Processo número: 0010.11.007271-6


CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010.11.007271-6 - BOA VISTA/RR
1º APELANTE: TAILON DA COSTA PINTO
DEFENSOR PÚBLICO: JOSÉ ROCELITON VITO JOCA
2º APELANTE: ELISON DA SILVA EDUARDO
DEFENSORA PÚBLICA: ROSINHA CARDODO PEIXOTO
3º APELANTE / 1º e 2º APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
3º APELADO: MARLISSON FARIAS NOGUEIRA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE PEREIRA DE ALMEIDA
RELATOR: DES. RICARDO OLIVEIRA



RELATÓRIO

Submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, foram os réus TAILON DA COSTA PINTO e ELISON DA SILVA EDUARDO condenados a 18 (dezoito) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao art. 121, § 2.º, I, III e IV, c/c o art. 29, ambos do CP. Na mesma sessão, o acusado MARLISSON FARIAS NOGUEIRA foi absolvido de tal imputação (fls. 550/553).

Irresignados, TAILON e ELISON apelaram (fl. 556), sustentando, em suas razões (fls. 658/667 e 668/678), que o julgamento foi contrário à prova dos autos, porquanto o Júri não reconheceu as teses defendidas em Plenário. Sucessivamente, pleiteiam a fixação da pena-base no mínimo legal, sendo que TAILON requer, ainda, na segunda fase da dosimetria, a redução do patamar de aumento relativo às agravantes.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua vez, inconformado com a absolvição de MARLISSON, também apelou (fl. 556), alegando que, em relação a ele, o julgamento foi contrário à prova dos autos, "vez que os elementos colhidos demonstram à saciedade que o apelado participou do crime de homicídio descrito na denúncia".

As partes ofereceram contrarrazões (fls. 686/699, 700/713 e 715/727).

Em parecer de fls. 729/736, opina o Ministério Público de 2.º grau pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

À douta revisão regimental.

Boa Vista, 05 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



VOTO

À instituição do Júri, por força do disposto no art. 5.º, XXXVIII, "c", da CF, é assegurada a soberania dos veredictos.

Portanto, só é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que se divorcia completamente dos elementos do processo, revelando-se arbitrária através de um simples exame do conjunto probatório, o que, in casu, não ocorre.

Ao concluírem que os réus TAILON DA COSTA PINTO e ELISON DA SILVA EDUARDO praticaram o crime conforme a denúncia, os jurados apenas decidiram contra as versões defensivas, mas de forma alguma manifestamente contra a prova dos autos.

Em verdade, o veredicto popular encontra sustentação nas declarações das testemunhas oculares ELIZA DA SILVA SOUZA, VALDICLEIA DA SILVA SOUZA e ERICON DA SILVA FAUSTINO, as quais narraram que TAILON e ELISON foram os responsáveis pelas facadas desferidas na vítima (fls. 11/12, 13/14, 15/16 - APF n.º 010/11, em apenso, e CD-ROM).

Da mesma forma, ao absolverem o réu MARLISSON FARIAS NOGUEIRA (vulgo "Baixinho"), os jurados apenas acolheram a tese defensiva de negativa de autoria, que encontra apoio no depoimento da testemunha ERICON DA SILVA FAUSTINO, o qual afirmou que "não viu 'Baixinho' (MARLISSON) esfaqueando a vítima" (fl. 15 do APF n.º 010/11, em apenso, e CD-ROM).

Vê-se, portanto, que a versão aceita pelos jurados, em relação aos três réus, é verossímil, encontrando apoio nas provas carreadas, motivo pelo qual deve ser mantida in totum a decisão do Júri Popular, sob pena de afronta ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.

Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2.º, INCISOS I E IV DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE TER SIDO A DECISÃO DO JÚRI CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. I. Não se qualifica como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos Jurados que se filia a uma das versões para o crime, em detrimento de outra, ambas apresentadas em Plenário, desde que a tese privilegiada esteja amparada em provas idôneas, como ocorreu na espécie (Precedentes). (...) III. Somente a decisão aberrante, manifestamente contrária à prova produzida, é que comporta anulação" (STJ, HC 146.519/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 11/05/2010, DJe 31/05/2010).

Diante disso, ainda que houvesse dúvida em relação aos fatos, não seria correto anular-se o julgamento, pois compete exclusivamente ao Conselho de Sentença comparar e aferir o grau de confiabilidade de cada depoimento, tendo a liberdade de optar por uma das versões fluentes da prova.

No que se refere à fixação da pena, melhor sorte assiste à defesa.

Em relação aos réus TAILON e ELISON, esclareço que é inviável a redução da pena-base para seu patamar mínimo, como requerido, visto que tal pleito só poderia ser acatado se todas as circunstâncias judiciais fossem favoráveis, o que não é o caso.

Entretanto, ainda na primeira fase da dosimetria, um ajuste deve ser feito.

No que tange à culpabilidade, o MM. Juiz assim consignou, para ambos os réus: "(...) a culpabilidade é extremada, sendo gravíssimo o grau de censurabilidade do ato, eis que a infração resultou em prática inadmissível em sociedade" (fls. 550 e 551).

