Processo número: 0710820-74.2012.8.23.0010


CÂMARA CÍVEL - SEGUNDA TURMA

APELAÇÃO CÍVEL N.º 0710820-74.2012.8.23.0010
APELANTE: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
PROCURADOR: MARCOS ANTÔNIO CARVALHO DE SOUZA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
RELATOR: JUIZ CONVOCADO ANTÔNIO AUGUSTO MARTINS NETO



RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta em desfavor da sentença proferida pelo douto Juízo da 1ª Vara da Fazenda da Comarca de Boa Vista-RR, nos autos da Ação Civil Pública n.º 0710820-74.2012.8.23.0010, que julgou parcialmente procedente o pleito inaugural.

Em suas razões (EP. 172), afirma o Município Apelante que:

- Em virtude das medidas de polícia administrativa gozarem do atributo de autoexecutoriedade, o Ente Federativo não precisa de uma decisão judicial para obrigá-lo a cumprir a lei e que tomou as medidas administrativas cabíveis aos casos concretos.

- A sentença é carente de motivação, pois não teria o julgador apontado quais os documentos apresentados pelo órgão Ministerial que teriam demonstrado o fato constitutivo do direito pleiteado.

- A multa fixada para o caso de descumprimento da sentença se revela exorbitante, não tendo observado os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e que ela não deveria ser suportada pelo Município, mas sim pelo agente público que diretamente deixou de cumprir a determinação.

- Inexiste o dano moral coletivo, que não pode ser presumido e não restou demonstrado nos autos.

Requer, por fim, o provimento do recurso a fim de julgar improcedentes os pedidos ou, caso mantida a condenação, que sejam reduzidos tanto a multa arbitrada quanto o valor da indenização por dano moral, e ainda, que aludida multa recaia sobre o servidor que deu causa ao descumprimento da ordem.

Regularmente intimado, apresentou o ilustre Representante Ministerial suas contrarrazões (EP. 180), pugnando pelo desprovimento do recurso.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Graduado exarou parecer (EP. 31) pugnando pelo provimento parcial das razões de apelação, reformando-se a sentença no ponto em que determina a demolição de obras de forma genérica e abstrata.

Vieram os autos conclusos para decisão do Relator.

Eis o breve relato.

Portanto, inclua-se o feito em pauta para julgamento eletrônico, com cópia do relatório, na forma prevista no artigo 110, §1º do RITJRR.

Intimem-se as partes para ciência, no prazo legal.

Boa Vista/RR, data constante no sistema.


Antônio Augusto Martins Neto
Juiz Convocado - Relator



VOTO

Como visto no relatório, trata-se de Apelação Cível interposta em desfavor da sentença proferida pelo douto Juízo da 1ª Vara da Fazenda da Comarca de Boa Vista-RR, nos autos da Ação Civil Pública n.º 0710820- 74.2012.8.23.0010, que julgou parcialmente procedente o pleito inaugural, cuja parte dispositiva segue o teor:

“Ante ao exposto, este Juízo julga os pedidos realizados neste feito PROCEDENTES EM PARTE, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para CONDENAR o MUNICÍPIO DE BOA VISTA a pagar indenização por danos morais coletivos no montante de R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) bem como a DETERMINAR ao MUNICÍPIO DE BOA VISTA que promova, no prazo de 60 (SESSENTA) DIAS: 1) todas as sanções administrativas cabíveis e efetivas, cumulativamente, até a DEMOLIÇÃO, com eventual NULIDADE de atos administrativos concessivos de direitos das ocupações citadas nestes autos e que por ventura tenham sido expedidos pelo Requerido, bem como a REPARAÇÃO/RECUPERAÇÃO/ RESTAURAÇÃO do local do fato e retirada do material degradante (resíduos sólidos: entulho e outros) com destino para espaço aprovado e apropriado, previamente estabelecido pela própria municipalidade, sob ônus e responsabilidade do infrator ou a cargo do réu com posterior cobrança do mesmo, REFERENTES ÀS OCUPAÇÕES INFORMADAS NESTE FEITO, precedidas de processo administrativo próprio, com resguardo dos princípios da ampla defesa e contraditório. 2) As diligências deverão ser comunicadas ao Órgão Ministerial, para acompanhamento e ciência das providências adotadas. 3) O Requerido deverá se abster de realizar quaisquer “regularizações” nas localidades identificadas, enquanto perdurar o impedimento estabelecido na legislação ambiental. 4) O Requerido deverá ainda IMPEDIR todas as construções iniciadas ou em andamento e até recém-finalizadas nas localidades já identificadas nos autos, por meio das sanções adrede aplicadas de multa e embargo, adotando-se as medidas determinadas no item 1). Caso haja descumprimento dos itens acima, comino, desde já, multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada fato/área degradada, a ser convertida em sua revitalização.”

DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA COMBATIDA.

O apelante alega que a sentença vergastada não atende os requisitos do art. 489, II, do CPC, devendo ser reformada declarando improcedente o pleito formulado pelo autor/apelado, em razão da insuficiência de provas que atestem a omissão estatal.

A preliminar não prospera.

De pronto, verifico que o juízo sentenciante expôs os motivos de sua convicção de modo satisfatório.

Isso porque, da análise dos autos, verifica-se que o magistrado a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos.

Ressalto que não se pode confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA. PRECLUSÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO PREJUDICADO. 1. Afasta-se a ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. No mais, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem sobre não ter ocorrido a preclusão, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático probatório, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/ STJ. Precedentes. 3. Pelos mesmos motivos, segue obstado o recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, sendo certo que não foram atendidas as exigências dos arts. 1.029, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. 4. Agravo Interno a que se nega provimento. (RCD no AREsp 1297701/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 13/08/2018)

Assim, rejeito a preliminar.

DO MÉRITO

O recurso não merece provimento.

Diferentemente do alegado pelo Apelante, vislumbro que consta dos autos farta documentação que atesta a ocorrência dos fatos noticiados na inicial, notadamente, a ausência de providências mais enérgicas do ente municipal face à existência de ocupação irregular em área de preservação permanente (APP), razão pela qual não merece reparo a sentença proferida, conforme os seguintes fundamentos esposados pelo juízo a quo, os quais adoto como razões de decidir:

“A Constituição Federal impôs, em seu Art. 225, a defesa e a preservação do meio ambiente, incumbindo ao Poder Público definir os espaços territoriais a serem protegidos, exigindo para tanto estudo prévio de impacto ambiental de obras potencialmente causadoras de dano.

Em âmbito municipal foi instituída a Lei nº 924/2006, que trata do Plano Diretor Estratégico do Município de Boa Vista e que estabelece, além da observância do Código Florestal (art. 12, II), a proteção das áreas de Preservação Permanente (art. 13, II) e o sofreamento de ocupações irregulares (art. 49, III).

As Áreas de Preservação Permanente encontram-se definidas nos art. 4º e 6º, do Código Florestal Brasileiro – Lei n º 12.651/2012, sendo vedada a supressão da vegetação nativa para além das hipóteses estritamente definidas no diploma legal como a utilidade pública, o interesse social ou o baixo impacto ambiental. A legislação ambiental ainda determina que as áreas degradadas sejam recuperadas pelo invasor, em seus art. 7 e art. 8, assim foi disposto:

(…)

Verificando-se o ilícito administrativo, o infrator deveria suportar as penas estabelecidas no Art. 72, da Lei nº 9.605/98. Deveria ainda recuperar as áreas degradadas e desocupar a área por ele invadida, evitando-se, por conseguinte, novas intervenções. A aplicação das penalidades obedece aos critérios estabelecidos pelos parágrafos do supracitado dispositivo. A saber:

(…)

De acordo com o §7ª do artigo colacionado acima, a sanção de demolição indicada no inciso VIII será aplicada quando a obra não estiver obedecendo às prescrições legais ou regulamentares. A pena de demolição, portanto, é imposição legal que deveria ser observada no âmbito do procedimento administrativo municipal, já que não identificada, por meio da documentação acostada ao feito, nenhuma causa de justificação das supressões não autorizadas em Lei.

Vê-se desse modo, descumprida a legislação ambiental por parte do Município de Boa Vista, que ao aplicar unicamente multa simples sem que para tanto promova a desocupação e desobstrução dos cursos d'água, perpétua a degradação das APPs.

Por outro viés, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente estabelece que a responsabilidade pela degradação ambiental é objetiva uma vez que independe de culpa. A saber:

(…)

Ademais, o dever de promover o adequado ordenamento territorial urbano, mediante o planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo decorre do poder de polícia do ente público municipal, sem que haja para tanto a necessidade de dotação orçamentária específica para as ações de demolição de obras irregulares.

