CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010.13.004121-2 - BOA VISTA/RR
APELANTE: FRANCISCO GOMES ANDRADE
DEFENSOR PÚBLICO: DR. JOSÉ ROCELITON VITO JOCA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: JUIZ CONVOCADO ERICK LINHARES
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal, interposta por FRANCISCO GOMES ANDRADE (fl. 102), contra a r. sentença de fls. 95/98, da lavra da MM.ª Juíza de Direito do 1.º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, que o condenou a 10 (dez) meses de detenção, em regime inicialmente aberto, pela prática do crime previsto no art. 129, § 9.º, do CP, c/c o art. 7.º, I, da Lei n.º 11.340/06.
Nos termos do art. 77 e art. 78, § 1.º, ambos do CP, foi concedido ao acusado o benefício da suspensão da pena, pelo período de 02 (dois) anos, sob a condição de limitação de final de semana.
O apelante, em suas razões (fls. 111/119), alega que agiu em legítima defesa, pugnando por absolvição. Sucessivamente, requer o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, bem como a aplicação da causa de diminuição de pena constante do art. 129, § 4.º, do CP.
Em contrarrazões (fls. 122/146), o apelado defende a manutenção da sentença.
Em parecer de fls. 149/153, opina o Ministério Público de 2.° grau pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Feito que independe de revisão (art. 178, parágrafo único, do RITJRR).
Designe-se data para julgamento.
Boa Vista, 10 de outubro de 2016.
Juiz Convocado ERICK LINHARES
Relator
VOTO
Não merece provimento o recurso.
Consta dos autos que, no dia 12/11/2012, por volta das 18:00h, na residência situada à Rua Moacir da Silva Mota, n.º 2828, bairro Tancredo Neves, nesta cidade, o apelante agrediu sua ex-companheira, R. H. D. S.
Dessume-se que, no dia do ocorrido, o apelante foi à casa onde estava R. para visitar o filho. Lá chegando, FRANCISCO se desentendeu com R., se descontrolou e a agrediu com um soco na boca, de tamanha intensidade que a fez desmaiar, além de produzir as lesões descritas à fl. 21 do IP 05/2013, em apenso.
Pretende o apelante, primeiramente, a absolvição, alegando que agiu em legítima defesa.
Não lhe assiste razão.
Para o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, faz-se necessário identificar os requisitos da norma permissiva, quais sejam: uso moderado dos meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente (art. 25 do CP).
Compulsando detidamente os autos, verifica-se que tais requisitos não estão presentes.
Sem ser preciso reiterar o exame probatório, já feito com minudência e louvável cuidado na r. sentença, basta frisar que a vítima, em sinceras e coerentes declarações, prestadas em juízo, narrou que foi agredida pelo ex-companheiro, durante uma discussão, conforme se extrai do seguinte excerto:
"... que o denunciado disse que a irmã da vítima tem um namorado e quando fica com o tal oferece a vítima para ele também; que a vítima disse ao denunciado que eles estavam separados e ela sendo solteira poderia ficar com quem quisesse, pois ele deveria cuidar da família dele; que falou firme com o denunciado e foi quando ele a agrediu, desferindo-lhe um soco em seu rosto que estourou o nariz e a boca da mesma; que a vítima desmaiou quando levou o soco; que foi socorrida por sua irmã e por sua vizinha, mas ainda ficou tonta (...) (fl. 38 e CD anexo).
Em sintonia com tais declarações estão os depoimentos de ZENAYDE HONORATA DA SILVA e MARLENA MARA DE MOURA SILVA, as quais presenciaram os fatos (fls. 39, 41 e CD anexo).
Vê-se, assim, que não houve injusta agressão da vítima a justificar a atitude tão violenta do apelante.
De outra banda, notória a desproporção havida entre a troca de ofensas verbais e agressão física experimentada pela vítima e descrita no laudo pericial de fl. 21 do IP 05/2013, em apenso. Portanto, ainda que o apelante tenha pretendido repelir eventual agressão injusta (o que não restou demonstrado nos autos), poderia escolher meios menos gravosos.
