CÂMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL n.º 0010.11.012003-6
Apelante: Renildo Teixeira
Defensoria Pública Estadual
Apelado: Ministério Público Estadual
Relator: Des. Mauro Campello
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública do Estado de Roraima, contra Sentença, fls. 165/168, prolatada pela MM. Juiz Presidente do Egrégio Tribunal do Júri da Comarca de Boa Vista/RR, que, nos autos da ação penal nº 0010.11.012003-6, CONDENOU o apelante, à pena de 16 (dezesseis) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pela prática do crime de tentativa de homicídio qualificado, previstos no art. 121, § 2º, inciso IV, c/c 14, II do Código Penal, em relação as vítimas Edna Aguiar de Oliveira e Daniel Santiago Naranjo.
Em suas razões recursais, fls. 182/197, alega a Defensoria Pública que a decisão do Conselho de Sentença que condenou o apelante é manifestamente contrária às provas dos autos, uma vez que não tentou matar as vítimas, requerendo a reforma da sentença, a fim de que seja desclassificada sua conduta e, alternativamente, pela diminuição da pena no mínimo legal, bem como o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.
Pugna o Ministério Publico, em contrarrazões (202/212), pelo conhecimento do recurso, por serem tempestivos e cabíveis à espécie e, no mérito, pelo seu desprovimento.
A Procuradoria de Justiça, às fls. 215/226, opina pelo conhecimento da apelação interposta e no mérito pelo seu desprovimento, devendo ser mantida a sentença.
É o relatório.
À Douta revisão regimental.
Boa Vista, 11 de novembro de 2015.
V O T O
Positivo é o juízo de admissibilidade, eis que presentes os pressupostos objetivos (previsão legal, adequação, observância das formalidades legais e tempestividade) e subjetivos (legitimidade e interesse para recorrer).
Como visto alhures, pleiteia o apelante a cassação do julgamento, ao argumento de ser a decisão dos Senhores Jurados manifestamente contrária às provas dos autos.
A meu ver, em que pese o esforço da Defesa do ora apelante, com a devida vênia, nenhuma razão lhe assiste, pois o Conselho de Sentença, aderindo a tese da acusação, entendeu que o delito de homicídio somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do réu, afastando, por conseguinte, a tese da desclassificação da conduta.
Extrai-se da Denúncia que no dia 14 de agosto de 2011, por volta das 21h, na Travessa Santa Maria, nº. 41, Bairro Centenário, nesta cidade, o apelante, com vontade de matar, desferiu golpes de arma branca contra as vítimas Edna Aguiar de Oliveira e Daniel Santiago Naranjo, produzindo-lhes lesões que por circunstâncias alheias a sua vontade não causaram a morte das vítimas, já que foram prontamente socorridas e submetidas a tratamento médico.
A materialidade e autoria do delito encontram-se comprovadas através do Auto de prisão em Flagrante (fls. 02/08-apenso), Relatório de Ocorrência Policial (fls. 27-apenso), Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 23/24), bem como pelas provas colhidas durante a instrução criminal.
Os fatos contidos na peça inicial acusatória foram confirmados pela testemunhas ocular dos fatos Ricardo Souza Matos da Silva, que presenciou Renildo golpeando a vítima Edna, nas costas, in verbis:
"...Que Edna já estava no seu quintal para adentrar em sua casa quando Renildo segurou Edna pelos cabelos com uma faca (açogueiro, cabo branco) já suja de sangue; Que, interviu e não deixou que a levasse; Que, de imediato Renildo desferiu um golpe de faca nas costas de Edna; Que, antes que Renildo desferisse um segundo golpe o depoente interviu novamente e empurrou Renildo, tendo este tentado dar a volta no veículo do depoente para alcançar Edna por outro lado..." (fls. 05-apenso)
Sendo assim, ao contrário do alegado, as evidências dos autos apontam para a ocorrência do homicídio tentado, já que não houve da alegada ausência de animus necandi, mas sim o impedimento de prosseguir na execução.
Logo, não se pode afirmar que a tese acolhida pelos Senhores Jurados esteja dissociada da prova dos autos, pois restou provado que o réu iniciou a execução do delito, não consumando o crime por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Restando, pois, incomprovada a alegada desclassificação, não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, já que o Conselho de Sentença apenas optou por uma das teses sustentadas em plenário.
