CÂMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010.06.145013-5
Apelante: Raimundo Belghatmar Medeiros Alves
Advogado: Dr. Elildes Cordeiro de Vasconcelos, OAB/RR nº 780
Apelado: Ministério Público de Roraima
Relator: Des. Mauro Campello
R E L A T Ó R I O
Trata-se de Apelação Criminal interposta por RAIMUNDO BELGHATMAR MEDEIROS ALVES, contra a r. sentença proferida às fls. 130/132 pelo MM. Juiz designado para o Mutirão Criminal, que, na ação penal nº 010.06.146013-5, originária da 5ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista, condenou o ora apelante pela prática delitiva descrita no art. 15 da Lei n° 10.826/03 a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 60 (sessenta) dias- multa, sendo, ao final, substituída a sanção corporal por duas penas restritivas de direitos.
Às fls. 148/165, a defesa requer, preliminarmente, seja declarada nula a sentença, tendo em vista a ausência de intimação do advogado do réu para apresentação das alegações finais.
Alegou que foi nomeado defensor público à revelia do acusado, ofendendo assim aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, razão pela qual pugnou pelo retorno dos autos ao juízo de origem, para que seja oportunizado ao réu o direito de nova apresentação das alegações finais, desta feita por advogado de sua confiança, bem como que seja possibilitada a renovação da instrução, em razão da desistência de duas testemunhas de defesa.
No mérito, acaso vencida a preliminar, sustentou a tese de atipicidade da conduta. Alternativamente requereu a desclassificação da conduta delitiva cominada na sentença para o delito previsto no art. 132 do Código Penal.
Pleiteou, ainda, a diminuição da pena-base para o patamar mínimo.
Contrarrazões do Ministério Público às fls.169/173-v., pugnando pelo acolhimento parcial da preliminar, tendo em vista a falta de intimação do advogado do réu, devendo os autos retornarem à primeira instância a fim de que seja suprida a nulidade e, por fim, apresentadas novas alegações finais da defesa. Quanto ao pedido de renovação da instrução, pediu o Parquet de primeiro grau pelo indeferimento do pedido, tendo em vista que, àquela oportunidade, encontrava-se presente o patrono do réu nas respectivas audiências.
Em parecer acostado às fls.174/185, opina a douta Procuradoria de Justiça pelo acolhimento da preliminar de nulidade processual e a consequente remessa dos autos para oferecimento das alegações finais por advogado constituído pelo réu. No mérito, acaso vencida a preliminar, o parecer é pelo desprovimento integral do apelo.
Com o relatório, encaminhem-se os autos à douta revisão, nos termos do art. 178, II do RITJRR.
Boa Vista, 17 de dezembro de 2013.
Des. Mauro Campello
Relator
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra o ora apelante RAIMUNDO BELGHATMAR MEDEIROS ALVES atribuindo-lhe a conduta delituosa descrita no art. 15, caput da Lei n° 10.826/2003 (disparo de arma de fogo em via pública), tendo em vista os fatos a seguir transcritos:
"Consta da inclusa peça inquisitorial que no dia 08 de setembro de 2006, por volta das 3:00 horas, na Avenida Venezuela, s/n, próximo ao Viaduto Peri Lago, município de Boa Vista, o ora denunciado disparou arma de fogo do tipo Pistola, Taurus, PT 938, calibre 380 ACP, n° KUD 42819 na via pública.
Segundo restou apurado, o denunciado trafegava na Avenida Venezuela, conduzindo seu veículo S-10, cor cinza, placas NAL-1994, quando ao foi abalroado levemente pelo veículo S-10, placas JXL-8659, que era conduzido por César Thaumaturgo Rodrigues do Nascimento. Ato contínuo, o ora denunciado saiu em perseguição ao veículo abalroador, momento em que efetuou vários disparos em direção ao veículo conduzido por César, atingindo o pára-choque traseiro do referido automóvel."
Após regular instrução do feito, o ora apelante restou condenado à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 60 (sessenta) dias- multa, sendo ao final substituída por duas restritivas de direito, a critério do 1º Juizado Criminal.
Nestes autos, a defesa alega preliminarmente violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, tendo em vista que os autos foram diretamente encaminhados à Defensoria Pública para oferecimento das alegações finais, sem que houvesse prévia intimação do advogado do réu que o vinha defendendo até então no referido feito.
Compulsando os autos, e em sintonia com as manifestações dos representantes do Ministério Público de 1º e 2º graus, tenho que merece guarida a irresignação preliminar.
Transcrevo, a propósito, trechos da manifestação ministerial de fls. 170/173 -v, que bem resumem os fatos:
"O exercício da defesa técnica decorre de dispositivo constitucional, portanto, o acusado tem o direito de escolha do Advogado. baseado num critério de íntima confiança, sendo defeso ao Juiz substituí-lo deliberadamente. A jurisprudência, é pacíficas neste sentido:
'(...) As alegações finais são atos processuais imprescindíveis ao pleno exercício da Ampla Defesa. Insuficiente, para assegurar essa garantia constitucional, a intimação do Advogado pelo órgão de imprensa oficial e que permanece impassível no cumprimento de seu dever. Deve o Juiz, nesse caso, notificar o réu para que outro constitua, nomeando-lhe Defensor Dativo somente depois de decorrido in albis o prazo que lhe for assinalado"(TJDFT/ACr n 199907100099785; Rei. Getulio Pinheiro; 2a T. Criminal; j. 12/9/2002. DJ de 13/11/2002, p. 131). Federal. In verbis:
No mesmo sentido, já se posicionou o Supremo Tribunal
"O réu tem o direito de escolher o seu próprio Defensor. Essa liberdade de escolha traduz, no plano da persecutio criminis, específica projeção do postulado da amplitude de defesa proclamado pela Constituição. Cumpre ao Magistrado processante, em não sendo possível ao Defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro Advogado. Antes de realizada essa intimação ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado -, não é lícito ao Juiz nomear Defensor Dativo sem expressa aquiescência do réu " (HC n° 67755- São Paulo-SP; Rel. Min. Celso de Mello; j. 26/6/1990; Órgão julgador: 1ª T.)."