Esse fundamento, contudo, não pode ser utilizado, eis que é inerente ao tipo penal, devendo tal circunstância ser considerada neutra.

No que tange às consequências do delito, mais uma vez não é cabível a valoração negativa, à míngua de fundamentação idônea para tanto, uma vez que o Magistrado (também em relação aos dois acusados) afirmou apenas que "(...) foram graves, por ter ceifado a vida de uma pessoa jovem" (fls. 550 e 551), o que também não se admite.

Em caso similar: 

"(...) HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. DOSIMETRIA DA PENA-BASE. PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL DO AGENTE DESFAVORÁVEIS. CONDENAÇÕES NÃO DEFINITIVAS. INADEQUAÇÃO. SÚMULA 444/STJ. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS PRÓPRIOS DO TIPO PENAL. AUMENTO INDEVIDO. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO DELITUOSO. MODO DE EXECUÇÃO. MAJORAÇÃO MOTIVADA CONCRETAMENTE.
(...)
3. A morte das vítimas é circunstância inerente ao delito previsto no artigo 121 do Código Penal, de modo que o fato de estas serem jovens, por si só, não justifica a valoração negativa das consequências do crime.
(...)
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício apenas para reduzir a pena-base e reconhecer a continuidade delitiva, reduzindo-se a reprimenda do paciente para 30 (trinta) anos e 4 (quatro) meses de reclusão." (STJ, HC 196.575/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 27/08/2014).

Assim, mostra-se necessária a redução da basilar, em relação aos apelantes TAILON e ELISON, considerando-se neutras as circunstâncias judiciais da culpabilidade e das consequências do delito.

Quanto às circunstâncias do crime, entendo que estão corretas as ponderações (também em relação aos dois réus), uma vez que a briga devido ao consumo excessivo de bebida alcoólica mostra-se desfavorável no contexto da execução do crime, não havendo reparo a ser feito na sentença, nesse ponto.

Ainda no que pertine à dosimetria, o apelante TAILON requer a redução do patamar de aumento relativo às agravantes do recurso que dificultou a defesa do ofendido e do meio cruel. 

A lei não estabelece o percentual de aumento ou de diminuição da pena no tocante às agravantes ou atenuantes genéricas. Na prática forense, todavia, consagrou-se o entendimento de que deve ser aplicada a fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base, por se tratar do menor índice estipulado pela legislação penal (CP e leis especiais) para as causas de aumento ou de diminuição da pena.

Assim, havendo duas agravantes, a jurisprudência entende adequada a majoração em 1/3 (um terço) [1/6 + 1/6]:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. (...) PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO. APONTAMENTO DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. VIABILIDADE. EXACERBAÇÃO NO PERCENTUAL RELATIVO ÀS AGRAVANTES. READEQUAÇÃO. POSSIBILIDADE.
(...)
5. Na hipótese, o Juiz do processo aduziu serem desfavoráveis a culpabilidade, a personalidade, os maus antecedentes e a conduta social do paciente, bem assim as circunstâncias nas quais os delitos foram praticados.
6. De se ver que o ora paciente é apontado como líder do tráfico de drogas em determinada região do Estado, havendo notícias de que integrava vigorosa facção criminosa, comandando os demais corréus de dentro do estabelecimento prisional.
7. Tais constatações conduzem à necessidade de apenamento mais severo, tal qual procedido na hipótese. De se ver, ainda, que foram reconhecidas duas agravantes, elementos que justificam maior reprovação.
8. Mostrando-se desarrazoada a elevação decorrente das agravantes encontradas em 1/2 (metade), é possível a readequação em sede de habeas corpus.
9. Ordem parcialmente concedida, para readequar o percentual relativo às agravantes previstas nos arts. 61, I, e 62, I, do Código Penal, de metade para um terço, reduzindo, em consequência, a pena total recaída sobre o ora paciente." (STJ, HC 187.237/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 28/04/2011, DJe 13/10/2011).

"APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 33, 'CAPUT', DA LEI N.º 11.343/06 - DOSIMETRIA - PERCENTUAL DE REDUÇÃO DA PENA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, 'D')  E DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06).
1. Na segunda fase, apesar de não haver regra legal com relação ao percentual de redução/majoração de pena, a jurisprudência e a doutrina, orientadas pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, costumam aplicar a fração de 1/6 (um sexto). 
2. Tendo o juiz sentenciante considerado a natureza e a quantidade de drogas para exasperar a pena-base, tal argumento não pode ser novamente utilizado na terceira fase da dosimetria, sob pena de bis in idem. Precedentes do Plenário do STF e do STJ.
3. Apelo desprovido" (TJRR, Ap. Crim. n.º 0010.12.006507-2, Rel. Des. Ricardo Oliveira, Câmara Criminal, j. 14/02/2017, DJe 21/02/2017, p. 11).

Logo, correta a sentença, nesse aspecto.

Passo, então, à nova dosimetria.

