CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0010.12.006507-2 / BOA VISTA.
Apelante: Ministério Público de Roraima.
Apelado: Marcelo Rangel de Araújo.
Defensora Pública: Aline Dionísio Castelo Branco.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA (fl. 155), contra a r. sentença de fls. 146/152, da lavra do MM. Juiz de Direito da Vara de Entorpecentes e Organizações Criminosas, que condenou MARCELO RANGEL DE ARAÚJO a 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 290 (duzentos e noventa) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06.
A pena corporal foi substituída por 02 (duas) restritivas de direitos, a serem delineadas e fiscalizadas pelo Juízo da Vara de Execução Penal.
O apelante, em razões de fls. 178/182, insurge-se apenas contra a dosimetria.
Alega que, na segunda fase, a minoração pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea foi excessiva, eis que deveria ter sido de apenas 06 (seis) meses. Na terceira fase, sustenta que a redução pela benesse prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, deveria ter sido efetuada no patamar de 1/6 (um sexto), e não de metade (1/2).
Em contrarrazões (fls. 183/186), o apelado requer a manutenção do decisum.
Em parecer de fls. 189/197, opina a i. Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do apelo.
É o relatório.
Considerando as férias do Des. Leonardo Cupello e do Des. Mauro Campello (este com posse marcada para segunda-feira, no cargo de Corregedor-Geral de Justiça), a proximidade do usufruto dos dias de recesso pela Des.ª Tânia Vasconcelos e a posse da Des.ª Elaine Bianchi no cargo de Presidente do Tribunal de Justiça (prevista para amanhã), submeto os autos à douta revisão do Des. Cristóvão Suter.
Boa Vista, 09 de fevereiro de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
VOTO
Conforme relatado, a irresignação do apelante cinge-se à dosimetria.
In casu, o apelado foi condenado à pena-base de 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa.
Na segunda fase, ausentes agravantes, o Magistrado reconheceu a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), e reduziu a sanção para 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase, aplicou a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, reduzindo a pena em 1/2 (metade). Assim, a pena definitiva restou fixada em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 290 (duzentos e noventa) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Alega o apelante que, na segunda fase, a minoração pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea foi excessiva, eis que deveria ter sido de apenas 06 (seis) meses.
Não lhe assiste razão.
Na segunda fase de aplicação das penas, ao contrário do que ocorre na terceira (análise das causas de diminuição e aumento), o legislador não determinou o quantum de redução ou majoração das reprimendas, motivo pelo qual o sentenciante fica adstrito aos limites legais para a fixação da pena-base, atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Apesar de não haver regra legal com relação ao percentual de redução/majoração de pena, a jurisprudência, orientada pelos princípios já mencionados, costuma aplicar a fração de 1/6 (um sexto).
Confira-se:
"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FRAÇÃO DE 1/6. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A pena-base foi fixada em 1 ano de reclusão acima do mínimo legal, tendo em vista a avaliação negativa das vetoriais motivos e consequências do crime. As instâncias ordinárias apresentaram fundamentos concretos que denotam uma motivação psíquica reprovável do agente e consequências danosas da conduta que ultrapassam meros aspectos ínsitos ao próprio tipo penal.
2. A redução da pena em 1/6 em razão da atenuante da confissão espontânea atende aos pressupostos da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Agravo regimental não provido."
(STJ, AgRg no AREsp 570.843/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, j. 25/10/2016, DJe 22/11/2016).
Compulsando os autos, verifico que a redução efetuada na segunda fase aproximou-se de 1/6 (um sexto), não merecendo retoque.
Conforme bem ponderou a Procuradoria de Justiça:
"Portanto, considerando que a pena-base foi fixada em 07 (sete) anos de reclusão, percebe-se que o quantum redutor adotado na decisão a quo não se mostra desproporcional, vez que se encontra dentro dos parâmetros adotados pela Corte Superior de Justiça, bem como pela doutrina, não havendo como reduzir, na segunda fase da dosimetria, a reprimenda no patamar de 06 (seis) meses, como pleiteado pelo apelante" (fl. 194).
No que pertine à redução pela benesse prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, melhor sorte não assiste ao apelante.
Nesse aspecto, alega que "a natureza e a quantidade da droga apreendida justifica a redução de apenas 1/6 (um sexto)" na terceira fase do cálculo da pena (fl. 181).
