CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0047.12.000081-6 - RORAINÓPOLIS/RR
1ª APELANTE: ANTONIA LINDALVA DA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: DRA. JULIANA GOTARDO HEINZEN
2ª APELANTE: TAILA KALERIA PEREIRA DA CONCEIÇÃO
DEFENSORA PÚBLICA: DRA. ANNA ELIZE FENOLL AMARAL
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA
RELATÓRIO
Tratam os autos de apelações (fls. 263, 284 e 271), interpostas por ANTÔNIA LINDINALVA DA SILVA e TAILA KALERIA PEREIRA DA CONCEIÇÃO, contra a r. sentença de fls. 245/251, da lavra do MM. Juiz de Direito da Comarca de Rorainópolis, que as condenou a 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário mínimo, por infração ao art. 155, § 4.º, IV, por duas vezes, na forma do art. 71, ambos do CP.
As penas privativas de liberdade foram substituídas por 02 (duas) restritivas de direitos, a serem delineadas em audiência admonitória.
Sustenta a apelante ANTÔNIA, em suas razões (fls. 297/299-v), que as provas carreadas aos autos são insuficientes a embasar um decreto condenatório, pugnando por sua absolvição. Subsidiariamente, pleiteia a aplicação do princípio da insignificância, o afastamento do crime continuado e o reconhecimento do privilégio do art. 155, § 2.º, do CP.
Por sua vez, a apelante TAILA alega que sua participação foi de menor importância. Requer, assim, a redução da pena nos termos do art. 29, § 1.º, do CP, bem como o afastamento do crime continuado e a aplicação do furto privilegiado (fls. 300/304).
Em contrarrazões (fls. 305/314), defende o apelado o acerto do decisum guerreado, pretendendo, ao final, sua manutenção.
Em parecer de fls. 316/330, opina o Ministério Público de 2.° grau pelo desprovimento de ambos os recursos.
É o relatório.
À douta revisão regimental.
Boa Vista, 02 de agosto de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
VOTO
Consta da inicial acusatória que, no dia 01/11/2011, as apelantes furtaram do interior da Loja AL5, localizada no centro do Município de Rorainópolis, uma carteira porta-cédulas.
Em seguida, no dia 03/11/2011, no mesmo estabelecimento comercial, as acusadas subtraíram a quantia de R$ 60,00 (sessenta reais) em dinheiro e 05 (cinco) cartões de recarga de celular da operadora Oi.
A materialidade encontra-se consubstanciada nos autos de apresentação e apreensão de fls. 29/32 e 46.
Em relação à autoria, o conjunto probatório não comprovou a prática do primeiro fato descrito na denúncia (furto da carteira porta-cédulas).
Durante os interrogatórios das acusadas, nada lhes foi perguntado acerca da subtração da carteira, restringindo-se as perguntas ao furto das recargas de celular e do dinheiro (fls. 170 e 171).
O depoimento de Maria do Socorro Conceição Vaz, funcionária da loja, também não esclareceu se as recorrentes praticaram o delito. A testemunha asseverou apenas que "um dia antes elas tinham ido lá, eu não vi, mas sumiu uma carteira" (fl. 178).
Os policiais civis Antonio Rogério Neres Pinto e Lisvaldino de Freitas Viana, responsáveis pelas prisões em flagrante das acusadas, encontraram somente as recargas de celular dentro de um lixo localizado no quarto das infratoras (fls. 07 e 08).
Percebe-se, portanto, que, dentre todos os depoimentos colhidos, nenhum deles é capaz de imputar às rés, de forma segura, a prática do furto da carteira porta-cédulas, uma vez que ninguém presenciou a subtração.
Além disso, em momento algum a sentença indicou elementos concretos no sentido de que as acusadas tenham subtraído o objeto citado.
Assim, não se pode formar um juízo de certeza com base em meros indícios, pois o decreto condenatório exige prova indene de dúvida, robusta e irrefutável, o que não se verifica no caso em tela, impondo-se a reforma da sentença, neste ponto, para absolver as apelantes, em respeito ao princípio do in dubio pro reo (CPP, art. 386, VII).
Nesse sentido:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO. FURTO QUALIFICADO PELO ARROMBAMENTO. TENTATIVA DE FURTO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A condenação penal deve estar alicerçada em provas inequívocas, que não deixem dúvidas quanto à existência do crime e sua autoria.
2. Havendo dúvida razoável quanto à autoria delitiva, é de ser mantida a sentença que absolveu o acusado, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
3. Recurso ministerial conhecido e não provido" (TJDFT, Acórdão n. 1030969, 20160910091975APR, Relator: JESUINO RISSATO, Revisor: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 06/07/2017, Publicado no DJE: 14/07/2017. Pág.: 398/410).
