Processo número: 9002816-48.2021.8.23.0000


CÂMARAS REUNIDAS
 
REVISÃO CRIMINAL Nº. 9002816-48.2021.8.23.0000
REQUERENTE: DIENY DE SOUSA
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
RELATOR: JUIZ CONVOCADO ALUIZIO FERREIRA VIEIRA



DECISÃO

DIENY DE SOUSA ajuizou Revisão Criminal contra a Sentença e o Acórdão que a condenaram pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
 
A Requerente alega, em síntese, que (EP 1.1):
 
a) o trânsito em julgado de sua condenação ocorreu em 12/04/2021;
 
b) está cumprindo pena na Cadeia Pública Feminina de Boa Vista;
 
c) o fundamento dos julgados foi uma suposta confissão no momento da prisão em flagrante e os depoimentos dos agentes policiais que a prenderam;
 
d) as testemunhas de acusação foram dois policiais que não viram a entrega da droga;
 
e) há provas da inexistência de crime de associação para o tráfico;
 
f) os policiais afirmaram que não a viram no momento da entrega da droga;
 
g) uma testemunha confirmou que ela não saiu de casa na hora do ocorrido;
 
h) a interpretação equivocada das provas levou a sua condenação;
 
i) existe prova nova obtida na Justificação Criminal nº. 0818985-06.2021.8.23.0010, na qual o mecânico JOSIAS SOUSA PEREIRA “... confirmou que a Revisionanda somente acompanhou o venezuelano para dar carona a ele na volta da oficina, de forma que não participou anteriormente de entrega de droga no pátio do Atacadão, conforme reconheceram os policiais da operação em seus depoimentos em Juízo” (fl. 08);
 
j) negou a confissão;
 
k) o venezuelano que trouxe a droga da Venezuela afirmou que nunca lhe deu dinheiro e que sabia que ela tinha conhecimento da última remessa de entorpecentes;
 
l) não comercializava a droga, nem era responsável pela estocagem e distribuição e a afirmação do venezuelano não é suficiente para sua condenação;
 
m) as testemunhas policiais não confirmaram que ela estava no carro no momento da distribuição da droga e isso afasta o crime de associação para o tráfico;
 
n) sua passadeira de roupa testemunhou que ela estava em casa no momento em que o venezuelano saiu com uma venezuelana;
 
o) a pessoa que recebeu a droga no pátio do Atacadão foi cristalina em afirmar que só a conheceu no dia da delegacia.
 
Pede a reforma do Acórdão condenatório reconhecendo-se sua absolvição do crime de associação ao tráfico.
 
A 6ª. Procuradoria de Justiça Criminal apresentou manifestação no EP 18, dizendo, em resumo, que:
 
a) a revisão criminal não merece conhecimento, porque a Requerente pretende apenas a rediscussão de fatos e fundamentos já analisados e rejeitados antes do trânsito em julgado;
 
b) os mesmos argumentos lançados de forma genérica nas alegações finais, de que as provas produzidas são insuficientes para sustentar a condenação, apreciados e rejeitados anteriormente, estão sendo trazidos neste feito;

c) a revisão criminal não pode ser utilizada como uma substituta da apelação, buscando a mera revisão das provas;
 
d) “Ademais, o fato novo ora apresentado trata-se de mero entendimento de terceira pessoa, com a qual pretende a Defesa Técnica desmerecer todo o arcabouço probatório acerca do cometimento do crime de associação para o tráfico perpetrado pela requerente, na tentativa de conseguir sua absolvição, quando o pleito restou amplamente debatido, julgado e refutado pela Corte Roraimense” (fl. 06);
 
e) “Isso porque, quanto à associação para o tráfico, Sua Excelência destacou que as informações levantadas pela investigação policial, acerca da associação entre a requerente e Valentin, foram corroboradas pela confissão da ré na fase extrajudicial e o consistente no fato de Nadson Lira, ex-namorado da requerente DIENY, conseguir comprador para drogas e, na sequência, Valentin era o responsável para repassar a droga para a DIENY, que armazenava e fazia o serviço disk-entrega” (fls. 07 e 08);
 
f) foi constatado anteriormente o vínculo estável e permanente entre DIENY e Valentin.
 
Pede o não conhecimento da revisão criminal ou, no mérito, sua rejeição.
 
É o relatório. Decido.
 
A revisão criminal não é cabível neste caso concreto.
 
As possibilidades de revisar os julgados criminais, com trânsito em julgado, estão dispostas no art. 621 do CPP, que diz:
 
“Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena”.
 
Nesta ação, a Requerente (a) rediscute as provas colhidas na ação penal e reapreciadas na apelação criminal, sob o fundamento de erro de decisão (inc. I do art. 621 do CPP) e (b) apresenta “prova nova”, na forma do depoimento de JOSIAS SOUSA PEREIRA (inc. III do art. 621 do CPP).
 
O suposto erro de decisão não foi demonstrado. Isso porque o julgamento contrário ao interesse da parte não significa, por si só, alguma irregularidade.
 
Vê-se que a Requerente pretende, na verdade, apenas a rediscussão do mérito da ação penal e da apelação criminal.
 
No que se refere à mera reanálise das provas colhidas e debatidas (inclusive em apelação criminal), esta não se amolda em qualquer das hipóteses de cabimento da revisão criminal e, portanto, não é possível neste tipo de ação, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
 
“5. ‘A revisão criminal não pode ser utilizada para que a parte, a qualquer tempo, busque novamente rediscutir questões de mérito, por mera irresignação quanto ao provimento jurisdicional obtido. O que se almeja, no presente caso, é a reapreciação indevida do conjunto probatório, que já foi amplamente analisado pelo Tribunal a quo’ (AgRg na RvCr 4.730/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 14/9/2020)” (STJ, trecho da ementa do AgRg na RvCr 5.599/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2021).