Vale lembrar que, se a decisão tem um mínimo respaldo nas provas existentes nos autos, não pode a Corte Revisora anulá-la, sob pena de negar vigência ao princípio constitucional da soberania do júri popular.
Esse é o entendimento sufragado pela jurisprudência:
"[...] 4. Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas no processo, encontra-se fundamentada pelo contexto probatório existente nos autos. [...]" (REsp 800312/CE, STJ, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 30/05/2008, DJe 30/06/2008).
A cassação do veredicto popular por manifestamente contrário à prova dos autos só é possível quando a decisão for escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do contexto probatório, nunca aquela que opta por uma das versões existentes.
Destarte, dos depoimentos das testemunhas e demais provas presentes nos autos, a conclusão é a de que o apelante agiu com animus necandi, conforme sabiamente decidiu o Júri Popular.
Por tudo que se expôs, ausente prova inequívoca de que o dolo do apelante era apenas o de causar lesões corporais na vítima e, lado outro, havendo contundente substrato fático-probatório a amparar a tese acusatória, não há motivos para alterar o veredicto do Conselho de Sentença.
DA DOSIMETRIA DA PENA:
Pois bem. Antes de adentrar no pleito recursal, é de grande valia citar que no ordenamento jurídico, para aplicação da pena, deve ser seguido o critério trifásico.
A regra é seguida por expressa previsão do artigo 68, do Código Penal que assim dispõe: A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último as causas de diminuição e de aumento.
Portanto, conforme lições de Rogério Sanches, o critério trifásico determina que sobre a pena simples ou qualificada, o juiz encontra a pena definitiva após os três momentos acima expostos.
Desta feita, todo esse procedimento deve ser fundamentado no conteúdo da decisão.
Não se nega o caráter discricionário que permeia o juízo de fixação da pena-base, contudo, trata-se de discricionariedade regrada, cujos elementos de convicção devem emergir dos autos, sob pena de afronta aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e individualização da pena.
Observo que o douto Processante analisou cuidadosamente os requisitos estabelecidos no art. 59 do Código Penal, e diante da presença de 04 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade, conduta social, motivo e circunstâncias do crime) fixou a pena base em 17 (dezessete) anos de reclusão em relação a vítima Edna
Quanto à vitima Daniel, o Magistrado também analisou cuidadosamente todas os requisitos estabelecidos no art. 59 do Código Penal, e reconheceu 04 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade, conduta social, motivo e circunstâncias do crime), fixando a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão.
Em relação às circunstâncias tidas como desfavoráveis, mantenho o entendimento manifestado pelo ilustre magistrado, uma vez que bem fundamentadas e em consonância com as provas carreadas aos autos.
Portanto, não há que se falar em exarcebação do quantum aplicado à pena-base ao passo que o fato da existência de uma circunstância desfavorável, basta para que o Juiz possa iniciar a dosimetria da pena, em grau superior ao mínimo, sem que ocorra agressão ao princípio da Proporcionalidade. Este é o entendimento da jurisprudência pátria, in verbis:
"O Juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro dos limites legais, mas este poder não é arbitrário, porque o caput do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito circunstâncias judiciais que devem orientar a individualização da pena-base, de sorte que, quando todos os critérios são favoráveis ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto, basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais possa ficar no patamar mínimo". (HC 76.196-GO, 2ª T., rel. Maurício Correa, 29.09.1998, RTJ 176/743)
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. VIABILIDADE. 1. A pretensão absolutória, por demandar inevitável incursão no conjunto fático-probatório, não se mostra compatível com a via estreita do habeas corpus. 2. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis - culpabilidade, antecedentes e consequências do crime - autoriza a fixação da pena-base acima do patamar mínimo e o estabelecimento de regime prisional mais severo. 3. Ordem denegada. (STJ -HC 69.527/MS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2011, DJe 23/05/2011).
Quanto ao pedido de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, melhor sorte não lhe assiste.
Conquanto o réu tenha admitido a prática do delito, não o fez em todas as circunstâncias, pois confessou que desferiu o golpe de arma "branca" contra as vítimas, mas não admitiu a prática do delito por completo, tendo alegado que agiu amparado na excludente de ilicitude da legítima defesa, o que impede a redução da pena.
