Processo número: 0010.13.005911-5


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010.13.005911-5 - BOA VISTA/RR
APELANTE: FRANKMAR CASTRO DE SOUZA
DEFENSOR PÚBLICO: FREDERICO CÉSAR LEÃO ENCARNAÇÃO
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: DES. LEONARDO CUPELLO



RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta em face da sentença proferida pela MMª Juíza da 1ª Vara do Tribunal do Júri, após o Conselho de Sentença decidir pela condenação do mesmo, fixando a pena de 13 (treze) anos e 04(quatro) meses de reclusão, pela prática do crime tipificado no art. 121, § 2º, incs. II e IV, c/c, art. 14, II, ambos do Código Penal.

O Apelante, em suas razões recursais, sustenta que os jurados aos responderam SIM  em relação aos últimos quesitos apontados, o Conselho de Sentença decidiu de forma manifestamente contrária à prova dos autos; as qualificadoras reconhecidas pelos Jurados (motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima) são manifestamente improcedentes, sem nenhum apoio na prova dos autos. 

Afirma que se houver discórdia, discussão ou até agressão física a preceder a conduta dos envolvidos no homicídio, não se pode qualificar de fútil a motivação do agente; que a desavença havida entre as partes gerou uma alteração considerável no estado de ânimo do réu; que a jurisprudência afirma que a discussão antes do evento criminoso faz desaparecer o motivo fútil. 

Sustenta que de igual forma, o recurso que dificultou a defesa da vítima não deveria ter sido acatada; extrai-se do vasto acervo probatório, sobretudo pelas declarações da própria vítima, que houve uma discussão generalizada; assim, o golpe da faca não se deu de forma inesperada, de repente, de maneira a surpreender a vítima e dificultar sua defesa. 

Aduz que a dosimetria foi realizada sob erro ou injustiça, com insuficiência de fundamentação e desproporcional, bem como, que bastava a fixação da pena base no mínimo legal; que quanto às circunstâncias desfavoráveis, culpabilidade e conduta social, não houve fundamentação concreta, que não pode ser estabelecida acima do mínimo com suporte em referências vagas e dados não explicitados.

Pretende ainda, seja aplicada a redução da tentativa em seu grau máximo, pois caso não seja aplicado o fator que mais beneficie o réu, estará obrigado a fundamentar rigorosamente sua escolha, como forma de garantir o exercício da ampla defesa.

Requer seja conhecido e provido o presente recurso, para submeter o réu a novo julgamento pelo tribunal do júri, ou, seja reformada a dosimetria, fixando a pena-base em seu mínimo legal; e, aplicar a redução de 2/3 em razão da tentativa (fls. 328/343).

O Apelado, em contrarrazões, rebate os argumentos do apelo, pois o veredicto está conforme as provas dos autos; refuta a necessidade de readequação da dosimetria; quanto à redução pela tentativa, também afirma não ter cabimento, pois o recorrido ultrapassou todos os estágios do iter criminis ao desferir as facadas, causando perfurações no pulmão da vítima, razão da redução mínima.

Requer, ao final, o conhecimento, mas o desprovimento do recurso (fls. 358/363).

O parecer da douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento da Apelação, para reforma parcial da sentença, apenas quanto a primeira fase da dosimetria (fls. 368/379).

Vieram-me os autos conclusos.
É o breve relatório.
Encaminhem-se os autos à revisão regimental.
Boa Vista, 05 de abril de 2018.

Leonardo Cupello
Desembargador
Relator



VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Consta da denúncia (fls. 02/04) que no dia 21 de abril de 2013, por volta das 04h00m, entre as ruas Tiam Fook e Sebastião Cunha Lira, bairro Cidade Satélite, o denunciado fazendo uso de arma branca, tentou matar a vítima Ricardo Nunes de Castro, desferindo-lhe golpes de arma branca, causando lesões descritas no laudo de exame de corpo de delito a ser oportunamente juntado, só não se consumando o delito por circunstâncias alheias a sua vontade.

