CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0047.14.000707-2
Apelante: José Valdecir Rocha
Apelado: Ministério Público de Roraima
Defensora Pública: Ana Elize Fenoll Amaral
Relator: Des. Leonardo Cupello
RELATÓRIO
Tratam os autos de Apelação Criminal interposta por José Valdecir Rocha em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara única da Comarca de Rorainópolis, que o condenou a uma pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pelo crime do artigo 155, caput, do CP.
Inconformado, o apelante aduz que não há provas para a condenação, que ao caso em análise deve ser aplicado o princípio da insignificância, aduz que a fixação da pena deve se dar em regime aberto em razão do quantum aplicado.
Ao final, requer a absolvição por ausência de provas, alternativamente, a aplicação do princípio da insignificância com reconhecimento da atipicidade da conduta, ou a fixação de regime aberto (fls. 106/113).
Contrarrazões às fls. 116/118, pelo desprovimento do recurso.
A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do presente apelo (fls. 123/125).
Os autos vieram-me conclusos.
É o relatório.
À douta Revisão regimental.
Boa Vista (RR), 15 de abril de 2016.
Des. Leonardo Pache de Faria Cupello
Relator
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso.
Tratam os autos de Apelação Criminal interposta por José Valdecir Rocha em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara única da Comarca de Rorainópolis, que o condenou a uma pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pelo crime do artigo 155, caput, do CP.
Inconformado, o apelante aduz que não há provas para a condenação, que ao caso em análise deve ser aplicado o princípio da insignificância, aduz que a fixação da pena deve se dar em regime aberto em razão do quantum aplicado.
Ao final, requer a absolvição por ausência de provas, alternativamente a aplicação do princípio da insignificância com reconhecimento da atipicidade da conduta, ou a fixação de regime aberto.
Por questão de ordem, passo a analisar o pleito na parte que alega ausência de provas para a condenação.
Pois bem, entendo que não assiste razão ao apelante.
A materialidade restou devidamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante, bem como pelas declarações da vítima e depoimento das testemunhas, o mesmo pode se dizer em relação à autoria, Senão vejamos:
A vítima Valdemar Ribeiro Silva afirmou em juízo que:
(...) em se estabelecimento comercial vende carne, carvão, e demais gêneros alimentícios e que lá funciona, em anexo, uma lanchonete tocada pela sua esposa; esclareceu que o queijo furtado era para a confecção dos lanches, para fazer e vender os produtos alimentícios, afirmou ainda, que foi chamado quando a Polícia Militar já havia detido o réu e que o comerciante Edilson Lima havia comprado o queijo das mãos do réu, esclareceu que a peça de queijo furtada valia em torno de R$ 70,00 (setenta reais) e a peça de carne aproximadamente R$ 70,00 (setenta reais).
A testemunha Cleton Ramos de Souza (Policial Militar) affirmou em juízo que:
(...) que o acusado admitiu a prática do furto, querendo justificar que subtraiu as coisas porque estava desempregado, que era para se alimentar; que no dia 07, dias antes do crime o acusado havia sido detido e encaminhado à Delegacia de Polícia por crime semelhante.
A testemunha Felipe Jonas da Costa (Policial Militar) esclareceu em juízo que:
(...) que o réu se encontrava nas proximidades do comércio de Edilson Lima, sendo esclarecido que era o réu José Valdecir quem ofertava o queijo, sendo o bem encontrado, reconhecido e devolvido ao proprietário.
Assim, não merece prosperar a alegação de ausência de provas para a condenação, eis que devidamente comprovadas autoria e materialidade em relação ao crime praticado pelo apelante.
Da alegação de atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância.
Sustenta o apelante que a conduta por ele praticada é atípica porque, ao presente caso, deve ser aplicado o princípio da insignificância em razão do pequeno valor da coisa furtada.
Com efeito, o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, e sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena.
Contudo, para a configuração do delito de bagatela, conforme tem entendido o Supremo Tribunal Federal, exige-se a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. Sua pertinência deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. O valor da res furtiva, de fato, não pode ser o único parâmetro a ser avaliado, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade.
Neste sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. TENTATIVA DE FURTO. ART. 155, CAPUT, C/C ART. 14, II, DO CP). REINCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. FURTO FAMÉLICO. ESTADO DE NECESSIDADE X INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SITUAÇÃO DE NECESSIDADE PRESUMIDA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. HABEAS CORPUS EXTINTO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de se evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais.
3. O valor da res furtiva não pode ser o único parâmetro a ser avaliado, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade.
(...)
(STF, HC 119672/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Julgamento: 06/05/2014, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe-106 de 03/06/2014).
No presente caso, não obstante a pequena expressividade econômica da lesão provocada, a conduta reveste-se de ofensividade penal e periculosidade social, revelando-se altamente reprovável.