Em relação ao réu TAILON DA COSTA PINTO:

Sopesando as mesmas circunstâncias judiciais já analisadas na primeira instância, com os esclarecimentos acima, tenho como necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime a pena-base de 12 (doze) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase, presente a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), reduzo a pena em 06 (seis) meses, em observância à Sumula 231 do STJ, perfazendo 12 (doze) anos de reclusão. 

O motivo torpe já foi utilizado para qualificar o crime (art. 121, § 2.º, I, do CP). Presentes as agravantes do recurso que dificultou a defesa do ofendido (art. 61, II, "c", do CP) e do meio cruel (art. 61, II, "d", do CP), elevo a sanção em 1/3 (um terço), resultando em 16 (dezesseis) anos de reclusão.

Na terceira fase, não existem causas de diminuição ou aumento, razão pela qual fixo a pena definitiva em 16 (dezesseis) anos de reclusão.

A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida em regime inicial fechado (CP, art. 33, § 2.º, "a").

Incabíveis a substituição da reprimenda corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, I) e a suspensão da pena (CP, art. 77, caput).

A detração será realizada pelo juízo da execução (CPP, art. 387, § 2.º; LEP, art. 66, III, "c").

Em relação ao réu ELISON DA SILVA EDUARDO:

Sopesando as mesmas circunstâncias judiciais já analisadas na primeira instância, com os esclarecimentos acima, tenho como necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime a pena-base de 13 (treze) anos de reclusão.

Na segunda fase, não há atenuantes.

O motivo torpe já foi utilizado para qualificar o crime (art. 121, § 2.º, I, do CP). Presentes as agravantes do recurso que dificultou a defesa do ofendido (art. 61, II, "c", do CP) e do meio cruel (art. 61, II, "d", do CP), elevo a sanção em 1/3 (um terço), resultando em 17 (dezessete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Na terceira fase, não existem causas de diminuição ou aumento, razão pela qual fixo a pena definitiva em 17 (dezessete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida em regime inicial fechado (CP, art. 33, § 2.º, "a").

Incabíveis a substituição da reprimenda corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, I) e a suspensão da pena (CP, art. 77, caput).

A detração será realizada pelo juízo da execução (CPP, art. 387, § 2.º; LEP, art. 66, III, "c").

Conclusão:

ISTO POSTO, em consonância parcial com o parecer ministerial, dou provimento, em parte, ao 1.º e 2.º apelos (defesa), para redimensionar as penas de TAILON DA COSTA PINTO e ELISON DA SILVA EDUARDO, nos termos acima explicitados; e nego provimento ao 3.º apelo (acusação).

É como voto.

Boa Vista, 12 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



EMENTA

APELAÇÕES CRIMINAIS - TRIBUNAL DO JÚRI - ART. 121, § 2.º, I, III E IV, C/C O ART. 29, AMBOS DO CP - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES FLUENTES DA PROVA - VEREDICTO POPULAR MANTIDO - DOSIMETRIA - PENA-BASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA EM RELAÇÃO A ALGUNS DOS VETORES DO ART. 59 DO CP - NECESSIDADE DE REDUÇÃO - AGRAVANTES - MAJORAÇÃO PROPORCIONAL - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL, INCLUSIVE DESTA CÂMARA, NO SENTIDO DE QUE SEJA ADOTADA A FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) PARA CADA AGRAVANTE - PENAS REDIMENSIONADAS - 1.º E 2.º APELOS (DEFESA) PARCIALMENTE PROVIDOS - 3.º APELO (ACUSAÇÃO) DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância parcial com o parecer ministerial, em dar provimento, em parte, ao 1.º e 2.º apelos (Tailon da Costa Pinto e Elison da Silva Eduardo), e negar provimento ao 3.º apelo (Ministério Público), nos termos do voto do Relator.

Presenças: Des. Leonardo Cupello (Presidente e Revisor), Des. Ricardo Oliveira (Relator), Juiz Convocado Luiz Fernando Mallet (Julgador) e o representante da douta Procuradoria de Justiça.

Sala das Sessões, em Boa Vista, 12 de dezembro de 2017.

Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÕES CRIMINAIS - TRIBUNAL DO JÚRI - ART. 121, § 2.º, I, III E IV, C/C O ART. 29, AMBOS DO CP - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES FLUENTES DA PROVA - VEREDICTO POPULAR MANTIDO - DOSIMETRIA - PENA-BASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA EM RELAÇÃO A ALGUNS DOS VETORES DO ART. 59 DO CP - NECESSIDADE DE REDUÇÃO - AGRAVANTES - MAJORAÇÃO PROPORCIONAL - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL, INCLUSIVE DESTA CÂMARA, NO SENTIDO DE QUE SEJA ADOTADA A FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) PARA CADA AGRAVANTE - PENAS REDIMENSIONADAS - 1.º E 2.º APELOS (DEFESA) PARCIALMENTE PROVIDOS - 3.º APELO (ACUSAÇÃO) DESPROVIDO.

TJRR (ACr 0010.11.007271-6, Câmara Criminal, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, julgado em 12/12/2017, DJe: 10/01/2018)