Processo número: 0000.15.001834-9


TRIBUNAL PLENO

MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0000.15.001834-9.
Impetrante: Aurelino Henrique de Oliveira, representado por sua procuradora Maria Gorete Barros de Oliveira.
Defensora Pública: Teresinha Lopes da Silva Azevedo.
Impetrado: Secretário de Saúde do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Maria de Lourdes Duarte Fernandes.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.



RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por AURELINO HENRIQUE DE OLIVEIRA,  representado por sua procuradora MARIA GORETE BARROS DE OLIVEIRA, contra o SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RORAIMA, em virtude de negativa de fornecimento de fármaco imprescindível ao seu tratamento médico.

O impetrante alega que foi diagnosticado com Mieloma Múltiplo (CID C90.9), do tipo IgG, com lesões ósseas difusas, anemia e cálcio alto, desde novembro de 2012.

Sustenta que, naquela época, recebeu a primeira linha de tratamento, conforme protocolo da Sociedade Brasileira de Hematologia, com uso de Dexametasona, Talidomida e Ciclofosfamida, por seis ciclos.

Aduz que, no entanto, não houve resposta clínica satisfatória, com persistência da enfermidade, sendo imprescindível a manutenção do tratamento de segunda linha para o controle da doença, uma vez que, pela sua idade, não pode submeter-se a transplante de medula óssea.

Dessa forma, necessita do medicamento BORTEZOMIBE 3,5mg (Velcade), fabricado pelo laboratório JANSSEN-CILAG, para complementar a proposta terapêutica de 16 (dezesseis) ciclos, e tendo em vista o elevado valor da medicação, tentou obtê-la através da DADMED (farmácia do governo), tendo sido informado, entretanto, que não há disponibilidade do referido medicamento, nem previsão para sua chegada.

Requer, assim, o deferimento de liminar, para que a autoridade coatora forneça o medicamento BORTEZOMIBE 3,5mg (Velcade), enquanto perdurar o tratamento, ou sucessivamente, disponibilize a quantia necessária para a compra do fármaco.

Juntou documentos, às fls. 13/18.

O pedido de liminar foi deferido, às fls. 20/21-v.

O impetrado prestou informações, às fls. 30/32.

O Estado de Roraima apresentou defesa, às fls. 33/47,  alegando as preliminares de inadequação da via eleita e de necessidade de chamamento ao processo de todos os devedores solidários. No mérito, requer a denegação da segurança.

Em parecer de fls. 51/57, o Ministério Público de 2.º grau opina pela rejeição das preliminares, e, no mérito, pela concessão da ordem.

Em petição de fl. 59, o impetrante noticiou o descumprimento da liminar.

À fl. 61/61-v, determinei o bloqueio on line na conta do Estado de Roraima, do valor de R$ 36.300,40 (trinta e seis mil, trezentos reais e quarenta centavos), para a compra de  BORTEZOMIBE 3,5mg (Velcade), fabricado pelo laboratório JANSSEN-CILAG, para complementar a proposta terapêutica de 16 (dezesseis) ciclos. O Alvará de Levantamento de Valores foi entregue à representante legal do impetrante em 09/10/2015, conforme certidão de fl. 69-v.

Às fls. 74/81, foi juntada a prestação de contas, demonstrando a compra do medicamento e o depósito, na conta do Estado de Roraima, do valor excedente, no total de R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais).

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias e distribuídas aos demais Pares.

Designe-se data para julgamento.

Boa Vista, 06 de abril de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

1. Preliminares:

a) Inadequação da via eleita, por necessidade de dilação probatória:

O Estado de Roraima assevera que a questão deduzida em juízo é complexa e necessita de dilação probatória, afastando a possibilidade de utilização do writ.

Todavia, não merece acolhida tal preliminar, pois as assertivas do impetrante acerca da necessidade dos medicamentos foram comprovadas de plano, tendo sido colacionada prova documental suficiente sobre os fatos articulados na inicial, sem necessidade de dilação probatória (fls. 16/17).