Prossegue que a ação criminosa somente não se consumou em razão do rápido e eficiente socorro médico prestado à vítima, visto que fora atendida logo em seguida às agressões; que os fatos se deram por motivo fútil, vez que, segundo consta, houve uma briga oriunda de discussão de somenos importância que tinha como pano de fundo a circunstância de o denunciado e outras pessoas estarem a impedir o trânsito de veículos no cruzamento das ruas anteriormente citadas; que o denunciado utilizou-se de recurso que dificultou a defesa da vítima. 

Alega o apelante que os jurados decidiram de forma manifestamente contrária à prova dos autos. Vejamos.

Verifico que a materialidade está fartamente comprovada, consubstanciada pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito nas fls. 150, apontando como vítima Ricardo Nunes de Castro. 

Quanto à prova da autoria imputada ao recorrente, apresentou o Ministério Público os depoimentos aptos a conduzirem os jurados ao convencimento apontado. 

Foram ouvidas em plenário as testemunhas Cíntia Menezes Paulino e Nilma Mesquita da Silva. 

A testemunha Cíntia, em plenário, afirmou em resumo:

"[...] que no dia nós, eu, a Nilma, meu pai e o Ricardo a vítima, estávamos passando nessa rua porque o restante estava cheia de lama, por obras da prefeitura, que estava todo mundo a pé; que eles não queriam deixar a gente passar, que era o Frankmar, dois senhores e duas senhoras, que eles tavam com carro parado e disseram 'não vocês não vão passar', que eles foram arrudiar pela calçada, aí eles já vieram pra cima da gente, que as duas mulheres já vieram pra cima de mim, e começaram a me bater, aí meu pai empurrou a moça, que o senhor gordinho veio pra cima do meu pai e começou a dar murros nele; [...] que a gente querendo fugir, aí do nada o Frankmar veio por trás do Ricardo deu um murro nele e depois pegou uma faca, não sei nem de onde foi que saiu aquela faca, e deu as facadas nele, que não sabe quantas facadas foram, que pegou na lateral dele; [...]  que o Frankmar dizia 'eu vou matar todos vocês' ; aí eu peguei o Ricardo, saia muito sangue, eu fiquei toda suja de sangue; que a gente começou a correr; [...] que chegamos na casa da Nilma ela chamou o Samu [...] que foram meses pra ele se recuperar, porque ele trabalhava de ajudante de pedreiro e o serviço era muito pesado, ele não conseguia trabalhar [...] " (mídia da sessão do júri)

A informante Nilma Mesquita da Silva afirmou, em resumo:

"[...] nesse dia  nós tava num bar, eu e meu marido, mais dois amigo nosso, que na hora de voltar pra casa, tinha um carro parado na rua, que o pai da Cíntia tava de moto, a pé empurrando a moto, que saíram dois rapazes de dentro do carro, que eu não sei o que eles estavam fazendo, estavam só conversando normal, quando a gente se aproximou eles não queriam deixar a gente passar; que quando seu antonio se aproximou eles impediram ele de passar; que eles estavam bem alterados quando a gente foi se aproximando; que o pai da Cíntia falou 'a rua é pública', que as duas mulheres queriam bater na Cíntia, [...] aí em seguida esse Frankmar foi lá dentro pegou a faca [...] que eu não sabia o que fazia se ajudava a Cíntia ou o meu marido ou meu amigo, que eles vieram com capacete, [...] só não mataram o Salú porque ele pegou a moto e saiu correndo [...], Frankmar disse 'daqui tu não sai mais vivo', [...] que Ricardo não conseguiu correr porque tava muito bebido, que quando o Frankmar soube que seu Salú fugiu ele disse 'ah então vai esse mesmo' no lugar dele; foi uma facada na lateral, a faca quebrou dentro [...]. que as duas mulheres falaram borá terminar o serviço [...], que quem levou o Ricardo foi eu e Cíntia pra casa, ficava bem próximo de casa [...], que a gente ligou pra polícia não demorou nem cinco minutos [...]".

Portanto, descritos partes dos depoimentos colhidos em plenário, não cabe ao Tribunal ad quem  reanalisar as provas, sob pena de ferir o princípio da Soberania dos Veredictos, constante no art. 5º, XXXVIII, da CF/88. 

