Processo número: 0000.15.001312-6


CÂMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000.15.001312-6 - BOA VISTA/RR
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RECORRIDO: ELDSON ALVES DE SOUSA
DEFENSOR PÚBLICO: DR RONNIE GABRIEL GARCIA
RELATOR:  DES. RICARDO OLIVEIRA



RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito (fls. 42/46), interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA, contra a r. sentença de fl. 39, da lavra do MM. Juiz de Direito da 1.ª Vara Criminal de competência residual da Comarca de Boa Vista, que não recebeu a denúncia por ausência de tipicidade material da conduta.

O recorrente sustenta que a subtração de duas facas Tramontina é fato típico, devendo ser afastado o princípio da insignificância "à vista da habitualidade da conduta criminosa".

Em contrarrazões (fls. 49/53), a defesa requer a manutenção da sentença.

Na fase de retratação (fl. 54), o juízo monocrático manteve a decisão.

Em parecer de fls. 60/62, a douta Procuradoria de Justiça opina pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Designe-se data para julgamento.

Boa Vista, 11 de novembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

O recurso não comporta provimento.

A decisão que não recebeu a denúncia deve ser mantida por atipicidade material da conduta (princípio da insignificância), haja vista que o acusado, em tese, tentou furtar duas facas de cozinha do Supermercado DB, avaliadas em R$ 60,00 (sessenta reais).

Apesar de apresentar vários apontamentos na certidão de antecedentes criminais (fls. 31/37), os processos foram baixados por absolvição e, em alguns casos, pela extinção da punibilidade, tendo apenas uma condenação por receptação (processo n.º 01002032334-0), no regime aberto, cuja pena já foi cumprida.

O STF já consagrou o entendimento de que, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, de forma cumulada, os seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC n.º 114723, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222, DIVULG. 11-11-2014, PUBLIC. 12-11-2014).

Tais requisitos se encontram presentes nos autos, pois, além da inexpressividade econômica, os bens subtraídos foram devolvidos à vítima.

De acordo com o escólio de Damásio de Jesus (2014, p. 16), o princípio da insignificância "ligado aos chamados 'crimes de bagatela' ('ou delitos de lesão mínima'), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material)". Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CONTRA ACÓRDÃO DE APELAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. REINCIDÊNCIA. EMPECILHO. AFASTAMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA EX OFFICIO. (...). 2. Consoante entendimento jurisprudencial, o 'princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público' (HC n.º 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004). 3. No caso, o Paciente subtraiu dinheiro em espécie e um tubo de bala tipo 'halls' avaliados em R$ 7,00, montante que à época dos fatos equivalia a pouco mais de 1,06% do salário mínimo então vigente. 4. Reconhece-se, então, o caráter bagatelar do comportamento imputado, não havendo falar em afetação do bem jurídico tutelado (patrimônio). 5. Não é empecilho à aplicação do princípio da insignificância, no caso concreto, o fato de o Paciente ser reincidente, tendo em vista as circunstâncias particulares que permitem concluir que estão presentes os vetores acima mencionados. 6. Flagrante ilegalidade detectada. 7. Impetração não conhecida, mas concedida a ordem, ex officio, para reconhecer a atipicidade material da conduta e absolver o Paciente da condenação imposta na ação penal n.º 2011.0006883-0, número único 00058411-90.2011.8.16.0014, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Londrina/PR" (STJ, HC 329.439/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 22/09/2015).

ISTO POSTO, em dissonância com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso.
É como voto.

Boa Vista, 17 de novembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator




EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO SIMPLES, NA MODALIDADE TENTADA (ART. 155, CAPUT, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CP) - PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA (R$ 60,00) - DUAS FACAS DE COZINHA - DENÚNCIA NÃO RECEBIDA POR ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA MANTIDO - REINCIDÊNCIA QUE NÃO É EMPECILHO À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO QUANDO PRESENTES OS SEUS REQUISITOS - PRECEDENTES DO STF E DO STJ - RECURSO DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Única - Turma Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em dissonância com o parecer ministerial, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Des. Mauro Campello (Julgador), Des.ª Elaine Bianchi (Julgadora) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 17 de novembro de 2015.

Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator



RESUMO ESTRUTURADORECURSO EM SENTIDO ESTRITO - FURTO SIMPLES, NA MODALIDADE TENTADA (ART. 155, CAPUT, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CP) - PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA (R$ 60,00) - DUAS FACAS DE COZINHA - DENÚNCIA NÃO RECEBIDA POR ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA MANTIDO - REINCIDÊNCIA QUE NÃO É EMPECILHO À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO QUANDO PRESENTES OS SEUS REQUISITOS - PRECEDENTES DO STF E DO STJ - RECURSO DESPROVIDO.
TJRR (RSE 0000.15.001312-6, Câmara Única, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 17/11/2015, DJe: 19/11/2015)