De outro modo, as ações de recuperação e/ou indenização das áreas degradadas são de responsabilidade do poluidor, podendo o Município ingressar contra os ocupantes a fim de que os valores necessários à desocupação e demolição sejam por eles custeados.

(…)

A sustentação de falta de viés prático das demolições, sob fundamento de que resultará na invasão de outras áreas é destituída de lógica. Pelo contrário, a permanência de invasores em áreas de preservação incute o sentimento de abandono e ausência do Poder Público. A mera aplicação de multa caracteriza a tolerância que se converte em permissivo ilegal. Assim, a realização de ações mais enérgicas por parte do Município se faz necessária tanto em face do cumprimento da legislação ambiental, quanto para barrar futuros movimentos de ocupação irregular. No mesmo giro, a alegação de eficaz ausência de recuperação ambiental não pode ser acolhida.

Em que pese arguir a ingerência indevida do MPE na esfera administrativa, a atribuição para a propositura das ações que visam a proteção efetiva e concreta do meio ambiente encontra-se prevista na Lei da Ação Civil Pública.

Ademais, a necessidade de informar o órgão ministerial das ações adotadas pelo Requerido a partir da condenação neste feito advém do poder de fiscalizar o cumprimento da obrigação de fazer e deve ser mantida em relação às áreas objeto desta ação. É medida que corrobora a obtenção da tutela específica, nos termos do art. 84, §5º, do CDC, aplicado à Ação Civil Pública, conforme o art. 21, da Lei nº 7.347/85, uma vez que poderá o MPE acionar o Requerido em caso de descumprimento.

A possibilidade de condenação por dano moral coletivo encontra-se presente no art. 1º, da Lei nº 7.347/85, que assim dispõe:

(…)

O dano moral, neste caso, é aferido in re ipsa, ou seja, verificando- se a prática do ilícito ambiental, despicienda a demonstração de prejuízos concretos e de efetivo abalo social. Os elementos constantes nos autos, como os pareceres que atestam a supressão da vegetação nativa das APP's, aterramento do solo, retirada de vegetação rasteira protetora das margens dos rios com, sobretudo, a conivência do gestor público municipal com os ocupantes das áreas de preservação, constitui conduta passível de indenização. Acerca do dano moral coletivo:

(…)

Caracterizado o dano moral à coletividade, impõe-se o ressarcimento. Contudo, na espécie, verifica-se a ausência de parâmetros legais definidos para o seu arbitramento, devendo a quantificação ser baseada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade com observância das peculiaridades que envolvem o caso concreto, de modo a produzir o necessário efeito sancionatório e pedagógico.

Desse modo, pela compreensão dos elementos colacionados aos autos, o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) é quantia que atende aos preceitos estabelecidos.

Quanto aos fundamentos acima expendidos, há de se observar que a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores firmou orientação quanto à possibilidade de adoção, como razões de decidir, dos fundamentos da sentença, confira-se:

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E NO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO. 1. Para chegar a conclusão diversa do acórdão recorrido, imprescindíveis seriam a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos (Súmula 279/STF), procedimentos inviáveis em recurso extraordinário. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que não viola a exigência constitucional da motivação o acórdão de segunda instância que adota como razões de decidir fundamentos contidos na sentença recorrida. Precedentes. 3. A decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, RE 1099396 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 11-04-2018 PUBLIC 1204-2018)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. ADOÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA COMO RAZÕES DE DECIDIR. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. REGULARIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de reconhecer a viabilidade do julgamento colegiado que adota ou ratifica a motivação constante da sentença, transcrevendo-a em seus fundamentos. 2. Hipótese em que as instâncias ordinárias valoraram as provas dos autos para declarar prestadas as contas e fixar o crédito em favor da ré. 3. Rever os fundamentos do Tribunal de origem acerca da regularidade na forma em que as contas foram prestadas exigiria reapreciação do conjunto probatório, notadamente análise pormenorizada dos termos fixados no negócio jurídico entabulado entre as partes. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 204.863/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 30/04/2015)

A propósito, assim já decidiu este E. Tribunal em casos análogos:

