Processo número: 0010.14.836686-6


CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010.14.836686-6 - BOA VISTA/RR
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR DO ESTADO: DR. TEMAIR CARLOS DE SIQUEIRA – OAB/RR Nº 658-P
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: DES. MOZARILDO CAVALCANTI



RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face da sentença proferida no processo nº. 0836686-24.2014.823.0010, que julgou procedente o pedido do apelado.

O apelante afirma que não devem permanecer as condenações em razão da realização dos procedimentos em pacientes que necessitam de equipamento de hemodinâmica, uma vez que tal procedimento está sendo realizado em qualquer restrição, conforme ofício acostado aos autos.

Afirma que todas as providências estão sendo praticadas para a instalação de outro equipamento para a realização da hemodinâmica.

Sustenta que a multa fixada na sentença é exorbitante e desproporcional, devendo ser retirar ou reduzida.

Pede o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, julgando extinto o processo sem resolução de mérito em decorrência da perda do objeto, bem como determinar a redução ou retirada da multa imposta.

Nas contrarrazões, a apelada pede a manutenção da sentença.

Inclua-se em pauta nos termos dos arts. 931 e 934, do CPC.

Boa Vista, 03 de outubro de 2016.

Des. Mozarildo Monteiro Cavalcanti
Relator



VOTO

É dever do Estado fornecer todos os meios necessários para que aos cidadãos que necessitem de atendimento na rede pública de saúde tenham como realizar exames, procedimentos cirúrgicos e aquisição de medicamentos para tratarem as doenças que estiverem acometidos.

O artigo 196, da CF, estabelece o seguinte:


"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Assim, o direito à vida se sobrepõe sobre todos os direitos juridicamente tutelados, não podendo qualquer ente da federação se negar praticar atos que visem a proteção de tal direito.

Cito os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EM FACE DE DECISÃO QUE DETERMINOU O BLOQUEIO DE VERBA MUNICIPAL, NO VALOR DE R$ 550,00 (QUINHENTOS E CINQUENTA REAIS), TENDO EM VISTA O DESCUMPRIMENTO DE LIMINAR. FORNECIMENTO DE EXAME MÉDICO PELO MUNICÍPIO. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DO MENOR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. INJUSTIFICADO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE DO BLOQUEIO DA VERBA PÚBLICA. PEQUENO VALOR. PRECEDENTES DO STJ.
In casu, verifica-se que a decisão singular foi exarada como instrumento para compelir o Município de Brumado ao cumprimento de tutela específica (obrigação de fazer), consistente na disponibilização do exame de tomografia do crânio sem contraste ao menor Misael dos Reis Santos, ante a reiterada recusa do poder público em atender ao comando antecipatório. Não merece acolhida a tese esposada pela Recorrente, uma vez que, de fato, havendo necessidade de um medicamento ou exame médico para o restabelecimento da saúde de um indivíduo, como no caso dos autos, ainda que se trate de medicamentos de dispensação excepcional, pode ser requerido o fornecimento a qualquer das esferas governamentais (federal, estadual ou municipal), e o STJ tem admitido, inclusive, o bloqueio de verbas públicas com a finalidade de atender a necessidade de recuperação da saúde do paciente. CONHECIDO E IMPROVIDO. (Classe: Agravo Regimental,Número do Processo: 0006068-29.2015.8.05.0000/50000, Relator (a): Roberto Maynard Frank, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 17/06/2015 )
(TJ-BA - AGR: 00060682920158050000 50000, Relator: Roberto Maynard Frank, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 17/06/2015)


APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ORDINÁRIA. FORNECIMENTO DE EXAME MÉDICO PELO MUNICÍPIO E PELO ESTADO. RECURSO DO RÉU. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE FORNECER O EXAME AS SUAS EXPENSAS. DIREITO À SAÚDE E À PRESERVAÇÃO DA VIDA PREVALECENTE SOBRE O INTERESSE FINANCEIRO ESTATAL - ART. 198 DA CF E LEI N. 8.080/1990. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. RECURSO DA AUTORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO MAGISTRADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. FIXAÇÃO EM QUANTIA CERTA. EXEGESE DO ART. 20 PARÁGRAFOS 3º E 4º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. APELO NÃO PROVIDO.
(TJ-SC - AC: 16059 SC 2010.001605-9, Relator: Wilson Augusto do Nascimento, Data de Julgamento: 28/05/2010,  Terceira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Imbituba)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE EXAME MÉDICO. DEVER CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS.
O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Precedentes do STF e STJ. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70054076419, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 29/05/2013)
(TJ-RS - AC: 70054076419 RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 29/05/2013,  Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/06/2013)

APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME EM HOSPITAL PÚBLICO. APARELHOS DANIFICADOS. URGÊNCIA. EXAME REALIZADO EM HOSPITAL P ARTICULAR. NECESSIDADE DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFINITIVA. É DEVER DO ESTADO ASSEGURAR A TODOS OS CIDADÃOS, INDISTINTAMENTE, O DIREITO À SAÚDE, CUSTEANDO, QUANDO IMPOSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAMES EM HOSPITAL PÚBLICO, A REALIZAÇÃO DOS MESMOS EM HOSPITAL P ARTICULAR.
(TJ-DF - APL: 317559720058070001 DF 0031755-97.2005.807.0001, Relator: ANGELO PASSARELI, Data de Julgamento: 20/02/2008,  2ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/03/2008, DJ-e Pág. 84)

O procedimento hemodinâmico é um sistema através do qual é possível tratar vários tipos de obstruções das artérias coronárias, permitindo que o sangue volte a fluir livremente e evitando que o paciente passe pela cirurgia cardíaca de ponte de safena.
Desta forma, é necessário que o equipamento utilizado para a realização desse exame esteja funcionando, fato não demonstrado pelo apelante.

