Processo número: 0010.16.820937-6


CÂMARA CÍVEL - PRIMEIRA TURMA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010.16.820937-6 - BOA VISTA/RR
APELANTE: J. DE L. S. F.
DEFENSORA PÚBLICA: CRISTIANNE GONZALEZ LEITE
APELADA: S. N. A. DE L.
DEFENSORA PÚBLICA: EMIRA LATIFE LAGO SALOMÃO REIS
RELATORA: DESA. TÂNIA VASCONCELOS



RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por J. d. L. S. F., contra sentença proferida pelo Juízo da 1.ª Vara de Família da Comarca de Boa Vista que julgou procedente o pedido formulado na Ação de Alimentos n.º 0820937-93.2016.8.23.0010, condenando o ora apelante a prestar alimentos definitivos à apelada no importe à 80% (oitenta por cento) do salário mínimo vigente.

Argumenta o apelante, em síntese, que houve equívoco do Juízo quanto à valoração da prova, uma vez que não considerou as alegações do recorrente de que constituiu nova relação conjugal, ainda que não formalizada, bem como de que assumiu a filha da nova companheira, atribuindo maior valoração à paternidade biológica do que à socioafetiva.

Aduz, ainda, que embora não pague aluguel, possui despesas com a manutenção de sua família, de modo que o valor estipulado na sentença a quo mostra-se excessivo e desproporcional ao binômio necessidade/possibilidade.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, para determinar a minoração do valor fixado a título de alimentos à apelada, de forma a atender as necessidades da alimentada e seja compatível com a possibilidade do alimentante.

Em contrarrazões, a apelada pugna pelo desprovimento do recurso.

Vieram-me os autos.

É o breve relato.

Inclua-se em pauta para julgamento.

Boa Vista (RR), 05 de dezembro de 2017.

Desa. Tânia Vasconcelos
Relatora



VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

É cediço, que a fixação da prestação alimentícia deve respeitar o trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade, de modo que o seu arbitramento não se converta em gravame insuportável ao alimentante e nem em enriquecimento ilícito do alimentado, podendo ser revisto quando houver mudança nas condições das partes.

Vejamos o art. 15 da Lei n.º 5.478/68 e do art. 1.669 do Código Civil:

"Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.

Art. 1.669. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo."

Na hipótese, observa-se que o alimentante, ora apelante, é soldado militar e percebe, mensalmente, R$ 2.361,30 de rendimento bruto e R$ 1.738,22 de rendimento líquido, e a sentença recorrida fixou alimentos em 80% do salário mínimo vigente, o que corresponde à R$ 745,60.

Pois bem, de fato, a alegação de existência de novo núcleo familiar não é elemento suficiente para justificar a redução do valor da pensão alimentícia, ainda mais porque o alimentante não pode transferir ao antigo núcleo familiar o ônus de suas próprias escolhas.

Lado outro, não se pode negar que o valor fixado pelo Juízo a quo mostra-se excessivo quando se considera os rendimentos do apelante e o fato de que o quantum estipulado representa mais de 30% de seu vencimento bruto, não parecendo razoável diante da necessidade da menor e da possibilidade do alimentante, pois lhe sobraria cerca de R$ 1.000,00 para arcar com seu próprio sustento.

Não se pode olvidar que uma criança de 07 anos possui uma série de necessidades com educação, vestuário, saúde e lazer. Contudo, o dever de cuidar cabe aos pais, não podendo recair e depender somente de um, ainda mais quando ambos possuem capacidade laborativa.

Assim, como já mencionado anteriormente, cabe ao Judiciário estabelecer quantia que seja proporcional a necessidade da alimentada e ao mesmo tempo não comprometa o sustento do próprio alimentante e de seus demais dependentes.
 