Conforme se depreende da FAC de fls. 95/96 o apelante apresenta conduta reprovável, e conforme comprovado através da testemunha Cleton Ramos em juízo, o réu é contumaz na prática de delitos dessa natureza, o que torna sua conduta, analisada em todo o seu contexto, penalmente relevante.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CABIMENTO. REINCIDÊNCIA. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. 1. A reincidência do acusado, assim como as ações penais em curso, pode ser utilizada para aferir a contumácia criminosa e afastar a incidência do princípio da insignificância. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. A versão acusatória do fato e as teses de Defesa deverão ser analisadas pelo órgão julgador após a instrução penal, ao final da qual o juiz terá melhores condições para avaliar a conduta do réu, não havendo falar em absolvição sumária. 3. Recurso provido. (TJ-DF - APR: 20130410107809 DF 0010522-54.2013.8.07.0004, Relator: SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, Data de Julgamento: 29/01/2015, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 04/02/2015 . Pág.: 172).
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PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. CRIME DE FURTO SIMPLES. AGENTE REINCIDENTE ESPECÍFICO, CONTUMAZ NA PRÁTICA DE DELITOS PATRIMONIAIS. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DOSIMETRIA. ILEGALIDADE OU DESPROPORCIONALIDADE NÃO CONSTATADA. REGIME FECHADO. REINCIDENTE. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. PROPORCIONALIDADE. FIXADO REGIME SEMI-ABERTO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. A incidência do princípio da insignificância é admitida pelo Supremo Tribunal Federal desde que presentes quatro vetores, os quais vêm sendo igualmente exigidos por esta Corte: a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. O furto de uma bicicleta, avaliada em R$ 70,00 (setenta reais), por agente reincidente específico, com diversas anotações em sua folha de antecedentes criminais, não pode ser admitido como conduta insignificante. 5. Não apresenta a dosimetria das penas ilegalidade ou desproporcionalidade a ser sanada. 6. Inobstante a reincidência e maus antecedentes, sendo a pena definitiva inferior a quatro anos e considerando a menor gravidade concreta do fato criminoso, desproporcional é a fixação de regime prisional mais gravoso. 7. Habeas corpus não conhecido, mas concedida de ofício a ordem para estabelecer ao paciente o regime inicial semi-aberto. (STJ - HC: 294717 MS 2014/0114476-0, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 04/09/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/10/2014).
Dessa forma, concluo pela não aplicação do princípio da insignificância ao presente caso.
Do pleito que busca o cumprimento da pena no regime aberto.
No presente caso o apelante foi condenado a uma pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão a ser cumprida em regime semiaberto.
Com efeito, estabelece o Código Penal no seu artigo 33 e parágrafos:
Art. 33 - (...)
§1º - (...)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) (...)
b) (...)
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Assim, em que pese o fato de o apelante ter sido condenado a 01 (um) ano e 06 (seis) meses, verifica-se que é reincidente, não fazendo jus ao regime aberto.
Dessa forma, correta a decisão do magistrado ao determinar o início de cumprimento de pena no regime semiaberto.
Posto isso, em consonância com o parecer do Ministério Público graduado, conheço do recurso e nego provimento mantendo a sentença em todos os seus termos.
É como voto.
Boa Vista (RR), 03 de maio de 2016.
Des. Leonardo Pache de Faria Cupello
Relator -
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 155, CAPUT DO CPB. PLEITO QUE BUSCA ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL OU BAGATELA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. AGENTE CONTUMAZ NA PRÁTICA DE DELITOS. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. INÍCIO DE CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU REINCIDENTE. RECURSO DESPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO.
1. Para a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido o Supremo Tribunal Federal, exige-se a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva.
2. No caso dos autos, não obstante a pequena expressividade econômica da lesão provocada, a conduta reveste-se de ofensividade penal e periculosidade social, revelando-se altamente reprovável.
3. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Criminal nº 0047.14.000707-2 acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Criminal da colenda Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, e em consonância com o parecer ministerial, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.
Participaram do julgamento o Desembargador Ricardo Oliveira (Presidente), Des. Mauro Campello (julgador) e o (a) representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala de Sessões do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos três dias do mês de maio do ano de dois mil e dezesseis.
Des. Leonardo Pache de Faria Cupello
Relator -
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL. ART. 155, CAPUT DO CPB. PLEITO QUE BUSCA ABSOLVIÇÃO
POR FALTA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE
DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, DECLARAÇÕES DA
VÍTIMA E DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL
OU BAGATELA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. AGENTE CONTUMAZ NA
PRÁTICA DE DELITOS. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. INÍCIO DE
CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU REINCIDENTE.
RECURSO DESPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
GRADUADO.1. Para a configuração do delito de bagatela, conforme têm
entendido o Supremo Tribunal Federal, exige-se a satisfação, de forma
concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente
ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau
de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva.2.
No caso dos autos, não obstante a pequena expressividade econômica da
lesão provocada, a conduta reveste-se de ofensividade penal e
periculosidade social, revelando-se altamente reprovável.3. Recurso desprovido.
TJRR (ACr 0047.14.000707-2, Câmara Cível, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, julgado em 03/05/2016, DJe: 06/05/2016)