Processo número: 0047.14.000558-9


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0047.14.000558-9 / RORAINÓPOLIS.
Apelante: Alexandre Venâncio da Silva.
Defensora Pública: Anna Elize Fenoll Amaral. 
Apelado: Ministério Público de Roraima.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.



RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação (fl. 148), interposto por ALEXANDRE VENÂNCIO DA SILVA, contra a r. sentença de fls. 140/146, da lavra do MM. Juiz de Direito da Comarca de Rorainópolis, que o condenou a 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática, por duas vezes, do delito previsto no art. 155, § 1.º, do CP.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos.

O apelante, em suas razões (fls. 165/181), pugna pela sua absolvição em razão da atipicidade do fato (princípio da insignificância) ou por insuficiência de provas. Subsidiariamente, requer a desclassificação da conduta para furto privilegiado (CP, art. 155, § 2.º), ou a exclusão da causa de aumento de pena prevista no § 1.º, do art. 155, do CP (furto noturno).

Por último, pede a aplicação da regra do crime continuado.

Em contrarrazões (fls. 184/192-v), o apelado pugna pela manutenção da sentença.

Em parecer de fls. 196/210, opina o Ministério Público de 2.º grau pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

À douta revisão regimental.

Boa Vista, 25 de novembro de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

O recurso não merece provimento.

Segundo apurado, no dia 04.07.2014, no período noturno, na Avenida Dr.ª Yandara, bairro Pantanal, em Rorainópolis, o apelante invadiu o estabelecimento comercial "Supermercado Super Mais", de propriedade de Adão de Souza Lima, e de lá subtraiu a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais) do caixa, ação registrada pelas câmeras de segurança da empresa.

Em seguida, o recorrente foi até o motel "Líder" e subtraiu 02 (dois) capacetes de motocicleta, pertencentes à vítima André Val Cortez Souza, ação também gravada pelo sistema de monitoramento.

Inicialmente, a defesa pugna pela absolvição diante da atipicidade da conduta, pois a quantia irrisória da res furtiva, associada à condição econômica das vítimas, levam-nos a conclusão de que não houve qualquer lesão a bem jurídico.

No que se refere ao princípio da insignificância, diversamente do afirmado pela defesa, não é possível a sua aplicação.
Em primeiro lugar, muito embora não conste dos autos o laudo de avaliação, os bens subtraídos não são de pequena monta: 02 (dois) capacetes de motocicleta e R$ 200,00 (duzentos reais).

Em segundo lugar, consoante delineado pelo Procurador de Justiça, o princípio da insignificância "não pode ser manejado para mascarar ou estimular delitos pequenos. Efetivamente, o ataque a patrimônio alheio envolve gravidade relevante, não se podendo conceder a imunidade ainda que o valor da coisa seja ínfimo e nem mesmo reconhecer que a conduta do acusado foi de tal forma irrelevante que não produziu nenhum resultado jurídico na seara penal" (fl. 200).

Outrossim, o réu se dedica à prática de crimes, tendo sido condenado por outro delito contra o patrimônio (fl. 100).

Destarte, não é possível considerar sua conduta insignificante. Ao contrário disso, seu comportamento é reprovável.

Com efeito, o Pretório Excelso consagrou o entendimento de que, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, de forma cumulada, os seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC n.º 114723, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222, DIVULG. 11-11-2014, PUBLIC. 12-11-2014).

No caso em apreço, o comportamento do agente apresenta considerável grau de reprovabilidade, sobretudo porque os bens não foram recuperados. Nesse sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância deve ser analisado em correlação com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade da conduta, examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença dos seguintes vetores: (I) mínima ofensividade da conduta do agente; (II) ausência total de periculosidade social da ação; (III) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada (conforme decidido nos autos do HC n. 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU 19/4/2004). 2. A conduta perpetrada pelo acusado de subtrair uma bicicleta, avaliada em R$ 180,00, não se revela de escassa ofensividade penal e social, pois a lesão jurídica provocada não pode ser considerada insignificante. 3. Agravo regimental não provido"
(STJ, AgRg no AREsp 678.125/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015).

Sem sorte também a defesa quanto ao pedido de absolvição por falta de provas.

A autoria e materialidade foram comprovadas pelo reconhecimento do apelante nas imagens captadas, tanto no motel, quanto no supermercado (fl. 30).

As vítimas ratificaram os depoimentos na fase judicial, afirmando que o indivíduo das imagens é o recorrente (fls. 82 e 97).

