CÂMARA CÍVEL - SEGUNDA TURMA
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0000.17.001356-9 – BOA VISTA/RR
AGRAVANTE: M. M. MABONI LTDA – EPP (FRIGORÍFICO MABONI)
ADVOGADA: DRA. ALESSANDRA MARA FIM OLIVEIRA – OAB/RR Nº 1370
AGRAVADA: GERALDO J. COAN & CIA LTDA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
M. M. MABONI LTDA. - EPP (FRIGORÍFICO MABONI) interpôs este agravo de instrumento contra a decisão proferida pelo Juiz de Direito da 3ª. Vara Cível de Boa Vista (EP 62), na fase de cumprimento de sentença da ação monitória nº. 0711217-36.2012.8.23.0010.
Consta nos autos que a Exequente apresentou requerimento de cumprimento de sentença e memória de cálculos (EP 37). O Juiz determinou a emenda da inicial, quanto ao demonstrativo de débito, para que ele retratasse a evolução da dívida mês a mês, segundo entendimento jurisprudencial (EP 45). A Credora não atendeu, justificando que o memorial tinha a evolução mensal da dívida (EP 48). O Juiz concedeu dez dias para a emenda, a fim de evitar a extinção do feito (EP 50). A parte requereu que fosse fornecido o modelo de planilha (EP 53). O Magistrado de 1º. grau informou que bastaria a apresentação da evolução do débito mês a mês e concedeu o prazo de quinze dias para isso (EP 55). O Frigorífico atualizou o débito, pediu o pagamento das custas ao final do processo e apresentou memorial de cálculo por ano (EP 59). A decisão combatida foi proferida. Nela o Juiz indeferiu o cumprimento de sentença e o pagamento das custas ao final. Concedeu, entretanto, o prazo de dez dias para que o Requerente retifique o pedido nos termos do que já havia sido determinado e recolhesse as custas (EP 62). Este agravo foi interposto.
A Agravante alega, em síntese, que:
1 - o recurso é tempestivo e adequado;
2 - o recolhimento das custas ao final do processo é uma faculdade do juiz e o indeferimento impede-a de ter acesso à Justiça;
3 - o pagamento ao final não trará prejuízo ao Judiciário;
4 - a cobrança de custas processuais para a fase de cumprimento de sentença é indevida, porque ele é apenas a continuação do mesmo processo;
5 - existe o risco de dano iminente, configurado pelo possível arquivamento do processo;
6 - a decisão negou-lhe o acesso à justiça.
Pede a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, a anulação da decisão.
Deferi o pedido de atribuição de efeito suspensivo, conforme decisão de fls. 55 e 56.
É o relatório.
Inclua-se em pauta de julgamento eletrônico, na forma prevista no artigo 109 e seguintes do RITJRR.
Intimem-se as partes na forma e para fins dos incisos I e II do artigo 110 do RITJRR.
Havendo requerimento de sustentação oral, os autos serão incluídos em pauta de sessão de julgamento presencial, independentemente de nova conclusão.
Após, voltem-me conclusos.
Boa Vista, 09 de junho de 2017.
Des. Almiro Padilha
Relator
VOTO
A impressão que tive no momento da análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo mostrou-se acertada.
A discussão deste recurso limita-se à obrigatoriedade ou não do recolhimento de custas para o início da fase de cumprimento de sentença.
O cumprimento de sentença (na vigência do CPC/1973 e do atual) é apenas uma fase do processo e as custas processuais são tributos (taxas de serviço), logo, carecem de previsão legal para existirem e, consequentemente, poderem ser exigidas (princípio da legalidade tributária), nos termos do inc. I do art. 150 da Constituição Federal e do art. 3º. do CTN, que dizem:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;"
* * *
"Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (sublinhei).
A exigência do pagamento de tributos, sem previsão legal, configura uma violação às garantias do contribuinte.
Não existe previsão para a cobrança de custas iniciais para início da fase processual de cumprimento de sentença na Lei de Custas do Estado de Roraima.
O art. 89 da Lei Complementar Estadual nº. 221/2014 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima) não é suficiente para justificar a cobrança das custas, porque ele não é lei específica para a matéria tributária, não cria essa taxa e nem cria obrigação de pagamento etc.. Ele simplesmente estabelece que, se as custas existirem e puderem ser cobradas, eventual requerimento será distribuído ou despachado depois do pagamento, ressalvadas as exceções legais.
Eis o dispositivo mencionado:
"Art. 89. Nenhum requerimento será distribuído ou despachado sem a prova de pagamento integral das custas judiciárias, ressalvadas as exceções legais."
