CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010.12.018143-2 - BOA VISTA/RR
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA - MPERR
APELADO: MARCELO DOS SANTOS TEODOSIO
DEFENSOR PÚBLICO: ROGENILTON FERREIRA GOMES
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA (fl. 122 - EP 1.19), contra a r. sentença de fls. 119/120 - EP 1.18, da lavra do MM. Juiz de Direito da 3.ª Vara Criminal, que, aplicando o princípio da insignificância, absolveu MARCELO DOS SANTOS TEODÓSIO da prática do crime previsto no art. 155, caput, c/c o art. 14, II, ambos do CP.
O apelante, em suas razões (fls. 123/127 - EP 1.19), alega não ser possível a aplicação do referido princípio no caso em tela, tendo em vista que o apelado é reincidente. Pugna, assim, pela reforma da sentença, condenando-se o réu nos termos da denúncia.
Em contrarrazões (fls. 133/136 - EP 1.19), defende o apelado o acerto do decisum guerreado, pretendendo, ao final, sua manutenção.
Em parecer de fls. 05/07, opina o Ministério Público de 2.° grau pelo provimento do recurso.
É o relatório.
À douta revisão regimental.
Boa Vista, 17 de maio de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA - Relator
VOTO
Consta dos autos que, no dia 13/11/2012, por volta das 15:30h, em uma residência localizada na Rua Jairo de Andrade de Lima, n.° 133, bairro Cambará, nesta cidade, o apelado MARCELO DOS SANTOS TEODÓSIO tentou subtrair 07 (sete) cadeiras brancas, de plástico, pertencentes à vítima NAYARA RODRIGUES DE ARAÚJO, não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade (foi detido por populares ao sair da casa com a res furtiva).
O MM. Juiz, ao sentenciar, aplicou o princípio da insignificância e absolveu MARCELO, aduzindo, em resumo, que "jamais houve caracterização do resultado, diante da ausência de lesividade da conduta, especificamente neste caso, consubstanciada no insignificante valor das cadeiras usadas e imediatamente restituídas, e da negativa de o Réu tomar para si bens mais valiosos ou mais importantes para a Vítima ao adentrar os limites de sua residência" (fl. 120, EP 1.18).
Irresignado, o Ministério Público de 1.º grau postula a reforma da sentença, alegando que o apelado não satisfaz os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, vez que é reincidente.
Assiste razão ao apelante.
Segundo assentado pelo Ministro Celso de Mello, do STF, no julgamento do HC n.º 98.152/MG, para a aplicação do princípio da insignificância devem ser levados em conta os seguintes vetores: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No caso, não há como reconhecer o "reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento", tendo em vista que MARCELO é reincidente específico e portador de maus antecedentes pela prática de crimes contra o patrimônio (fls. 89/97 - EP 1.17), o que impede a aplicação do princípio em comento.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA E OUTROS REGISTROS CRIMINAIS. HABITUALIDADE DELITIVA.
1. A aplicação do princípio da insignificância reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, essas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
2. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. Inviável reconhecer a incidência do referido brocardo, in casu, porquanto a agravante é reincidente específica e possui diversos registros criminais pela prática de crimes contra o patrimônio, situações aptas a ensejar a incidência do Direito Penal como forma de coibir a reiteração delitiva (precedentes).
(...)
2. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no HC 387.224/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, j. 25/04/2017, DJe 04/05/2017).
Ademais, não se pode afirmar a "mínima ofensividade da conduta do agente", pois, em que pese o pequeno valor da res furtiva (algo em torno de R$ 200,00), o crime foi praticado numa residência particular, durante o dia - e não num estabelecimento comercial -, o que certamente causou maior desassossego à vítima.
Sobre o tema:
"FURTO QUALIFICADO - CONCURSO DE AGENTES - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - Direito penal. Habeas corpus. Furto qualificado. Concurso de agentes. Reincidência. Princípio da insignificância. Valor supostamente reduzido da res furtiva. Bem móvel avaliado em R$ 200,00 (duzentos reais). Inaplicabilidade. 1. (...) 2. Na hipótese dos autos, em sendo reduzido, mas não insignificante, o valor monetário da res furtiva (R$ 200,00), não se revela como sendo de mínima ofensividade a conduta perpetrada pelos pacientes, sendo alto o grau de reprovabilidade dela, especialmente por ter sido praticada em concurso de agentes, reincidentes, com invasão de domicílio alheio. 3. Ordem denegada" (STJ - HC 250.286 - (2012/0160096-5) - 6.ª T. - Rel.ª Min.ª Alderita Ramos de Oliveira - DJe 18.10.2012).
Assim, impõe-se o provimento do apelo, para condenar o réu MARCELO DOS SANTOS TEODÓSIO pelo crime previsto no art. 155, caput, c/c o art. 14, II, ambos do CP.
Passo, então, à dosimetria.
A culpabilidade não extrapola o tipo penal; o réu possui maus antecedentes, pois ostenta três condenações anteriores transitadas em julgado, devendo uma delas servir para majorar a presente circunstância judicial (Ação Penal n.º 0010.05.103286-9, fls. 89/97 - EP 1.17); não há dados para valorar a conduta social; a personalidade mostra-se voltada à prática de crimes contra o patrimônio (Ação Penal n.º 0010.09.214443-4, fls. 89/97 - EP 1.17); os motivos, circunstâncias e consequências do delito são comuns à espécie; a vítima em nada contribuiu para o crime.
Considerando tais circunstâncias, fixo a pena-base em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Na segunda fase, reconheço a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), e a compenso com a agravante da reincidência (CP, art. 61, I; Ação Penal n.º 0010.06.133347-1, fls. 89/97 - EP 1.17), restando uma pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Na terceira fase, não há causa de aumento.
Em razão da causa de diminuição relativa à tentativa (art. 14, II, do CP), considerando a quase totalidade do iter criminis percorrido, diminuo a pena no mínimo legal, ou seja, 1/3 (um terço), estabelecendo-a definitivamente em 01 (um) ano de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.
A pena deverá ser cumprida em regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2.º, "c", a contrario sensu, e § 3.º).
Incabíveis a substituição da reprimenda corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, II) e a suspensão da pena (CP, art. 77, I).
A detração será realizada pelo juízo da execução penal (CPP, art. 387, § 2.º; LEP, art. 66, III, "c").
ISTO POSTO, em consonância com o parecer ministerial, dou provimento ao apelo, para condenar o réu MARCELO DOS SANTOS TEODÓSIO pelo crime previsto no art. 155, caput, c/c o art. 14, II, ambos do CP, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Boa Vista, 23 de maio de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 155, "CAPUT", C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CP - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - ACUSADO REINCIDENTE ESPECÍFICO E PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES PELA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - DELITO COMETIDO EM RESIDÊNCIA PARTICULAR - REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO E OFENSIVIDADE DA CONDUTA CARACTERIZADOS - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO, PARA CONDENAR O RÉU NOS TERMOS DA DENÚNCIA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em dar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Leonardo Cupello (Presidente e Revisor), Des. Ricardo Oliveira (Relator), Des. Jésus Nascimento (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 23 de maio de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CRIMINAL - ART. 155, "CAPUT", C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CP - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - ACUSADO REINCIDENTE ESPECÍFICO E PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES PELA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - DELITO COMETIDO EM RESIDÊNCIA PARTICULAR - REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO E OFENSIVIDADE DA CONDUTA CARACTERIZADOS - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO, PARA CONDENAR O RÉU NOS TERMOS DA DENÚNCIA
TJRR (ACr 0010.12.018143-2, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 23/05/2017, DJe: 31/05/2017)