Quando o recurso de apelação é interposto contra a sentença proferida  pelo  Tribunal  do  Júri, sob o fundamento desta ter sido manifestamente  contrária  à  prova  dos  autos, ao órgão julgador é possível  apenas a realização da análise acerca da existência ou não de  suporte   probatório   para  a  decisão  tomada  pelos  jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do  veredicto  caso  este  seja manifestamente contrário à prova dos autos (STJ, HC 370802 RN, Dje 15/12/2016).

Segue, em destaque, jurisprudência e. STJ, nessa linha:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA  ÀS  PROVAS  DOS  AUTOS.  NÃO  CONFIGURAÇÃO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS  DO  TRIBUNAL  DO  JÚRI.  MODIFICAÇÃO  DAS  CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO  IMPUGNADO. INVIABILIDADE. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO. VALORAÇÃO  NEGATIVA  DAS  CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.  Quando o  recurso  de  apelação  é interposto contra a sentença proferida  pelo  Tribunal  do  Júri, sob o fundamento desta ter sido manifestamente  contrária  à  prova  dos  autos, ao órgão julgador é possível  apenas a realização da análise acerca da existência ou não de   suporte   probatório   para  a  decisão  tomada  pelos  jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do  veredicto  caso  este  seja manifestamente contrário à prova dos autos.
2.  Decisão manifestamente  contrária às provas dos autos, é aquela que  não  encontra  amparo  nas  provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, de todo o acervo probatório.
3.  O  recurso  de  apelação  interposto  pelo art. 593, inciso III, alínea  "d",  do  CPP,  não autoriza a Corte de Justiça a promover a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, simplesmente por  discordar  do  juízo  de  valor  resultado da interpretação das provas.
4.  Havendo  duas  versões  a respeito do fato, ambas amparadas pelo conjunto  probatório  produzido  nos  autos,  deve  ser preservada a decisão  dos  jurados,  em  respeito  ao princípio constitucional da soberania  dos  veredictos, que, no caso, decidiu pela condenação do réu.
5.  Alterar  as  conclusões  consignadas  no acórdão recorrido, como requer  o recorrente, no sentido de que não há elementos nos autos a respaldar  o  decreto  condenatório proferido pelo Tribunal do Júri, exigiria a incursão no conjunto fático-probatório e nos elementos de convicção  dos  autos,  o  que  não  é  possível,  em razão do óbice disposto no enunciado 7 da súmula de jurisprudência desta Corte.
6. A pena-base foi fixada acima do patamar mínimo devido à valoração negativa das  circunstâncias  do  crime,  pois  o  recorrente  foi "impiedoso  para  com  a  vítima,  que  nem  mesmo  conhecia  e  nem contribuiu  para  a  atitude  desmedida  do  acusado,  chutando-a  e efetuando  mais disparos mesmo depois dela ter caído ao solo", e das consequências  do delito, pois a vítima deixou quatro filhos menores órfãos.
7. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg REsp 1660745 RO, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, T5, DJe 01/09/2017). (g.n.)


HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. APELO DA DEFESA. VEREDICTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO DOS JURADOS QUE ENCONTRA AMPARO NAS PROVAS PRODUZIDAS NO PROCESSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA.
1. Interposto recurso de apelação contra a sentença proferida pelo Tribunal do Júri sob o fundamento desta ter sido manifestamente contrária à prova dos autos, ao órgão recursal se permite apenas a realização de um juízo de constatação acerca da existência ou não de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do veredicto caso este seja flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo.
2. No caso dos autos, a Corte de origem, ao negar provimento à apelação interposta pelo paciente, considerou que o veredicto encontra arrimo no conjunto probatório produzido nos autos, concluindo, por esta razão, pela manutenção do julgamento realizado pela Corte Popular.
3. O mandamus não é a via apta à realização do juízo de suficiência do conjunto probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes da Corte Popular, pois demandaria análise aprofundada do contexto fático-probatório.
4. Ordem denegada. (STJ, HC 241.026 SP, MIN. JORGE MUSSI, DJE 15/08/2012) (g.n.)


Pelo exposto, não merece amparo o pedido de anulação do julgamento e realização de novo júri, pois amparado nas provas colhidas em plenário.

Quanto às qualificadoras, afirma a defesa também ser manifestamente contrária a prova colhida na instrução. Contudo, pelos mesmos fundamentos de direito expostos no item anterior, devem ser rejeitada a alegação.