O art. 263 do CPP é expresso em assegurar ao acusado, a qualquer tempo, o direito de nomear outro advogado de sua confiança: "Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado Defensor pelo Juiz. ressalvado o seu direito de. a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se. caso tenha habilitação".
No caso dos autos, verifica-se que o apelante possuía advogado que o vinha defendendo na ação penal principal, conforme atas de audiências de oitiva de testemunhas e interrogatório (fls. 98 e 110).
In casu, após a apresentação de alegações finais pelo Ministério Público, os autos foram conclusos ao MM. Juiz a quo que determinou vista à defesa para alegações finais, (fl. 121-v.).
Entretanto, ao invés de ser intimado o advogado que vinha defendendo o réu, verifica-se que os autos foram encaminhados diretamente à Defensoria Pública para apresentação das alegações finais (fl. 122), sem que haja qualquer certidão nos autos quanto à prévia intimação do advogado particular.
Desta forma, considerando que o cerceamento na escolha do defensor constituído importa em nulidade dos atos processuais, revela-se patente o prejuízo do réu, sendo desnecessária a demonstração do efetivo prejuízo por se tratar de nulidade absoluta.
Com efeito, o procedimento correto a ser adotado seria a intimação via DJE do advogado do réu para apresentação das alegações finais. Em caso de inércia do patrono, o réu deveria ser intimado para constituir novo advogado, informando-o, outrossim, que a não-constituição de outro advogado no prazo legal implicaria na remessa dos autos à Defensoria Pública para patrocínio da causa. Assim, somente após a inércia do apelante é que se poderia nomear a Defensoria Pública para patrocinar a sua defesa, diligência não cumprida no caso concreto.
Portanto, não havendo nos autos qualquer elemento a indicar a intimação do advogado constituído nos autos, resta patente a violação aos princípios da ampla defesa e devido processo legal, não restando outra opção senão anular o processo a partir das alegações finais, devendo o advogado constituído ser intimado a apresentar a referida peça processual.
Por outro giro, também acompanhando o parecer ministerial, entendo que não é o caso de se renovar a instrução processual, como requereu a defesa, visto que nas audiências em que foram colhidos os depoimentos das testemunhas e realizado o interrogatório do réu, o advogado constituído se fazia presente naquela ocasião, razão pela qual não se evidenciou qualquer cerceamento de defesa pelo fato de o patrono ter desistido das testemunhas de defesa.
Diante de tais considerações, em consonância integral com o parecer ministerial, acolho parcialmente a preliminar de nulidade processual, e determino o retorno dos autos à 5ª Vara Criminal para que o advogado constituído seja intimado a apresentar alegações finais, para em seguida nova sentença ser proferida.
É como voto.
Boa Vista, 04 de fevereiro de 2014.
Des. Mauro Campello
Relator
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL - DISPARO DE ARMA DE FOGO - ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO - AUTOS REMETIDOS DIRETAMENTE À DEFENSORIA PÚBLICA - NULIDADE CONFIGURADA A PARTIR DAS ALEGAÇÕES FINAIS.
1. Deve ser reconhecida a nulidade parcial do processo por cerceamento de defesa uma vez que os autos foram diretamente encaminhados à Defensoria Pública, para oferecimento das alegações finais, sem que o advogado constituído pelo réu tenha sido previamente intimado para apresentar a referida peça processual.
2. Não procede o pedido de renovação integral da instrução, visto que nas audiências em que foram colhidos os depoimentos das testemunhas e realizado o interrogatório do réu, o advogado constituído se fazia presente.
3- Preliminar parcialmente acolhida, em consonância com a Procuradoria de Justiça.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros da Câmara Única, Turma Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, e em consonância com o Parquet, em ACOLHER PARCIALMENTE A PRELIMINAR para determinar o retorno dos autos à 5ª Vara Criminal para que o advogado constituído seja intimado a apresentar alegações finais, e em seguida nova sentença seja proferida. Indeferido o pedido de renovação integral da instrução processual.
Estiverem presentes à sessão os eminentes desembargador Lupercino Nogueira, presidente em exercício/revisor e juíza convocada Elaine Bianchi, julgadora. Também presente o(a) ilustre representante do Parquet graduado.
Sala das sessões do egrégio Tribunal de Justiça de Roraima, aos 04 (quatro) dias do mês de fevereiro de 2014.
Des. Mauro Campello
Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL - DISPARO DE ARMA DE FOGO - ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO - AUTOS REMETIDOS DIRETAMENTE À DEFENSORIA PÚBLICA - NULIDADE CONFIGURADA A PARTIR DAS ALEGAÇÕES FINAIS.
1. Deve ser reconhecida a nulidade parcial do processo por cerceamento de defesa uma vez que os autos foram diretamente encaminhados à Defensoria Pública, para oferecimento das alegações finais, sem que o advogado constituído pelo réu tenha sido previamente intimado para apresentar a referida peça processual.
2. Não procede o pedido de renovação integral da instrução, visto que nas audiências em que foram colhidos os depoimentos das testemunhas e realizado o interrogatório do réu, o advogado constituído se fazia presente.
3- Preliminar parcialmente acolhida, em consonância com a Procuradoria de Justiça.
TJRR (ACr 0010.06.145013-5, Câmara Única, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, julgado em 04/02/2014, DJe: 15/02/2014)