Vejamos:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OFERTA DE ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. MAJORAÇÃO. FILHA MENOR. ATENDIMENTO AO TRINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE-PROPORCIONALIDADE. DECISÃO MANTIDA. 
- Em atenção ao que dispõe a norma do artigo 1.694, § 1º, do Código Civil, os alimentos devem ser fixados considerando a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, respeitada a proporcionalidade e a razoabilidade. 
- Diante da ausência de comprovação da necessidade de majoração dos alimentos, deve ser mantido o valor fixado a titulo de alimentos provisórios."  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0319.17.000731-8/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/0017, publicação da súmula em 28/11/2017) 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. TRINÔMIO (PROPORCIONALIDADE-NECESSIDADE-POSSIBILIDADE). VALOR FIXADO. PERCENTUAL EXCESSIVO. 1. A obrigação de prestar alimentos deve observar o trinômio proporcionalidade - necessidade - possibilidade. Não havendo de se tomar como parâmetro apenas um lado, isoladamente, é mister que haja um consenso entre alimentando e alimentante, no sentido de concatenação das necessidades do alimentando com as possibilidades do alimentante. 2. Os alimentos a serem prestados pelo agravante têm como finalidade ajudar na manutenção da sobrevivência do agravado, em observância do princípio da dignidade da pessoa humana; ao mesmo tempo, não pode retirar do alimentante os recursos suficientes para prover o seu sustento com dignidade. 3. O valor correspondente a 51% (cinquenta e um por cento) do salário mínimo alcança quase a metade da quantia percebida mensalmente pelo agravante, pelo que estabilizar os alimentos provisórios em 30% (trinta por cento) do salário mínimo é mais razoável, haja vista que não compromete o sustento do alimentante ao mesmo tempo em que se provê a necessidade do infante. 4. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido." (TJ-DF - AGI: 20150020086936, Relator: SILVA LEMOS, Data de Julgamento: 08/07/2015, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 04/08/2015 . Pág.: 221)

Nesse contexto,  considero razoável a redução da verba alimentícia para o percentual de 55% do valor do salário mínimo, quantia essa que proverá as necessidades da menor e se apresenta mais adequada à possibilidade real do alimentante.

ISSO POSTO, em dissonância com o Ministério Público, dou provimento ao apelo para reduzir os alimentos definitivos de 80% para 55% do valor do salário mínimo, que devem ser depositados até o dia 10 de cada mês, na conta informada pela genitora da apelada.

É como voto.

Boa Vista (RR), 18 de dezembro de 2017.

Des. Tânia Vasconcelos
Relatora



EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL - ALIMENTOS DEFINITIVOS - FIXAÇÃO QUE DEVE SER PROPORCIONAL A NECESSIDADE DO ALIMENTADO E A POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE - FIXAÇÃO DA VERBA ALIMENTAR QUE CORRESPONDE À 80% DO SALÁRIO MÍNIMO - VALOR EXCESSIVO QUANDO SE OBSERVA OS RENDIMENTOS DO ALIMENTANTE - REDUÇÃO - RAZOABILIDADE -  VALOR MINORADO PARA 55% DO SALÁRIO MÍNIMO - QUANTIA QUE ATENDE ÀS NECESSIDADES DA MENOR SEM COMPROMETER O SUSTENTO DO ALIMENTANTE E DE SEUS OUTROS DEPENDENTES - RECURSO PROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos e em dissonância com o parecer ministerial, em DAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto da Relatora, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.
Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores Almiro Padilha (Presidente), Tânia Vasconcelos (Relatora) e Cristóvão Suter (Julgador).

Boa Vista (RR), 18 de dezembro de 2017.

Desa. Tânia Vasconcelos
Relatora



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL - ALIMENTOS DEFINITIVOS - FIXAÇÃO QUE DEVE SER PROPORCIONAL A NECESSIDADE DO ALIMENTADO E A POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE - FIXAÇÃO DA VERBA ALIMENTAR QUE CORRESPONDE À 80% DO SALÁRIO MÍNIMO - VALOR EXCESSIVO QUANDO SE OBSERVA OS RENDIMENTOS DO ALIMENTANTE - REDUÇÃO - RAZOABILIDADE -  VALOR MINORADO PARA 55% DO SALÁRIO MÍNIMO - QUANTIA QUE ATENDE ÀS NECESSIDADES DA MENOR SEM COMPROMETER O SUSTENTO DO ALIMENTANTE E DE SEUS OUTROS DEPENDENTES - RECURSO PROVIDO.

TJRR (AC 0010.16.820937-6, Primeira Turma Cível, Rel. Des. TÂNIA VASCONCELOS, julgado em 18/12/2017, DJe: 10/01/2018)