CÂMARA ÚNICA - TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010.15.822670-3 - BOA VISTA/RR
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
PROCURADORA DO ESTADO: DRA. REBECA TEIXEIRA RAMAGEM RODRIGUES
APELADO: JOSÉ BRAGA FIGUEREDO
ADVOGADOS: DRA. CRISTIANE MOURAO PEREIRA E OUTRO
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta pelo Estado de Roraima contra sentença proferida pelo Juiz da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Boa Vista, que determinou a concessão do medicamento ABIRATERONA 250mg, pelo tempo necessário ao tratamento de saúde do apelado José Braga de Figueiredo.
Afirma o apelante, preliminarmente, que a responsabilidade para o fornecimento da medicação deveria recair sobre a União, pois o fármaco solicitado está inserido nos parâmetros estabelecidos pela Portaria n.º 2981/2009 - MS, sendo, portanto, parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda.
No mérito, argumenta que não está obrigado a fornecer medicamento em questão, uma vez que esse não consta na lista oficial elaborada pelo SUS.
Aduz, ainda, que a multa cominada pelo não cumprimento da decisão é excessiva e fere os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Ao final, requer o conhecimento e provimento do apelo, para reconhecer a inexistência do dever do Estado em fornecer o medicamento ou, se diverso o entendimento, pela redução do valor das astreintes fixadas.
Em contrarrazões, o apelado rebate os argumentos recursais e pugna pelo desprovimento do apelo.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Encaminhe-se o feito à revisão regimental.
Boa Vista (RR), 23 de novembro de 2015.
Des. Ricardo Oliveira
Relator
VOTO
Presentes os pressupostos processuais, conheço do recurso.
Em primeiro lugar, cumpre-nos afastar a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado.
O art. 196 da Constituição Federal estabelece o direito à saúde como um direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, ou seja, co-obrigando União, Estados e Municípios.
Desse modo, qualquer desses entes públicos são legítimos para figurar no polo passivo das demandas cuja pretensão é a garantia de direito à saúde, podendo a ação ser proposta contra qualquer um deles.
Nesse sentido:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ANÁLISE DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 535 NÃO VIOLADO. MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERADOS. SÚMULA 83/STJ. NECESSIDADE DO FÁRMACO. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL QUE APRESENTA ARGUMENTO NÃO VEICULADO NO RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1. Em recurso especial não cabe invocar violação a norma constitucional, razão pela qual o apelo não pode ser conhecido relativamente à apontada ofensa ao art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF.
2. O Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. Precedentes.
5. Quanto à necessidade do fármaco, observa-se que nesse ponto a fundamentação do acórdão local é predominantemente constitucional (direito à vida e à saúde) e, ainda, que o afastamento das conclusões adotadas pela Corte de origem, acerca da imprescindibilidade do medicamento, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
6. Não se mostra possível discutir em agravo regimental matéria que não foi objeto das razões do recurso especial por se tratar de inovação recursal.
7. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ - AgRg no REsp 1547466/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 07/10/2015)
Desse modo, não há que se falar em ilegitimidade do apelante para figurar no polo passivo da ação, razão pela qual, rejeito a preliminar.
Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste ao apelante.
O apelado faz tratamento de câncer de próstata metastático - estágio IV e, em virtude da idade avançada e problemas renais, não lhe é recomendado outras sessões de quimioterapia além das que já realizou, conforme laudo médico acostado aos autos. Em razão disso, o médico oncologista optou pela única linha de tratamento possível, qual seja, o uso do medicamento em questão.
A obrigação do Estado em fornecer medicamentos aos cidadãos, encontra respaldo na Constituição da República, não podendo tal obrigação ficar limitada aos medicamentos constantes na lista elaborada pelo Ministério da Saúde. Isso porque o direito constitucionalmente protegido não pode se submeter aos parâmetros administrativos de qualquer dos entes públicos, sob pena de se negar o direito à própria vida do paciente.