Tem-se como caracterizado, pois, o crime de lesão corporal, na medida em que o apelante investiu contra a vítima, não restando demonstrado o uso dos meios moderados para reprimir eventual agressão injusta. Destarte, não se cuida de legítima defesa, porquanto ausentes os requisitos do art. 25 do CP.
Nesse sentido:
"APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. LEGÍTIMA DEFESA. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. AGRAVANTE. REINCIDÊNCIA. CRIME PRATICADO CONTRA MULHER GRÁVIDA. PREVISTA NO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA 'F'. APLICAÇÃO. INVIABILIDADE. BIS IN IDEM. AFASTAMENTO.
1. Nas infrações penais praticadas no âmbito familiar e doméstico a palavra da vítima reveste-se de especial credibilidade, mormente se ratificada por outros elementos de prova.
2. Inviável o acolhimento da excludente da legítima defesa, quando a prova obtida, aliada à dinâmica dos fatos, deixa claro que as lesões suportadas pela vítima se verificaram após discussão estabelecida com o companheiro, em um contexto em que ele buscou ofender a integridade física dela e não propriamente valer-se moderadamente dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente.
3. O aumento relativo às agravantes deve ser razoável e proporcional, além de estar balizado pelos princípios de aplicação da pena e de sua finalidade.
4. É inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito se o crime foi cometido com violência.
5. Recurso conhecido e parcialmente provido." (TJDFT. Acórdão n.º 965111 <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao&controladorId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.ControladorBuscaAcordao&visaoAnterior=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao&nomeDaPagina=resultado&comando=abrirDadosDoAcordao&enderecoDoServlet=sistj&historicoDePaginas=buscaLivre&quantidadeDeRegistros=20&baseSelecionada=BASE_ACORDAOS&numeroDaUltimaPagina=1&buscaIndexada=1&mostrarPaginaSelecaoTipoResultado=false&totalHits=1&internet=1&numeroDoDocumento=965111>, 20150110631888APR, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR 3ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 08/09/2016, Publicado no DJE: 14/09/2016. Pág.: 232/246).
Por outro lado, também não merece acolhida o pleito de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.
O entendimento do STJ é no sentido de que a confissão qualificada, isto é, aquela na qual o agente reconhece a prática de uma conduta criminosa, porém, agrega teses excludentes da ilicitude ou de culpabilidade (no caso vertente, a legítima defesa) enseja a aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP.
Nesse sentido: AgRg no REsp 1336976/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03/03/2015, DJe 12/03/2015; AgRg no REsp 1416247/GO, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 06/05/2014, DJe 15/05/2014.
Contudo, para que incida a atenuante de confissão, esta deve ser efetiva e utilizada na motivação do decisum como elemento de convicção do magistrado (AgRg no REsp 1.552.195/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016).
O entendimento está fixado na Súmula 545 do STJ:
"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal".
In casu, o apelante não reconheceu que desferiu o soco na vítima, mas apenas que a empurrou para se defender, ocasionando sua queda, e que "acredita que com a queda (...) tenha batido com a boca" (fl. 40 e CD anexo).
Sendo assim, as declarações do apelante não foram utilizadas pela juíza monocrática para fundamentar a sentença, a qual considerou que "a versão do acusado não encontra guarida na prova oral e documental produzida nos autos", especialmente no laudo de exame de corpo de delito e nas declarações da vítima e das testemunhas / informantes, perante a autoridade policial e em juízo (fl. 97).
Assim, a confissão não foi efetiva e tampouco utilizada para fundamentar a condenação, sendo inviável o reconhecimento da atenuante.
Nessa linha:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. CONFISSÃO QUALIFICADA. INOCORRÊNCIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4.º DA LEI ANTIDROGAS. INAPLICABILIDADE CIRCUNSTÂNCIAS QUE EVIDENCIAM O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE CRIMINOSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...)
2. Para que incida a atenuante de confissão, esta deve ser efetiva e utilizada na motivação do decisum como elemento de convicção do magistrado (AgRg no REsp 1.552.195/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016).
3. In casu, não há falar em confissão quando o paciente, acusado de tráfico de drogas, alega que 'estava servindo como batedor de um transporte clandestino de veneno em um caminhão,' (e-STJ, fl. 114), pois o paciente não se desincumbiu do ônus de provar aquilo alegou, ou seja, a confissão não foi efetiva. Mesmo que assim não fosse, da análise dos autos, verifica-se que a alegada confissão não serviu de fundamento para a condenação.