Mesmo que se queira entender que esse artigo criou as custas iniciais para o cumprimento de sentença, nem assim ele seria válido, porque não obedece aos requisitos necessários a uma lei tributária.
Criar um tributo é, no mínimo, descrever o fato tributável, definir a base de cálculo e a alíquota, o critério de identificação do sujeito passivo e o sujeito ativo.
A respeito disso, Hugo de Brito Machado ensina:
"... criar um tributo é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber qual é a situação de fato que faz nascer o dever de pagar esse tributo, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade" (Curso de Direito Tributário, 38ª. ed., Malheiros, 2017, p. 33).
O art. 89 do COJERR não disciplinou esses elementos, nem sequer tocou no assunto. Logo, qualquer cobrança de tributo com base nele, sem que haja uma lei criando esse tributo, será uma violação às garantias do contribuinte.
A respeito da impossibilidade da cobrança, esta Corte da decidiu:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - CUSTAS INICIAIS - CARÁTER TRIBUTÁRIO DE TAXA - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE LEI ESPECÍFICA - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 89, DO COJERR - RECURSO PROVIDO" (TJRR - AgInst 0000.16.000714-2, Rel. Des. MOZARILDO CAVALCANTI, Câmara Cível, julg.: 09/06/2016, DJe 22/06/2016, p. 24).
Por essas razões, voto pelo conhecimento e provimento do agravo de instrumento para anular a decisão, no capítulo referente à exigência de pagamento das custas para o início do cumprimento de sentença.
É como voto.
Boa Vista, 14 de julho de 2017.
Des. Almiro Padilha
Relator
EMENTA
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ORDEM DE PAGAMENTO DE CUSTAS INICIAIS SOB PENA DE INDEFERIMENTO - TAXA DE SERVIÇO PARA INÍCIO DA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - ARTIGO 89 DO COJERR. INEXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS A CRIAÇÃO DE UM TRIBUTO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O cumprimento de sentença (na vigência do CPC/1973 e do atual) é apenas uma fase do processo e as custas processuais são tributos (taxas de serviço), logo, carecem de previsão legal para existirem e, consequentemente, poderem ser exigidas (princípio da legalidade tributária), nos termos do inc. I do art. 150 da Constituição Federal e do art. 3º. do CTN.
2. Não existe previsão para a cobrança de custas iniciais para início da fase processual de cumprimento de sentença na Lei de Custas do Estado de Roraima.
3. O art. 89 da Lei Complementar Estadual nº. 221/2014 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima) não é suficiente para justificar a cobrança de custas, porque ele não possui os requisitos necessários a uma lei tributária. Não disciplinou os elementos necessários a criação de um tributo. Logo, qualquer cobrança com base nele, sem que haja uma lei criando o tributo, será uma violação às garantias do contribuinte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Segunda Turma da Colenda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste julgado.
Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores Almiro Padilha (Relator), Tânia Vasconcelos e Jefferson Fernandes.
Boa Vista, 14 de julho de 2017.
Des. Almiro Padilha
Relator
RESUMO ESTRUTURADOCUMPRIMENTO DE SENTENÇA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ORDEM DE PAGAMENTO DE CUSTAS INICIAIS SOB PENA DE INDEFERIMENTO - TAXA DE SERVIÇO PARA INÍCIO DA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - ARTIGO 89 DO COJERR. INEXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS A CRIAÇÃO DE UM TRIBUTO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O cumprimento de sentença (na vigência do CPC/1973 e do atual) é apenas uma fase do processo e as custas processuais são tributos (taxas de serviço), logo, carecem de previsão legal para existirem e, consequentemente, poderem ser exigidas (princípio da legalidade tributária), nos termos do inc. I do art. 150 da Constituição Federal e do art. 3º. do CTN.
2. Não existe previsão para a cobrança de custas iniciais para início da fase processual de cumprimento de sentença na Lei de Custas do Estado de Roraima.
3. O art. 89 da Lei Complementar Estadual nº. 221/2014 (Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima) não é suficiente para justificar a cobrança de custas, porque ele não possui os requisitos necessários a uma lei tributária. Não disciplinou os elementos necessários a criação de um tributo. Logo, qualquer cobrança com base nele, sem que haja uma lei criando o tributo, será uma violação às garantias do contribuinte.
TJRR (AgInst 0000.17.001356-9, Segunda Turma Cível, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, julgado em 14/07/2017, DJe: 21/07/2017)