Nessa esteira a jurisprudência vem entendendo que, ainda que o fármaco não conste na lista do SUS, o Poder Público tem o dever de fornecê-lo ao paciente. Vejamos:
"APELAÇÃO CIVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS. A AUSÊNCIA DE MEDICAMENTOS NA LISTA DO SUS NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO AO FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO. SUBSTITUIÇÃO DE MEDICAMENTOS. IMPOSSOBILIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PRINCÍPIO ATIVO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (Apelação Cível Nº 70052624954, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Julgado em 29/05/2013)"
(TJ-RS - AC: 70052624954 RS , Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Data de Julgamento: 29/05/2013, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/06/2013)
"RECURSO DE APELAÇÃO - REEXAME NECESSÁRIO - CONSTITUCIONAL - SAÚDE - AÇÃO COMINATÓRIA - MEDICAMENTO - PEDIDO CONSISTENTE EM MEDIDA PROTETIVA À SAÚDE - DIREITO FUNDAMENTAL CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO POR NORMA DE EFICÁCIA IMEDIATA VV.
RECURSO DE APELAÇÃO - REEXAME NECESSÁRIO - CONSTITUCIONAL - SAÚDE - AÇÃO COMINATÓRIA - MEDICAMENTO - PEDIDO CONSISTENTE EM MEDIDA PROTETIVA À SAÚDE - DIREITO FUNDAMENTAL CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO POR NORMA DE EFICÁCIA IMEDIATA. V.V. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - MÉRITO - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - PACIENTE PORTADOR DE INSUFICIÊNCIA VASCULAR E OBSTRUÇÃO ARTERIAL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCLUÍDO NA LISTA DO SUS - TRATAMENTO FORNECIDO PELO ESTADO - PROVA DE SUA INEFICÁCIA BEM COMO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO EXCEPCIONAL SOLICITADO - AUSÊNCIA - SENTENÇA REFORMADA. Verificando-se que as razões recursais foram suficientemente apresentadas, com efetiva impugnação dos fundamentos da sentença, deve ser rejeitada a preliminar de inobservância ao princípio da dialeticidade. "O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente" (STF - RE 855.178/SE). O fato de o medicamento não constar do rol de fármacos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde não afasta a obrigação do fornecimento do medicamento, pois o direito fundamental de acesso à saúde deve ser preservado. Inexistindo prova de que o paciente se submeteu às alternativas terapêuticas garantidas pelo SUS, sem êxito no tratamento, bem como de que o fármaco solicitado trará significativa melhora em seu quadro de saúde, não deve ser acolhida a pretensão de fornecimento de "combodart", "cilostazol" e "xarelto" para controle e tratamento d e doença relacionada ao sistema circulatório." (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0388.14.001796-2/001, Relator(a): Des.(a) Yeda Athias , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Audebert Delage , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/11/2015, publicação da súmula em 18/11/2015)
No que concerne a multa aplicada, qual seja, R$ 1.000,00 por dia de atraso no cumprimento da obrigação, essa encontra autorização no § 4.º do art. 461 do Código de Processo Civil, que possibilita a imposição de multa diária para compeli-lo à prática de sua obrigação, não se mostrando excessiva no presente caso.
ISSO POSTO, nego provimento ao apelo.
É como voto.
Boa Vista (RR), 10 de dezembro de 2015.
Des. Ricardo Oliveira
Relator
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO - REJEITADA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS - FÁRMACO NÃO CONSTANTE NA LISTA DO SUS - IRRELEVÂNCIA - DIREITO À SAÚDE - ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - MULTA CABÍVEL E RAZOÁVEL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam, por unanimidade de votos, os Desembargadores integrantes da Câmara Única, por sua Turma Cível, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Presenças; Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Juiz Convocado Jefferson Fernandes (Revisor) e Juíza Convocada Lana Leitão Martins (Julgadora).
Boa Vista (RR), 10 de dezembro de 2015.
Des. Ricardo Oliveira
Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CÍVEL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE EM
TRATAMENTO DE CÂNCER - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO -
REJEITADA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS -
FÁRMACO NÃO CONSTANTE NA LISTA DO SUS - IRRELEVÂNCIA - DIREITO À SAÚDE -
ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - MULTA CABÍVEL E RAZOÁVEL - SENTENÇA
MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
TJRR (AC 0010.15.822670-3, Câmara Única, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 10/12/2015, DJe: 15/02/2016)