(...)
7. Habeas Corpus não conhecido." (STJ, HC 354.522/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 16/06/2016).
Por fim, também não merece prosperar o pedido de aplicação da causa de diminuição de pena constante do art. 129, § 4.º, do CP.
Com efeito, para a configuração da referida causa de diminuição, mister que o agente aja sob violenta emoção imediatamente após injusta provocação da vítima.
In casu, estão ausentes ambos os requisitos, vez que não se verifica que R. tenha provocado injustamente o apelante, tampouco se constata a violenta emoção, porquanto se travava uma discussão entre ambos, o que, todavia, não justifica o emprego da força.
Em caso similar:
"APELAÇÃO - PENAL - LESÃO CORPORAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - LEGÍTIMA DEFESA - INEXISTÊNCIA - PRIVILÉGIO DO ART. 129, § 4º, DO CÓDIGO PENAL - REQUISITOS INOCORRENTES - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - INCABÍVEL - NÃO PROVIMENTO.
Comprovadas autoria e materialidade do crime de lesão corporal deve ser mantida a condenação.
O reconhecimento da legítima defesa impõe a utilização de meios moderados para repelir a injusta agressão, bem como indícios de sua existência, não sendo suficientes as alegações da defesa não comprovadas.
Ausentes a injusta provocação da ofendida e a atuação sob violenta emoção, descabido o reconhecimento do privilégio estampado no art. 129, § 4.º, do Estatuto Repressor. (...)." (TJ/MS, APL 00128263120128120001 MS 0012826-31.2012.8.12.0001, Rel. Des. Carlos Eduardo Contar, 2.ª Câmara Criminal, j. 07/07/2014, DJ 23/07/2014).
Logo, não há qualquer retoque a ser feito na sentença.
ISTO POSTO, em sintonia com o parecer ministerial, nego provimento ao apelo.
É como voto.
Boa Vista, 25 de outubro de 2016.
Juiz Convocado ERICK LINHARES - Relator
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO (ART. 129, § 9.º, DO CP, C/C O ART. 7.º, I , DA LEI N.º 11.340/06) - LEGÍTIMA DEFESA - INOCORRÊNCIA -- ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - RECONHECIMENTO INVIÁVEL - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 129, § 4.º, DO CÓDIGO PENAL - REQUISITOS AUSENTES - APELO DESPROVIDO.
1. Ausentes os requisitos do art. 25 do CP, inviável o reconhecimento da legítima defesa.
2. Para que incida a atenuante de confissão, esta deve ser efetiva e utilizada na motivação do decisum como elemento de convicção do magistrado, o que não ocorreu no caso vertente.
3. Ausentes a injusta provocação da ofendida e a atuação sob violenta emoção, descabido o reconhecimento do privilégio estampado no art. 129, § 4.º, do CP.
4. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Mauro Campello (Presidente, em exercício), Des. Leonardo Cupello (Julgador), Juiz Convocado Erick Linhares (Relator), e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 25 de outubro de 2016.
Juiz Convocado ERICK LINHARES - Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO (ART. 129, § 9.º, DO CP, C/C O ART. 7.º, I , DA LEI N.º 11.340/06) - LEGÍTIMA DEFESA - INOCORRÊNCIA -- ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - RECONHECIMENTO INVIÁVEL - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 129, § 4.º, DO CÓDIGO PENAL - REQUISITOS AUSENTES - APELO DESPROVIDO.
1. Ausentes os requisitos do art. 25 do CP, inviável o reconhecimento da legítima defesa.
2. Para que incida a atenuante de confissão, esta deve ser efetiva e utilizada na motivação do decisum como elemento de convicção do magistrado, o que não ocorreu no caso vertente.
3. Ausentes a injusta provocação da ofendida e a atuação sob violenta emoção, descabido o reconhecimento do privilégio estampado no art. 129, § 4.º, do CP.
4. Sentença mantida.
TJRR (ACr 0010.13.004121-2, Câmara Criminal, Rel. Juiz Conv. ERICK LINHARES, julgado em 25/10/2016, DJe: 04/11/2016)