Todavia, tais circunstâncias foram consideradas pelo Magistrado na fixação da pena-base (fl. 150), e conforme alertado no parecer ministerial, "não há como utilizar - como quer o apelante - a natureza e a quantidade da droga apreendida como fundamento para a redução do quantum fixado ao tráfico privilegiado, isso porque tais elementos já foram valorados para a exasperação da pena-base, ou seja, o mesmo elemento ponderado na primeira e na terceira fase da dosimetria acarretaria evidente bis in idem" (fl. 194).
Nesse sentido é a jurisprudência dos Tribunais Superiores, salientando que a matéria já foi analisada pelo Plenário do STF:
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO PARÁGRAFO 4.º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. 1. A escolha do patamar de diminuição da pena prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas não prescinde de adequada fundamentação. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal reputou configurado bis in idem na consideração cumulativa da quantidade e da espécie da droga apreendida, como indicativos do maior ou menor envolvimento do agente no mundo das drogas, na exasperação da pena-base e no dimensionamento previsto no § 4.º do art. 33 da Lei 11.343/2006. 3. Ordem de habeas corpus concedida para que o magistrado de primeiro grau proceda a nova dosimetria da pena, mediante a consideração não cumulativa da circunstância ligada à quantidade da droga apreendida." (STF, HC 123999, Rel.ª Min.ª ROSA WEBER, Primeira Turma, j. 07/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-211 DIVULG 24-10-2014 PUBLIC 28-10-2014).
"HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO DO RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REABERTURA DO PRAZO PARA RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO OCORRÊNCIA. UTILIZAÇÃO DE UM MESMO ARGUMENTO EM DUAS ETAPAS DO CÁLCULO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO E SUBSTITUIÇÃO DE PENAS NO TRÁFICO. POSSIBILIDADE. CARÁTER HEDIONDO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO.
(...)
2. O art. 59 do Código Penal elenca oito circunstâncias para orientar a atividade do magistrado na primeira fase de dosimetria das penas, e, se quaisquer das circunstâncias judiciais aferidas indicar maior desvalor da conduta, está o sentenciante autorizado a elevar a pena-base, observando a proporcionalidade e a razoabilidade do aumento, o qual deve apenas estar devidamente justificado, não podendo ficar limitado a uma fração ou percentual. No caso, o aumento estabelecido foi feito com base na natureza e na quantidade de drogas apreendidas com os pacientes, não merecendo nenhuma censura.
(...)
4. A utilização de um mesmo argumento (referente à natureza e à quantidade drogas) em duas fases do cálculo da pena caracteriza dupla punição pelo mesmo fato, devendo o Juiz de piso escolher em qual momento da dosimetria essa circunstância vai ser levada em conta, mas apenas em uma fase, consoante recente entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal.
(...)
8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para que o Juízo de primeiro grau refaça a dosimetria das penas dos pacientes e do corréu em situação idêntica." (STJ, HC 284.245/SC, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, j. 06/05/2014, DJe 22/05/2014).
Logo, não há reparo a ser feito na sentença.
ISTO POSTO, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento ao apelo.
É como voto.
Boa Vista, 14 de fevereiro de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 33, "CAPUT", DA LEI N.º 11.343/06 - DOSIMETRIA - PERCENTUAL DE REDUÇÃO DA PENA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, "D") E DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06).
1. Na segunda fase, apesar de não haver regra legal com relação ao percentual de redução/majoração de pena, a jurisprudência e a doutrina, orientadas pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, costumam aplicar a fração de 1/6 (um sexto).
2. Tendo o juiz sentenciante considerado a natureza e a quantidade de drogas para exasperar a pena-base, tal argumento não pode ser novamente utilizado na terceira fase da dosimetria, sob pena de bis in idem. Precedentes do Plenário do STF e do STJ.
3. Apelo desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente e Relator), Des. Cristóvão Suter (Revisor), Des. Jefferson Fernandes da Silva (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 14 de fevereiro de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL - ART. 33, "CAPUT", DA LEI N.º 11.343/06 - DOSIMETRIA - PERCENTUAL DE REDUÇÃO DA PENA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, "D") E DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06).
1. Na segunda fase, apesar de não haver regra legal com relação ao percentual de redução/majoração de pena, a jurisprudência e a doutrina, orientadas pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, costumam aplicar a fração de 1/6 (um sexto).
2. Tendo o juiz sentenciante considerado a natureza e a quantidade de drogas para exasperar a pena-base, tal argumento não pode ser novamente utilizado na terceira fase da dosimetria, sob pena de bis in idem. Precedentes do Plenário do STF e do STJ.
3. Apelo desprovido.
TJRR (ACr 0010.12.006507-2, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 14/02/2017, DJe: 21/02/2017)