Assim, rejeito a preliminar.


b) Necessidade de chamamento ao processo de todos os devedores solidários:

Tal preliminar também deve ser afastada, visto que, de acordo com a jurisprudência pacífica do STJ, "União, Estados e Municípios respondem solidariamente pela obrigação de fornecer medicamentos, não havendo a necessidade de chamamento ao processo dos entes que não figuram no polo passivo da lide" (AgRg no AREsp 305.618/PI, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 8/5/2015).

Portanto, rechaço a preliminar.

2. Mérito:

Incialmente, aprovo a prestação de contas de fls. 74/81.

A segurança deve ser concedida.

Com efeito, o direito à saúde está assegurado com absoluta prioridade, a teor do art. 196 da CF:

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

In casu, restou patente o direito líquido e certo do impetrante, pois se observa dos documentos juntados aos autos que o medicamento, prescrito por médico do próprio governo estadual, é indispensável ao tratamento, tendo em vista que a primeira linha de tratamento não proporcionou resposta clínica e laboratorial satisfatória, conforme esclarece o laudo médico de fl. 16.

Portanto, é dever do Estado disponibilizar a medicação requerida pelo autor, o qual tem o direito ao tratamento mais adequado e eficaz, capaz de lhe ofertar maior dignidade e menor sofrimento.

Nesse sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.
1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não 'qualquer tratamento', mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.
2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.(...)
8.    Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento" (STJ, RMS 24.197/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 24/08/2010).

Por outro lado, cumpre advertir que "a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade". (STJ, REsp 811.608/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 314).

Por fim, vale ressaltar que, no caso vertente, não se está exigindo que o Estado atue movido pelo "sentimento de solidariedade" ou tampouco que viole as regras do procedimento licitatório, mas apenas que cumpra uma de suas obrigações constitucionalmente determinadas, qual seja, a de garantir o tratamento médico mais adequado, a fim de recuperar a saúde do impetrante.

ISTO POSTO, em harmonia com o parecer ministerial, concedo a segurança, para determinar o fornecimento gratuito da medicação BORTEZOMIBE 3,5mg (Velcade), fabricado pelo laboratório JANSSEN-CILAG, enquanto perdurar o tratamento do impetrante, confirmando a liminar.

Sem custas e honorários (Súmula 105/STJ).

É como voto.

Boa Vista, 20 de abril de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO À SAÚDE - ART. 196 DA CF -  PRELIMINARES DE
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E DE NECESSIDADE DE CHAMAMENTO AO PROCESSO DE TODOS OS DEVEDORES SOLIDÁRIOS - REJEIÇÃO - MÉRITO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO COMPROVADAMENTE INDISPENSÁVEL - DEVER DO ESTADO DE DISPONIBILIZAR O FÁRMACO QUE PROPICIE AO PACIENTE TRATAMENTO MAIS ADEQUADO E EFICAZ - CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL - INAPLICABILIDADE - SEGURANÇA CONCEDIDA - LIMINAR CONFIRMADA - PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADA.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Pleno do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em harmonia com o parecer ministerial, em rejeitar as preliminares, e, no mérito, em conceder a segurança, confirmando a liminar, bem como aprovar a prestação de contas, nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Almiro Padilha (Presidente), Des. Ricardo Oliveira (Relator), Des. Mauro Campello (Julgador), Des.ª Tânia Vasconcelos Dias (Julgadora), Des.ª Elaine Bianchi (Julgadora), Des. Jefferson Fernandes (Julgador), e o representante da douta Procuradoria-Geral de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 20 de abril de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO À SAÚDE - ART. 196 DA CF -  PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E DE NECESSIDADE DE CHAMAMENTO AO PROCESSO DE TODOS OS DEVEDORES SOLIDÁRIOS - REJEIÇÃO - MÉRITO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO COMPROVADAMENTE INDISPENSÁVEL - DEVER DO ESTADO DE DISPONIBILIZAR O FÁRMACO QUE PROPICIE AO PACIENTE TRATAMENTO MAIS ADEQUADO E EFICAZ - CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL - INAPLICABILIDADE - SEGURANÇA CONCEDIDA - LIMINAR CONFIRMADA - PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADA.

TJRR (MS 0000.15.001834-9, Tribunal Pleno, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 20/04/2016, DJe: 25/04/2016)