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
TJRR (AC 0822947-47.2015.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Des. ELAINE BIANCHI, julgado em 26/02/2021, DJe: 02/03/2021)

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1.Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2.Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3.Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. TJRR (AC 0802898-43.2019.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel.
Des. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, julgado em 18/12/2020, DJe: 21/12/2020)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO VEGETAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INÉRCIA/OMISSÃO DO ENTE MUNICIPAL EM APLICAR AS PENALIDADES CABÍVEIS. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DO TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA CELEBRADO PELA SECRETARIA MUNICIPAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. FIXAÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM PARCIAL CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL, APENAS PARA AFASTAR A COMINAÇÃO DE MULTA NA PESSOA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL. (TJRR – AC 0837797-43.2014.8.23.0010, Rel. Des. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, 2ª Turma Cível, julg.: 27/11/2020, public.: 01/12/2020)

Ademais, no caso presente, vislumbro que a aplicação de multa é legal, como forma de assegurar que a parte cumpra o dever imposto. É o que prevê a legislação processual civil pátria, senão vejamos:

Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação d tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar medidas necessárias à satisfação do exequente.

§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na faz de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Veja-se, neste sentido, precedente do Colendo STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. MENOR CARENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA CONTRA A FAZENDA. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. 1. Prevaleceu na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesse individual indisponível de menor carente. Precedentes da Seção: EREsp 485.969/SP, Rel. Min. José Delgado, DJU de 11.09.06 e EREsp 734.493/RS, DJU de 16.10.06. 2. O juiz pode, de ofício ou a requerimento da parte, fixar as astreintes contra a Fazenda Pública, com o propósito de assegurar o adimplemento da obrigação de fazer no prazo determinado. Precedentes. 3. A aferição da proporcionalidade entre o valor da medida cominatória e o conteúdo da obrigação que se pretende assegurar é matéria que demandaria revolvimento do suporte fático probatório dos autos, providência inadmissível em recurso especial pelo óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. 4. Recurso especial improvido. (REsp 898.260/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.05.2007, DJ 25.05.2007)

Assim, verifico ser cabível a manutenção da aplicação da multa como estipulada pelo Juízo de piso, pois entendo que guarda consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez considerado o bem jurídico tutelado.

De tal modo, também não merece provimento o pedido recursal relativo à redução do valor da multa diária estipulada, tendo em vista que tal valor deve ser suficiente para compelir a parte a cumprir a determinação judicial, sem, contudo, implicar no enriquecimento injustificado.

Importante ressaltar, que não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. (TJRR – AgInst 0000.17.002208-1, Rel. Desa. TÂNIA VASCONCELOS, 2ª Turma Cível, julg.: 28/02/2019, public.: 12/03/2019).

Por fim, no que pertine à impossibilidade de condenação em obrigação de fazer cumulada com indenização pecuniária, melhor sorte não acompanha o recorrente.

O tema não carece de maiores debates, uma vez que o STJ possui entendimento sumulado a respeito. Vejamos:

Súmula n.º 629 do STJ: Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.

Por fim, razões acompanham o Ministério Público Graduado, quanto à sanção de Demolição, que, para ser aplicada, deve ser precedida de processo administrativo próprio, resguardando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa, merecendo reforma o decisum neste ponto em que determina a demolição de obras de forma genérica e abstrata.

Diante do exposto, conheço e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para acrescentar à sentença, que em caso de aplicação da sanção de demolição, esta deve ser precedida de processo administrativo próprio, resguardando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa.

É como voto.

Boa Vista/RR, 21 de fevereiro de 2022.

Antônio Augusto Martins Neto
Juiz Convocado - Relator



EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO DE DEMOLIÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Segunda Turma Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer do presente recurso, mas negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.

Participaram da Sessão de Julgamento o Senhor Eminente Desembargador Mozarildo Cavalcanti (Presidente/julgador) e os Juízes Convocados Antônio Martins (Relator) e Luiz Fernando Mallet (Julgador).

Sessão Virtual do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos vinte e cinco dias do mês de fevereiro do ano de dois mil e vinte e dois.


Antônio Augusto Martins Neto
Juiz Convocado - Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO DE DEMOLIÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem.

TJRR (AC 0710820-74.2012.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Juiz Conv. ANTÔNIO AUGUSTO MARTINS NETO, julgado em 25/02/2022, DJe: 03/03/2022)