Não cabe ao tribunal  ad quem  o decote das qualificadoras, nem há indicativos fáticos que conduzem a necessidade de submeter o réu a novo julgamento de júri, pois os depoimentos foram bastante para manter a tese erguida pela acusação.

Seguem precedentes:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL - PRIMEIRO PEDIDO: RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - INVIABILIDADE - TESE FRÁGIL AFASTADA PELO CONVENCIMENTO DOS JURADOS - DEPOIMENTOS COLHIDOS EM PLENÁRIO NÃO DEMONSTRARAM QUALQUER INDÍCIO DE LEGÍTIMA DEFESA DO RÉU - SEGUNDO PEDIDO: EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA - REJEITADO - RESTOU DEMONSTRADA DURANTE O JULGAMENTO A MOTIVAÇÃO FÚTIL - TESE ACOLHIDA PELOS JURADOS - TERCEIRO PEDIDO: DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS - IMPOSSIBILIDADE - ANIMUS NECANDI CONFIGURADO, PREVALECENDO O VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA - REDIMENSIONAMENTO DA PENA NECESSÁRIO - VALORAÇÃO NEGATIVA DA CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME DE FORMA INIDÔNEA - REDUÇÃO DA PENA DE DEZESSEIS ANOS PARA DOZE ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1. Recurso da defesa requer o reconhecimento da legítima defesa, como excludente da ilicitude da conduta do réu; ou o afastamento da qualificadora do motivo fútil; ou ainda, a desclassificação para lesões corporais; por fim, pede o redimensionamento da pena. 
2. Tese de legítima defesa afastada. A decisão dos jurados optou por rejeitar a tese defensiva e condenar o réu. Diante de todas as provas colhidas em plenário, a legítima defesa não restou demonstrada a ponto de fazer-se necessária a quesitação da tese.
3. Excluir a qualificadora do motivo fútil seria usurpar da competência do tribunal do júri. Os jurados se convenceram que o Réu desferiu o tiro fatal na vítima motivado tão somente em ter a vítima interferido na discussão daquele com Géssica. Não há que se falar em submissão do réu a novo júri para exclusão da qualificadora.
4. Impossível a desclassificação para lesões corporais. A análise do animus necandi do réu fundamentado no depoimento produzido nos autos é soberanamente dos jurados, só podendo ser revertida pelo Tribunal, caso a decisão fosse absolutamente desamparada de respaldo. Manutenção da soberania dos vereditos.
5. As circunstâncias judiciais da conduta social e consequências do crime foram fundamentadas de forma inidônea, segundo precedentes do c. STJ. Portanto, merece o redimensionamento, reduzindo-se a pena definitiva de dezesseis anos para doze anos de reclusão, em regime inicial fechado. 
6. Recurso conhecido e parcialmente provido, em consonância com o parecer do Ministério Público graduado. (TJRR - ACr 0005.15.000148-4, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 27/03/2018, DJe 03/04/2018, p. 25) (g.n.)


APELAÇÃO CRIME - 1.º RECURSO:  QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - RECONHECIMENTO PELO JURADOS - ARBITRARIEDADE - INOCORRÊNCIA - SOBERANIA DOS VEREDICTOS - CONDENAÇÃO MANTIDA - 1.º RECURSO DESPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL - 2º RECURSO: DOSIMETRIA - FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA QUE FUNDAMENTOU EM ELEMENTOS CONCRETOS A EXASPERAÇÃO DA REPRIMENDA - PENA-BASE MANTIDA - ATENUANTE DA MENORIDADE - ADOÇÃO NA SENTENÇA DE FRAÇÃO INFERIOR A 1/6 (UM SEXTO) - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA -  PENA REDIMENSIONADA - READEQUAÇÃO PARA FIXAR A FRAÇÃO DE REDUÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) PELA ATENUANTE DA MENORIDADE - PRECEDENTES DO COLENDO STJ E DESTE TRIBUNAL - 2.º RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. Em consonância com o parecer ministerial, deve ser negado provimento ao 1.º recurso (apelante LISOMAR NASCIMENTO DOS SANTOS), vez que a decisão dos jurados, ao reconhecerem as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que impediu/dificultou a defesa da vítima, encontra apoio nas provas dos autos.
2. Em consonância com o parecer ministerial, merece parcial provimento o 2.º recurso (apelante MANOEL VIEIRA DOS SANTOS FILHO), apenas fixar, na 2.º fase da dosimetria, a fração de 1/6 (um sexto) em razão da atenuante da menoridade, devendo ser indeferidos os demais pedidos.
3. Recurso do 1.º apelante desprovido e 2.º Recurso parcialmente provido, ambos em consonância com o parecer ministerial. (TJRR - ACr 0010.10.006359-2, Rel. Juiz(a) Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, Câmara Criminal, julg.: 06/02/2018, DJe 08/02/2018, p. 20) (g.n.)

