Processo número: 0000.15.001590-7


CÂMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

RECURSO SENTIDO ESTRITO Nº 0000.15.001590-7
Recorrente: Ministério Público Estadual
Recorrido: Gercino Ventura
Defensor Público: Dr. Wilson Roy Leite da Silva DPE/RR



RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face da decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Criminal de Competência Residual que, com base no princípio da insignificância, deixou de receber a denúncia de fls. 02A/02C, a qual atribui ao recorrido a prática delitiva prevista no art. 155, 'caput', c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Às fls. 58/61, o representante do Ministério Público de primeiro grau apresentou razões recursais alegando que, apesar da pouca expressividade dos bens que o recorrido tentou furtar, não se verifica o preenchimento do pressuposto subjetivo exigido à aplicação do princípio da insignificância, vez que o acusado é reincidente em crimes contra o patrimônio, devendo, por tal razão, ser reformada a decisão a quo, para que seja recebida a inicial acusatória.
Em contrarrazões às fls. 65/69, a Defensoria Pública Estadual pugnou pela manutenção da decisão vergastada.
À fl. 70, em juízo de retratação, a decisão combatida foi mantida por seus próprios fundamentos.
Em parecer de fls. 75/77, opina a Procuradoria de Justiça pelo provimento do presente recurso, a fim de que seja recebida a denúncia e processado o feito.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
Boa Vista, 26 de agosto de 2015.

Des. Mauro Campello



VOTO

O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra o ora recorrido GERCINO VENTURA, ante a narrativa dos fatos a seguir transcritos:
" (...) No dia 23 de janeiro de 2015, por volta de 01:30h, em um estabelecimento comercial localizada na Rua Paulo Coelho, Bairro São Vicente, neste, o roa denunciado, livre e conscientemente, movido de ânimo de assenhoramento definitivo, tentou subtrair para si ou para outrem, garrafas de óleo expostas para venda no estabelecimento, especificadas em Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 18 dos autos, não consumando a atividade delitiva por circunstâncias alheias a sua vontade.
Conforme restou apurado, nas condições de tempo e local acima, o ora  denunciado aproximou-se das prateleiras onde estavam expostas a s garrafas de óleo, momento em que passou a separou algumas delas e ocultá-las em uma bolsa, o que foi visto pela funcionária Elane, atende da loja de conveniência do local.
Por conseguinte, Elane acionou a polícia militar, tendo os policiais, ao tomarem conhecimento do ocorrido, saído em buscas pela região, localizando o denunciado momentos depois, ainda na posse dos objetos subtraídos, sendo ele preso em flagrante, após ser reconhecido pela funcionária com o  autor do crime, e conduzido à autoridade policial.
Agindo dessa forma, o denunciado tem sua conduta tipificada no artigo 155, caput, do Código Penal Brasileiro, cuja pena é de reclusão de 01 (um) a 04(quatro) anos,e  multa com a causa de diminuição de pena prevista no artigo 14, II, do mesmo diploma legal
Às fls.55/55-v, o MM. Juiz da 1ª Vara Criminal de Competência Residual da Comarca de Boa Vista proferiu decisão negando o recebimento da denúncia entendendo que o fato descrito "é penalmente insignificante, o que afasta a tipicidade da conduta. Vejamos. Gercino Ventura foi denunciado pelo furto de 04 (oito) (sic) litros de óleo de um estabelecimento comercial, que foram apreendidos (cf. fls. 18), não tendo havido qualquer prejuízo efetivo. Colaciono trechos de julgado do STF, da lavra do eminente Ministro Celso de Melo, no julgamento do HC 84.412-0/SP - 2ª T. - j. 19.10.2004, sobre o tema, infra. ' O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material (...) O direito penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor  por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social ' (in RT 834/477-481)."
Contra tal decisão, o Ministério Público Estadual interpõe o presente Recurso em Sentido Estrito, alegando que, a despeito do baixo valor dos bens, não se aplica o princípio da insignificância no caso concreto eis que o recorrido "é reincidente em crime contra o patrimônio, estava cumprindo pena por furto tentado em regime aberto quando praticou o delito ( processo nº 0010.14.0056666-3), tem contra si outra condenação por furto que ainda não está em fase de execução  (processo nº 0010.12.016437-0), foi denunciado no processo nº 0010.12.002789-0 e, pela prática de furto e, ainda, é indiciado em outros 02 (dois) inquéritos (0010.14.020068-3 e 0010.14.017840-0), também por furto", não preenchendo, assim, o requisito de ordem subjetiva necessário à aplicação do referido princípio.
Em que pesem os argumentos do órgão ministerial, ora recorrente, filio-me à corrente jurisprudencial minoritária que entende não constituir impeditivo a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência, ações penais ou inquéritos em curso (Nesse sentido: STJ/HC 256041/SP Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJ de 18/06/2013).
Desta forma, salvo melhor entendimento, entendo que o que se deve analisar é a conduta em si, não servindo para definir a tipicidade da conduta a suposta reiteração delituosa, pois é circunstância inerente à pessoa cuja aferição caberá quando da fixação da eventual e futura aplicação da pena.
Assim, a despeito de o fato tratado nos autos ser formalmente típico, verifico que a inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado (patrimônio), com a restituição dos bens à vítima, além da irrelevante periculosidade social da ação e a baixa reprovabilidade do comportamento, conduzem à conclusão de que o fato ora tratado é materialmente atípico.
Com efeito, cumpre lembrar que a criminalização de uma conduta só se legitima se for o meio indispensável para a preservação de determinado bem jurídico, em consideração aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal.
Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do STJ:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. TENTATIVA. RES FURTIVA DE PEQUENO VALOR. TRÊS DESODORANTES AVALIADOS, CADA QUAL, EM R$ 7,99. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). REINCIDÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR.
1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada segundo os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal.
2. A aferição da reprovabilidade do comportamento do autor do delito dá-se mediante a análise global da conduta - por exemplo, a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, as circunstâncias - e do resultado concretamente verificados.
3. Não é empecilho à aplicação do princípio da insignificância a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, a teor de pronunciamentos das duas Turmas integrantes da Terceira Seção (HC n.
206.754/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22/6/2011).
Ressalva do entendimento do Relator.
4. Agravo regimental improvido."
(AgRg no HC 214.828/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 20/08/2012)

AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL - PENAL - DESCAMINHO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - 1- O Excelso Pretório, no julgamento do Habeas Corpus nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, firmou compreensão no sentido de considerar aplicável o princípio da insignificância nos casos em que o valor dos tributos sonegados seja inferior ou igual ao montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do art. 20, caput, da Lei nº 10.522/02, alterado pela Lei nº 11.033/04. 2- A existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso não impedem a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes desta Corte e do eg. STF. 3- Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg-REsp 1.246.604 - (2011/0077296-0) - 6ª T. - Rel. Min. Og Fernandes - DJe 22.08.2012 - p. 1106)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL  NO RECURSO ESPECIAL.   PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO QUALIFICADO. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS.  DESCONSIDERAÇÃO PARA EFEITOS DE TIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Não há como reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado pelo Estado. Isso porque o objeto do delito -  R$ 12,75 em pecúnia - possui valor ínfimo, tendo, inclusive, sido restituído à vítima o que evidencia a higidez do acórdão recorrido que manteve a sentença absolutória.
2. A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, a existência de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não são óbices, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância.
3. O princípio da insignificância opera diretamente no tipo penal, que na hodierna estrutura funcionalista da teoria do crime, leva em consideração, entre outros, o desvalor da conduta e o desvalor do resultado.
4. Nesse viés, as condições pessoais do possível autor, tais como reincidência, maus antecedentes, comportamento social etc, não são consideradas para definir a tipicidade da conduta. Tais elementos serão aferidos, se caso, quando da fixação da eventual e futura pena.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1305209/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 22/08/2012)
Diante de tais considerações, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso, porém NEGO-LHE provimento, nos termos acima expostos.
É como voto.

Boa Vista, 01 de setembro de 2015.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator



EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO TENTADO - DECISÃO A QUO QUE DEIXOU DE RECEBER A DENÚNCIA COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - BENS DE PEQUENO VALOR QUE FORAM RESTITUÍDOS À VÍTIMA - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). - EXISTÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES EM DESFAVOR DO RECORRIDO - IRRELEVÂNCIA - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE PRESTA A DEFINIR A TIPICIDADE DA CONDUTA, MAS SOMENTE NA EVENTUAL FIXAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma Criminal da Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos e em dissonância com o parecer ministerial, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso.
Estiverem presentes os eminentes Desembargadores Ricardo Oliveira - Presidente/Julgador e Mozarildo Cavalcanti - Julgador. Também presente o ilustre representante do Ministério Público.
Sala das Sessões, TJ-RR, em 01 de setembro de 2015.

DES. MAURO CAMPELLO - Relator



RESUMO ESTRUTURADO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO TENTADO - DECISÃO A QUO QUE DEIXOU DE RECEBER A DENÚNCIA COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - BENS DE PEQUENO VALOR QUE FORAM RESTITUÍDOS À VÍTIMA - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL (MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA, REDUZIDO GRAU DA REPROVABILIDADE, NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA). - EXISTÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES EM DESFAVOR DO RECORRIDO - IRRELEVÂNCIA - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE PRESTA A DEFINIR A TIPICIDADE DA CONDUTA, MAS SOMENTE NA EVENTUAL FIXAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

TJRR (RSE 0000.15.001590-7, Câmara Única, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, julgado em 01/09/2015, DJe: 03/09/2015)