Por outro lado, a materialidade e as autorias delitivas em relação ao segundo fato descrito na denúncia (furto das recargas e do dinheiro) restaram evidenciadas pelos autos de apresentação e apreensão de fls. 29/32 e 46 e pelos testemunhos colhidos durante a instrução processual, incluindo a confissão da acusada TAILA.
Entretanto, diante da irrelevância penal das condutas e do resultado, deve ser reconhecida a atipicidade material, aplicando-se o princípio da insignificância, com a consequente absolvição (CPP, art. 386, III).
Vale ressaltar que apenas a apelante ANTÔNIA pleiteou o reconhecimento do crime de bagatela. No entanto, com base no princípio da ampla defesa e na natureza do recurso de apelação, que é de fundamentação livre e proporciona amplo efeito devolutivo da matéria, deve ser estendida a benesse à acusada TAILA, diante da identidade fático-probatória (CPP, art. 580).
A aplicação do princípio da insignificância reflete o entendimento de que "o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, essas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem" (STJ, AgRg no AREsp 1022402/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 16/03/2017, DJe 27/03/2017).
Com efeito, o Pretório Excelso consagrou o entendimento de que, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, de forma cumulada, os seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC n.º 114723, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222, DIVULG. 11-11-2014, PUBLIC. 12-11-2014).
Assim, é de se ver que, apesar de se tratar de furto qualificado pelo concurso de pessoas, deve ser aplicado o princípio da insignificância, uma vez que é diminuto o valor da res furtiva (05 recargas de celular, estimadas em R$ 60,00, mais R$ 60,00 em dinheiro, totalizando R$ 120,00), sendo que as apelantes são primárias, de bons antecedentes, não registrando nenhuma ação penal em andamento no período anterior ou mesmo posterior aos fatos, evidenciando ser esta infração penal um caso isolado em suas vidas (fls. 66 e 67).
Ademais, o crime foi praticado durante o dia e no interior de um estabelecimento comercial, e não numa residência, a revelar a mínima ofensividade da conduta, como se infere do seguinte julgado do STF:
"Habeas corpus. Penal. Princípio da insignificância. Condenação. Pena restritiva de direitos. Furto em detrimento de estabelecimento comercial no período noturno de 2 (duas) barras de ferro avaliadas em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva restituída à vítima. Ausência de prejuízo material. Paciente primário não costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio. Reduzido grau de reprovabilidade de seu comportamento. Conduta que não causou lesividade relevante à ordem social. Satisfação concomitante dos vetores exigidos pela Corte ao reconhecimento da insignificância. Ordem concedida.
1. A configuração do delito de bagatela, conforme tem entendido a Corte, exige a satisfação de determinados requisitos, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC nº 84.412/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 19/11/04).
2. No caso dos autos, consoante se extrai da sentença de primeiro grau, é diminuto o valor da res furtiva, vale dizer, 2 (duas) barras de ferro 'viga G' avaliadas em R$ 160,00 (cento e sessenta reais), assim como o paciente é primário, não se podendo abstrair das circunstâncias referidas no édito condenatório ser ele costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio, tanto que foi agraciado com a substituição da pena corporal por restritiva de direitos.
3. Plausibilidade da tese sustentada pela defesa, já que o caso não se enquadra em nenhuma daquelas situações reconhecidas pelo Tribunal Pleno como óbice à incidência do princípio da insignificância, vale dizer, as hipóteses de furto qualificado e a caracterização de habitualidade delitiva específica ou reincidência (v.g. HC nº 123.108/MG; HC nº 123.533/SP; HC nº 123.734/MG, todos de relatoria do Ministro Roberto Barroso).
4. A hipótese de o delito ter sido praticado durante o repouso noturno, não deve ser interpretada como óbice ao reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que o furto foi praticado por agente primário em detrimento de estabelecimento comercial que não sofreu qualquer tipo de prejuízo material, segundo se infere dos autos, pois as 2 (duas) barras de ferro foram restituídas à empresa vitimada.
5. Não se mostra razoável movimentar o aparelho estatal para conferir relevância típica a um furto de pequena monta quando, como já sinalizado pelo Ministro Gilmar Mendes, 'as condições que orbitam o delito revelam a sua singeleza miudeza e não habitualidade' (HC n.º 94.220/RS, Segunda Turma, DJe de 1º/7/10).