Quanto à dosimetria da primeira fase, a sentença assim avaliou:

"[...] a culpabilidade do réu, que é a reprovabilidade da conduta é negativa em razão de não ser aceitável alguém se utilizar de uma arma branca para tentar ceifar a vida  de outrem, inclusive utilizando com força ao ponto de quebrar a lâmina do terçado dentro da vítima[...]" (fls. 603)
 
De fato, a fundamentação é inidônea, pois a culpabilidade é normal à espécie.
Assim leciona Ricardo SCHMITT que "o que não podemos é valora-la negativamente, vindo a majorar a pena-base, com fundamento, tão somente, em referências vagas, sem a indicação de qualquer elemento ou causa concreta que justifique o acrescimento, além das elementares comuns ao próprio tipo...". 

Quanto à conduta social fundamentou assim a sentença:

"[...] a conduta social do acusado é negativa, pois percebo que não trabalha, e utiliza sua vida para praticar crimes, sendo apenas tecnicamente primário, inclusive sendo agraciado pela extinção da punibilidade , em razão da prescrição, de quatro outros crimes, conforme folhas de antecedentes criminais [...]"

O c. Superior Tribunal de Justiça já pacificou o tema sobre a ilegalidade de menção a prática de infrações penais para fundamentar a dosimetria quanto a personalidade conduta social, destaco:

PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. SÚMULA 444/STJ. MENÇÃO À PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA VALORAR NEGATIVAMENTE A PERSONALIDADE E A CONDUTA SOCIAL DO AGENTE. RECURSO PROVIDO.
1. A individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Dessarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revolvimento probatório.
2. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da reprimenda-base, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção da inocência. A propósito, esta é a orientação trazida pelo enunciado na Súmula 444 desta Corte: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base."
3. Ainda que se tratasse de título condenatório transitado em julgado, a Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, alterou o seu posicionamento sobre o tema, tendo decidido que a existência de condenação definitiva não constitui fundamento idôneo para a valoração negativa da personalidade do réu e de sua conduta social.
4. Recurso provido para determinar que o Juízo das Execuções proceda à nova dosimetria da pena, devendo ser decotado o aumento correspondente à personalidade e à conduta social na primeira fase da primeira da individualização da reprimenda. (STJ, RHC 50.723 DF, MIN. RIBEIRO DANTAS, DJE 22/09/2017) (g.n.)

Entretanto, quanto às consequências, verifico que o fundamento é idôneo, pois ficou comprovado que a vítima ficou meses impossibilitada de trabalhar devido a lesão, conforme depoimento e laudo do exame de corpo de delito. 

Desta feita, assiste parcial razão a defesa, quanto a fixação da pena-base, portanto, passo a dosá-la em 14 (quatorze) anos de reclusão.

Mantenho o cálculo da segunda fase, pois havendo mais uma qualificadora, pode-se utilizar a segunda como agravante genérica, conforme precedentes de outras Cortes. Assim fixo a pena intermediária em 16 (dezesseis) anos, de reclusão.

Aplicando-se a diminuição da pena em virtude da tentativa, com lastro no iter criminis, aplico o patamar mínimo de 1/3, pois a agressão cessou apenas porque a lâmina da faca ficou no interior do corpo da vítima. Assim, fixo a pena definitiva em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, de reclusão.

Pelas razões expostas, em consonância com o parecer do Ministério Público graduado, conheço do recurso e dou provimento parcial ao apelo, apenas para reformar a primeira fase da dosimetria, e, consequentemente, redimensionando a pena definitiva de 13 (treze) anos e 04 (quatro) meses para 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
É como voto.
Boa Vista - RR,  17 de abril de 2018.