Sobre o assunto, vale citar o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS : CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA PENA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. TESE DA EXCLUSÃO DE ILICITUDE. CONFISSÃO QUALIFICADA. DECISÃO PLENAMENTE FUNDAMENTADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS EXTINTA POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal (Precedentes: HC 74.148/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 17/12/1996 e HC 103.172/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 24/09/2013).
2. In casu: a) O paciente foi condenado à pena de 16 (dezesseis) anos de reclusão em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e utilizando recurso que impossibilitou a defesa da vítima, em razão de ter efetuado disparos de arma de fogo contra a vítima, provocando-lhe lesões que deram causa à sua morte. b) Conforme destacou a Procuradoria Geral da República, "consoante se depreende da sentença condenatória, a atenuante da confissão não foi reconhecida porque 'o réu admitiu a autoria apenas para trazer sua tese de exclusão de ilicitude'. Por sua vez, o Tribunal de Justiça ressaltou que 'não houve (...) iniciativa do apelante em confessar o delito', sendo assim, não há como falar em constrangimento ilegal manifesto.
3. A aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal não incide quando o agente reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude.
4. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso i, alíneas d e i, da Constituição Federal, sendo certo que a presente impetração não está arrolada em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. Inexiste, no caso, excepcionalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem.
5. Ordem extinta por inadequação da via processual.
(STF - HC: 119671 SP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 05/11/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-237 DIVULG 02-12-2013 PUBLIC 03-12-2013)
Segundo a lição de Fernando Capez, dissertando sobre o que a doutrina denomina como confissão qualificada, "ela não atenua a pena, já que, neste caso, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação da autoria, tampouco concordando com a pretensão acusatória, mas agindo no exercício do direito de autodefesa" (Curso de Direito Penal, vol. 1, Saraiva, 2000, p. 415).
Portanto, a aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, d, do Código Penal não incide quando o agente reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude.
No caso em epígrafe, portanto, a Juiz a quo agiu em conformidade com o previsto na Legislação, tornando-se infundado, assim, o pedido de redução da pena aplicada, uma vez que foram bem sopesados pelo Sentenciante individual todos os requisitos estabelecidos nos arts. 68 e 59 do Código Penal.
Posto isso, em consonância com a douta Procuradoria de Justiça, conheço do presente recurso, e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a r. sentença condenatória em sua integralidade.
Boa Vista/RR, 24 de novembro de 2015.
Des. Mauro Campello - Relator
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - JÚRI - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA LESÕES CORPORAIS - NÃO OCORRÊNCIA - ANIMUS NECANDI EVIDENCIADO - OPÇÃO POR UMA DAS TESES APRESENTADAS EM PLENÁRIO - TESE ACUSATÓRIA QUE SE CORROBORA COM AS PROVAS COLHIDAS NOS AUTOS - OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS -- DOSIMETRIA DA PENA - PRETENSA DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE - IMPOSSIBILIDADE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS BEM ANALISADAS E FUNDAMENTADAS - PENA ESTABELECIDA NO MANTO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - IMPOSSIBILIDADE - CONFISSÃO QUALIFICADA - PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACORDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Câmara Única, Turma Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, e em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGAR provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Estiveram presentes os eminentes Desembargadores Leonardo Cupello e Elaine Bianchi. Também presente o ilustre representante da Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 24 de novembro de 2015.
Des. Mauro Campello - Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - JÚRI - DECISÃO
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA
LESÕES CORPORAIS - NÃO OCORRÊNCIA - ANIMUS NECANDI EVIDENCIADO - OPÇÃO
POR UMA DAS TESES APRESENTADAS EM PLENÁRIO - TESE ACUSATÓRIA QUE SE
CORROBORA COM AS PROVAS COLHIDAS NOS AUTOS - OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA
SOBERANIA DOS VEREDICTOS -- DOSIMETRIA DA PENA - PRETENSA DIMINUIÇÃO DA
PENA-BASE - IMPOSSIBILIDADE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS BEM ANALISADAS E
FUNDAMENTADAS - PENA ESTABELECIDA NO MANTO DA PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE - RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA -
IMPOSSIBILIDADE - CONFISSÃO QUALIFICADA - PRECEDENTES DESTA CORTE E DO
STF - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
TJRR (ACr 0010.11.012003-6, Câmara Única, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, julgado em 24/11/2015, DJe: 28/11/2015)