6. O reconhecimento da inexistência de prejuízo material para o estabelecimento comercial vitimado e o fato de o paciente não ser contumaz, quando associados ao argumento de que a conduta não causou lesividade relevante à ordem social, recomendam a aplicação do postulado da bagatela.
7. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a incidência do princípio da insignificância no caso, absolvendo-se, assim, o paciente com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal." (STF, HC 136896, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2017 PUBLIC 20-02-2017).
Logo, impedir as recorrentes de se beneficiarem com o princípio da bagatela mostra-se incompatível com os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade que devem nortear o exercício do poder punitivo do Estado.
Nessa linha de raciocínio, confiram-se os precedentes de ambas as Turmas de Direito Penal do STJ, especificamente em relação ao furto qualificado pelo concurso de pessoas:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. FURTO QUALIFICADO POR CONCURSO DE PESSOAS CONTRA ESTABELECIMENTO COMERCIAL. VALOR ÍNFIMO PARA A VÍTIMA. RÉU PRIMÁRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
1. Por força do princípio da insignificância, é atípica a conduta consistente em furtar de estabelecimento comercial bens avaliados em R$ 100,00, valor irrisório ao tempo do fato, mormente se considerada a capacidade econômica da vítima.
2. Apesar de se tratar de furto qualificado pelo concurso de pessoas, o princípio tem aplicação ante à existência de mínima ofensividade e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, tanto mais porque a lesão jurídica provocada é inexpressiva, não causando repulsa social.
3. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1609444/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 12/08/2016).
"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DO ÓRGÃO MINISTERIAL DESPROVIDO.
I - In casu, foi imputado ao paciente a subtração de pedaços de barra de ferro usados que, se novos, seriam estimados em aproximadamente R$ 100,00 (cem reais). II - Embora o delito tenha sido cometido na companhia de terceiro menor, verifico que se mostra compatível com o princípio da insignificância a conduta ora examinada, haja vista a primariedade do agente e a reduzida expressividade do valor do bem subtraído. Ademais, foi comprovado nos autos que o agente trocou a res furtiva por R$20,00 (vinte) reais e um prato de comida para si e o menor. Ressalte-se, ainda, que não foi atestado pelo Tribunal a quo a ocorrência da subtração durante o repouso noturno. Portanto, é de se reconhecer, diante das peculiaridades do caso, a irrelevância penal da conduta. Agravos Regimentais do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual desprovidos" (STJ, AgRg no AREsp 589.409/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015).
Portanto, conforme exposto pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura (STJ), em seu voto condutor (AgRg no REsp 1609444/SP), não se justifica a intervenção do Direito Penal, cujo caráter fragmentário impõe a seleção dos bens jurídicos mais relevantes e a avaliação das circunstâncias do caso concreto no momento do juízo de tipicidade.
Diante de tais considerações, restam prejudicados os pedidos subsequentes formulados pela defesa.
ISTO POSTO, em dissonância com o parecer ministerial, dou provimento aos apelos para absolver ANTÔNIA LINDINALVA DA SILVA e TAILA KALERIA PEREIRA DA CONCEIÇÃO da imputação que lhes foi feita.
Determino a restituição ao estabelecimento comercial dos R$ 50,00 (cinquenta reais) apreendidos pela autoridade policial (fls. 29 e 43-v), caso ainda não tenha ocorrido.
É como voto.
Boa Vista, 08 de agosto de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
EMENTA
APELAÇÕES CRIMINAIS - FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS, EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 155, § 4.º, IV, C/C O ART. 71) - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO - ACOLHIMENTO - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO FATO - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUANTO AO CRIME REMANESCENTE - VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA - ACUSADAS PRIMÁRIAS E DE BONS ANTECEDENTES - FATO ISOLADO EM SUAS VIDAS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSOS PROVIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em dissonância com o parecer ministerial, em dar provimento às apelações, nos termos do voto do Relator.
Presenças: Des. Ricardo Oliveira (Presidente, em exercício, e Relator), Des. Almiro Padilha (Revisor), Des.ª Tânia Vasconcelos (Julgadora) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 08 de agosto de 2017.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÕES CRIMINAIS - FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS, EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 155, § 4.º, IV, C/C O ART. 71) - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO - ACOLHIMENTO - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO FATO - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUANTO AO CRIME REMANESCENTE - VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA - ACUSADAS PRIMÁRIAS E DE BONS ANTECEDENTES - FATO ISOLADO EM SUAS VIDAS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSOS PROVIDOS.
TJRR (ACr 0047.12.000081-6, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 08/08/2017, DJe: 10/08/2017)