De igual maneira deve ser negado o pedido de desclassificação para furto privilegiado. Isto porque o apelante responde por outro crime patrimonial (fl. 100), com sentença condenatória (autos n.º 0047.14.000391-5).

Ademais, os capacetes furtados somados à quantia de R$ 200,00 (duzentos reais) certamente se aproximam do salário mínino, não sendo portanto furto de coisa de pequeno valor.

Diz a Defensoria Pública que não poderia ter sido aplicada a causa de aumento relativa ao repouso noturno (art. 155, § 1.º, do CP), porque os donos dos objetos furtados não estavam repousando.

Ocorre que a presença de alguém na residência no momento do furto, no período noturno, é irrelevante, in verbis:

"AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. ART. 155, § 1º, DO CP. FURTO CIRCUNSTANCIADO. PERÍODO NOTURNO. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. POSSIBILIDADE. 1. Para a incidência da causa especial de aumento prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal, faz-se suficiente que a infração ocorra durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade para as residências, lojas e veículos, entre outros. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido."
(STJ - AgRg no REsp: 1251465 MG 2011/0077285-7, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 04/02/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/02/2014)

Por derradeiro, o concurso material de crimes foi corretamente aplicado porque o apelante cometeu dois crimes, um no Motel Líder e outro no Supermercado Super Mais, ou seja, foram ações em momentos e locais diversos, contra vítimas diferentes, revelando desígnios autônomos.

Extrai-se do parecer ministerial, que ora adoto (fls. 208/210):

"Assim, é certo que para o reconhecimento da continuidade delitiva não basta a simples repetição dos fatos delituosos em breve espaço de tempo, lugar e maneira de execução, porquanto para além destes elementos objetivos, há de se levar em consideração os desígnios autônomos que presidiram a atuação do autor material do crime."

"Não destoa desse entendimento a jurisprudência pátria:

'RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. CRIME CONTINUADO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE ATENDIMENTOS AOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. FALTA DE VÍNCULO PSICOLÓGICO ENTRE AS AÇÕES. REITERAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE UNIFICAÇÃO DAS PENAS, COM BASE NO ARTIGO 71, DO CÓDIGO PENAL.
1. A configurac¸a~o do crime continuado pressupõe a prática de crimes da mesma espécie, além do preenchimento de outros requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução) e subjetivos (unidade de desígnios).
2. É imprescindível para a caracterização do crime continuado que todos os crimes estejam inseridos em idêntico contexto, decorrendo os delitos subsequentes das facilidades e oportunidades obtidas pelo crime antecedente, caso contrário, configuram-se delitos autônomos.
3. Ainda que haja homogeneidade objetiva entre as ações, o nexo psicológico é elemento essencial entre as condutas vertidas para dolo único, sendo que sua carência obsta o reconhecimento da ficção jurídica de continuidade criminosa, e por corolário lógico, a inviabilidade da unificação das reprimendas, em conformidade com o artigo 71, do Código Penal.
4. Recurso conhecido e desprovido.
(TJDFT - Processo RAG 20150020327883 - Órgão Julgador: 3.ª Turma Criminal - Relator: SANDOVAL OLIVEIRA - Julgado em 4 de Fevereiro de 2016 - Publicado no DJE 12/02/2016, Pág.: 115)'"

ISTO POSTO, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso.
 
É como voto.

Boa Vista, 06 de dezembro de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO NOTURNO (ART. 155, § 1.º, DO CP) – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – BENS SUBTRAÍDOS QUE NÃO SE REVELAM DE PEQUENA MONTA – INAPLICABILIDADE – ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS – DESCABIMENTO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO PRIVILEGIADO (CP, ART. 155, § 2.º) – INVIABILIDADE – EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO § 1.º – IMPOSSIBILIDADE – CONCURSO MATERIAL CORRETAMENTO APLICADO – RECURSO DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Des. Leonardo Cupello (Revisor), Des.ª Elaine Bianchi (Julgadora) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.

Sala das Sessões, em Boa Vista, 06 de dezembro de 2016.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO NOTURNO (ART. 155, § 1.º, DO CP) – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – BENS SUBTRAÍDOS QUE NÃO SE REVELAM DE PEQUENA MONTA – INAPLICABILIDADE – ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS – DESCABIMENTO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO PRIVILEGIADO (CP, ART. 155, § 2.º) – INVIABILIDADE – EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO § 1.º – IMPOSSIBILIDADE – CONCURSO MATERIAL CORRETAMENTO APLICADO – RECURSO DESPROVIDO.

TJRR (ACr 0047.14.000558-9, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 06/12/2016, DJe: 15/12/2016)