 Leonardo Cupello
Des. Relator



EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO NA FORMA TENTADA - DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - DEPOIMENTOS OUVIDOS EM PLENÁRIO FORAM APTOS A CONDUZIR O JÚRI AO DECRETO CONDENATÓRIO - QUALIFICADORAS DE MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - CONVENCIMENTO DOS JURADOS BASEADO NAS MESMAS PROVAS DA AUTORIA - REANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE E CONDUTA SOCIAL DO CRIME - FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA - REFORMA DA DOSIMETRIA -REDIMENSIONAMENTO DA PENA DEFITINIVA - PEDIDO ACOLHIDO - REDUÇÃO DA PENA DEFINITIVA DE 13 (TREZE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES, PARA 10 (DEZ) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO -- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1. Recurso da acusação requer anulação e realização de novo júri, sob a tese de decisão contrária à prova dos autos. Inviabilidade. Para a anulação do julgamento é necessário que fique patente a ausência  de  suporte   probatório  mínimo para  a  decisão  tomada  pelos  jurados integrantes do Conselho de Sentença. Ao Tribunal ad quem não cabe a valoração das provas, sob pena de ferir-se o princípio da soberania dos vereditos.
2. Pedido de novo julgamento para exclusão das qualificadoras. Impossibilidade. Conselho de sentença é soberano na avaliação das provas quanto a existência de qualificadoras. Suporte probatório que se fez suficiente. 
3. Reavaliação das circunstâncias judiciais, do art. 59, do CP. Cabimento. Sentença valorou a culpabilidade e a conduta social de forma inidônea. Mantida avaliação negativa apenas quanto às consequências do crime. Vítima que ficou meses sem conseguir trabalhar devido às lesões.
4. Redimensionamento da pena, reduzindo-a de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses para 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, de reclusão.
5. Recurso parcialmente provido, em consonância com o parecer do Ministério Público graduado.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade e em consonância com o parecer do Ministério Público Graduado, em conhecer e dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.
Participaram do julgamento os Juízes Convocados Luiz Fernando Mallet, Euclydes Calil Filho e o (a) i. representante do Ministério Público graduado.
Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos dezessete dias do mês de abril do ano de dois mil e dezoito.

Leonardo Pache de Faria Cupello
Des. Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO NA FORMA TENTADA - DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - DEPOIMENTOS OUVIDOS EM PLENÁRIO FORAM APTOS A CONDUZIR O JÚRI AO DECRETO CONDENATÓRIO - QUALIFICADORAS DE MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - CONVENCIMENTO DOS JURADOS BASEADO NAS MESMAS PROVAS DA AUTORIA - REANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE E CONDUTA SOCIAL DO CRIME - FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA - REFORMA DA DOSIMETRIA -REDIMENSIONAMENTO DA PENA DEFITINIVA - PEDIDO ACOLHIDO - REDUÇÃO DA PENA DEFINITIVA DE 13 (TREZE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES, PARA 10 (DEZ) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO -- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1. Recurso da acusação requer anulação e realização de novo júri, sob a tese de decisão contrária à prova dos autos. Inviabilidade. Para a anulação do julgamento é necessário que fique patente a ausência  de  suporte   probatório  mínimo para  a  decisão  tomada  pelos  jurados integrantes do Conselho de Sentença. Ao Tribunal ad quem não cabe a valoração das provas, sob pena de ferir-se o princípio da soberania dos vereditos.
2. Pedido de novo julgamento para exclusão das qualificadoras. Impossibilidade. Conselho de sentença é soberano na avaliação das provas quanto a existência de qualificadoras. Suporte probatório que se fez suficiente. 
3. Reavaliação das circunstâncias judiciais, do art. 59, do CP. Cabimento. Sentença valorou a culpabilidade e a conduta social de forma inidônea. Mantida avaliação negativa apenas quanto às consequências do crime. Vítima que ficou meses sem conseguir trabalhar devido às lesões.
4. Redimensionamento da pena, reduzindo-a de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses para 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, de reclusão.
5. Recurso parcialmente provido, em consonância com o parecer do Ministério Público graduado.

TJRR (ACr 0010.13.005911-5, Câmara Criminal, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, julgado em 17/04/2018, DJe: 20/04/2018)