, § 6.º, do mesmo diploma).

Por outro lado, os indicativos de reiteração delitiva e a natureza do crime imputado à paciente (furto qualificado pelo concurso de agentes) não permitem a aplicação, nesta fase processual, do princípio da insignificância (crime de bagatela).  

Nessa linha:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. REINCIDÊNCIA E AÇÃO PENAL EM CURSO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REVOGAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA OU SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. MATÉRIAS NÃO APRECIADAS PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
- 'A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas do caso, o que não se infere na hipótese em apreço, máxime por se tratar de réu reincidente'. (AgRg no AREsp 905.615/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 09/11/2016).
- Hipótese em que a reincidência do paciente, que conta com uma condenação anterior definitiva à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, pela prática do delito descrito no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, aliada à presença de uma ação penal em curso, esta também pela suposta prática do delito de furto, impedem o reconhecimento da insignificância ao caso. Isto porque o princípio da insignificância não objetiva resguardar condutas habituais juridicamente desvirtuadas, pois comportamentos contrários à lei, ainda que isoladamente irrisórios, quando transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida, perdem a característica da bagatela e devem sujeitar-se ao direito penal. (...) - Recurso ordinário em habeas corpus não provido." (STJ, RHC 78.754/MG, 5.ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15/12/2016, DJe 01/02/2017).


"CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO QUALIFICADO. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DO CRIME. PRINCÍPIO    DA    INSIGNIFICÂNCIA.    INAPLICABILIDADE.   FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 4.  Em  fundamentação  autônoma,  inviabiliza-se o reconhecimento do crime bagatelar, porquanto o crime de furto foi qualificado devido à existência  de  comparsas,  circunstância concreta desabonadora, nos termos  da  jurisprudência  deste Tribunal Superior, suficiente para impedir a aplicação do referido brocardo. Tais circunstâncias obstam o   reconhecimento   da   atipicidade  material,  por  não  restarem demonstradas as exigidas - mínima ofensividade da conduta e ausência de  periculosidade social da ação -, bem como em razão da contumácia do paciente na prática de delitos contra o patrimônio. (... ) 6. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 313.851/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 26/04/2016)".

Finalmente, há muito se firmou o entendimento de que as prisões cautelares não violam o princípio da presunção de inocência (TJRR, HC 0010.07.007733-3, C. Única - T. Criminal, Rel. Des. Ricardo Oliveira, j. 26/06/07, DPJ 14/07/07, p. 02).

ISTO POSTO, em consonância com o parecer ministerial, denego a ordem.

É como voto.
 
Boa Vista, 12 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



EMENTA

HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO, EM CONTINUIDADE DELITIVA - ALEGAÇÃO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE CONVERTEU A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA, E DA QUE INDEFERIU O PEDIDO DE SUA REVOGAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA - DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS - MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM - PERSISTÊNCIA DE UM DOS MOTIVOS AUTORIZADORES DA MEDIDA EXTREMA: GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO, NESTA FASE PROCESSUAL, EM VIRTUDE DOS INDICATIVOS DE REITERAÇÃO DELITIVA E DA NATUREZA DO CRIME IMPUTADO À PACIENTE (FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES) - ORDEM DENEGADA.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em denegar a ordem, nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Leonardo Cupello (Presidente), Des. Ricardo Oliveira (Relator), Des.ª Tânia Vasconcelos (Julgadora) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.

Sala das Sessões, em Boa Vista, 12 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO, EM CONTINUIDADE DELITIVA - ALEGAÇÃO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE CONVERTEU A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA, E DA QUE INDEFERIU O PEDIDO DE SUA REVOGAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA - DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS - MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM - PERSISTÊNCIA DE UM DOS MOTIVOS AUTORIZADORES DA MEDIDA EXTREMA: GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO, NESTA FASE PROCESSUAL, EM VIRTUDE DOS INDICATIVOS DE REITERAÇÃO DELITIVA E DA NATUREZA DO CRIME IMPUTADO À PACIENTE (FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES) - ORDEM DENEGADA.

TJRR (HC 0000.17.002807-0, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 12/12/2017, DJe: 10/01/2018)