Foi fixado o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) de multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial, o qual será revertido para o fundo   indicado no artigo 13, da Lei nº. 7.347/85.

Entendo que a quantia fixada a título de multa diária está em desacordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser reduzida para o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Cito os seguintes precedentes:

PROCESSUAL  CIVIL.  AGRAVO  INTERNO  NOS  EMBARGOS  DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO  EM  RECURSO  ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA PARTE ADVERSA ACOLHIDA PELA  DECISÃO MONOCRÁTICA. NECESSIDADE DE AJUSTAR O ACÓRDÃO ESTADUAL À  JURISPRUDÊNCIA  DESTA CORTE. ASTREINTES. REDUÇÃO DO VALOR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1.  De  acordo  com  a  jurisprudência  do  STJ, o magistrado pode a qualquer   tempo,   e   mesmo  de  ofício,  alterar  o  valor  ou  a periodicidade  das astreintes em caso de ineficácia ou insuficiência ao desiderato de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, sem importar  em ofensa à coisa julgada, a teor do art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC/73.
2.  O valor referente às astreintes de R$ 1.000,00 (cinco mil reais) gera  um  acumulado de mais de R$ 290.000,00 (duzentos e noventa mil reais),  o  que  se revela irracional, desproporcional e propício ao enriquecimento  sem  causa  da agravante, razão pela qual devem elas serem  reduzidas ao patamar que melhor reflita a obrigação principal buscada.
3. Agravo interno não provido.
(STJ. AgInt nos EDcl no AREsp 879.311/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 29/08/2016)

APELAÇÃO CÍVEL - AGRAVO RETIDO - MULTA - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE - PRELIMINARES - PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - REJEIÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS - CIRURGIA - TRANSFERÊNCIA DO PACIENTE - ACESSO À SAÚDE - GARANTIA CONSTITUCIONAL - NECESSIDADE COMPROVADA.
1. A multa coercitiva serve para dar vigência ao princípio da efetividade da jurisdição, no sentido de se assegurar o cumprimento da obrigação.
2. Por outro norte, ao magistrado é facultado modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou excessiva ou insuficiente, devendo, em todo o caso, fixar um limite, para que não haja risco de o valor da obrigação acessória suplantar o da obrigação principal.
3. A tutela antecipada concedida initio litis tem natureza temporária, impondo-se a confirmação ao final, de modo que não houve perda do objeto.
4. A CF/88 confere ao Ministério Público legitimidade extraordinária para ajuizar demanda que verse sobre os direitos indisponíveis, dentre os quais se enquadra o direito à saúde, motivo pelo qual se afasta a preliminar de ilegitimidade ativa do Parquet.
5. O direito à saúde tem matriz constitucional, nos termos do art. 196 da CF/88, devendo o Poder Público assegurar o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção.
6. Constando dos autos relatório médico subscrito por profissional devidamente inscrito no CRM, que corrobora a necessidade de transferência do paciente, para realização de cirurgia, há que se conceder a tutela jurisdicional.
7. Agravo retido parcialmente provido. Apelação não provida.
(TJMG -  Apelação Cível  1.0647.11.013351-7/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/02/2014, publicação da súmula em 10/02/2014)

Face ao exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para reduzir a multa fixada pelo descumprimento da ordem judicial para a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Boa Vista, 03 de novembro de 2016.

Des. Mozarildo Monteiro Cavalcanti
Relator



EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO À SAÚDE - FORNECIMENTO DE EXAME HEMODINÂMICO – DEVER CONSTITUCIONAL – RESPONSABILIDADE DE TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – MULTA EXCESSIVA – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Única, Turma Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade, para dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Presentes à sessão de julgamento os Desembargadores Cristóvão Suter, Jefferson Fernandes da Silva e o Mozarildo Monteiro Cavalcanti.

Sala das sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos 03 dias do mês de novembro do ano de 2016.


Des. Mozarildo Monteiro Cavalcanti
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO À SAÚDE - FORNECIMENTO DE EXAME HEMODINÂMICO – DEVER CONSTITUCIONAL – RESPONSABILIDADE DE TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – MULTA EXCESSIVA – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO

TJRR (AC 0010.14.836686-6, Câmara Cível, Rel. Des. MOZARILDO CAVALCANTI, julgado em 09/11/2016, DJe: 18/11/2016)