* * *

“4. No mais, ‘a revisão criminal não pode ser utilizada para que a parte, a qualquer tempo, busque novamente rediscutir questões de mérito, por mera irresignação quanto ao provimento jurisdicional obtido’ (AgRg na RvCr 4.463/AC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 04/12/2018)” (STJ, trecho da ementa do AgRg na RvCr 4.306/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/09/2019).
 
Essa é a lição de Renato Brasileiro de Lima:
 
“Afinal, como visto anteriormente, não se pode admitir que a revisão criminal seja utilizada, à semelhança dos recursos ordinários, como meio comum de impugnação de sentenças condenatórias ou absolutórias impróprias, pretendendo-se uma reanálise do conjunto probatório que levou à condenação do acusado” (Manual de Processo Penal, Volume Único, 6ª. ed., Salvador, JusPodivm, 2018, p. 1832).
 
No mesmo sentido, é a entendimento pacífico neste Tribunal de Justiça:
 
“REVISÃO CRIMINAL. ACÓRDÃO DA CÂMARA CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DO ART. 217-A, CAPUT, C/C, ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR MINISTERIAL DE NÃO CONHECIMENTO. ACOLHIMENTO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO RÉU E REDIMENSIONAMENTO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DAS QUESTÕES MERITÓRIAS POR MERO INCONFORMISMO DA DEFESA. REEXAME DE MATÉRIA JÁ AMPLAMENTE ANALISADO NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E PELO ACÓRDÃO DA C. CÂMARA CRIMINAL DESTA EG. CORTE DE JUSTIÇA. INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS INSCULPIDAS NO ART. 621 DO CPP. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA, PREJUDICADO O MÉRITO DO RECURSO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1. A Revisão Criminal caracteriza-se como ação penal originária da 2ª instância que tem por objetivo a desconstituição de uma condenação transitada em julgado, tendo como finalidade corrigir excepcionais casos de erros judiciários. Entretanto, não se pode esquecer que por se tratar de ação que ‘viola’ a coisa julgada, fica adstrita às hipóteses taxativas enumeradas na legislação penal.
2. Não se admite, em sede de revisão criminal, o reexame de provas, vez que referida ação não pode ser manejada como um segundo recurso de apelação. Sua abrangência está restrita às hipóteses previstas no art. 621 do CPP e, não restando demonstrada a ocorrência de erro judiciário ou nulidade a ser reparada, há de ser rejeitado o pedido revisional.
3. Revisão Criminal não conhecida” (TJRR, RvCr 9001407-37.2021.8.23.0000, Câmaras Reunidas, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, julgado em 25/11/2021).
 
Quanto à alegação de “prova nova”, esta não pode ser conhecida no caso concreto.
 
A Requerente entendeu que o depoimento de JOSIAS SOUSA PEREIRA, colhido na Justificação Criminal nº. 0818985-06.2021.8.23.0010, é uma prova nova, porque, segundo ela, “... confirmou que a Revisionanda somente acompanhou o venezuelano para dar carona a ele na volta da oficina, de forma que não participou anteriormente de entrega de droga no pátio do Atacadão, conforme reconheceram os policiais da operação em seus depoimentos em Juízo” (fl. 08).
 
Contudo, JOSIAS SOUSA PEREIRA já havia sido ouvido, quanto ao caso, na esfera policial e seu depoimento foi, inclusive, utilizado como fundamento das alegações finais da ora Requerente, conforme consta no EP 173.1.

Confira-se o trecho mencionado:
 
“No momento que Valentin chegou, a Ré o acompanhou até a oficina mecânica e logo em seguida o deixou em sua residência e foi trabalhar. Mencionado evento da oficina mecânica está comprovado através das declarações do Sr. JOSIAS SOUSA PEREIRA, proprietário da oficina mecânica, EP.01, fl.08, senão vejamos:
RESPONDEU: ‘QUE é mecânico e é proprietário da Oficina do Josias, que é situada na Av. Brasil, s/n, atrás da loja de peças Sapeca; QUE na data de hoje por volta de 12hs, estava em sua oficina quando uma cliente chamada DIENY e um Venezuelano, conhecido como JUAN, compareceram no local e pediram para o declarante fazer um conserto no ventilador do radiador do veículo FIAT/STRADA, cor prata, com placa da Venezuela; QUE essa foi a segunda vez que o casal aparece em sua oficina para consertar o mesmo veículo;’
No dia 08/06/2018 o veículo foi consertado e no dia 09/06 Valentin foi embora para a Venezuela” (fl. 05 do EP 173.1).
 
Como se vê, o testemunho de JOSIAS SOUSA PEREIRA não é uma prova substancialmente nova para o processo de origem, apesar de, formalmente, ele ter sido colhido novamente na Justificação Criminal nº. 0818985-06.2021.8.23.0010 depois da sentença.
 
Não se pode olvidar que a revisão criminal é uma ação de fundamentação vinculada às hipóteses taxativas previstas pelo legislador. Assim, a via eleita não se presta à rediscussão de questões meritórias por mero inconformismo pelo provimento jurisdicional obtido.
 
Por essas razões, com fundamento no art. 91, III, do RITJRR, e em consonância com o parecer do Ministério Público de 2º. grau, não conheço desta Revisão Criminal, eis que não configuradas quaisquer das hipóteses taxativas previstas no art. 621 do CPP.
 
Publique-se e intimem-se. Após as formalidades de praxe, arquive-se.
 
Boa Vista, 09 de fevereiro de 2022.
 
Aluizio Ferreira Vieira
Juiz Convocado - Relator