Processo número: 0000.17.002833-6


CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS Nº 0000.17.002833-6 - BOA VISTA/RR
IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DE RORAIMA
PACIENTE: EUCLIDES PEREIRA LIMA JÚNIOR
AUT. COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DO JÚRI
RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET



R E L A T Ó R I O

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de EUCLIDES PEREIRA LIMA JÚNIOR contra ato supostamente ilegal do MM. Juiz de Direito da 1.ª Vara do Tribunal do Júri de Boa Vista que, após o veredicto condenatório proferido pelo Conselho de Sentença, prolatou sentença, às fl.15/17, determinando a imediata expedição de mandado de prisão  em desfavor do ora paciente para cumprimento provisório da pena.
Em síntese, o impetrante alega que o paciente respondeu ao processo em liberdade desde a data fato, ocorrido há mais de 09 (nove) anos, sem qualquer registro desabonador durante o referido período, razão pela qual entende que a negativa de recorrer em liberdade configuraria constrangimento ilegal por violação à presunção de inocência e ao duplo grau de jurisdição. 
Requer, ao final, a imediata soltura do paciente, em sede liminar, e, no mérito, a concessão definitiva da ordem.
Às fls. 28/29, a liminar foi indeferida.
Informações da autoridade apontada como coatora às fls. 105.
Parecer da Procuradoria de Justiça, às fls.110/115, opinando pela denegação da ordem.
É o relatório. 
Boa Vista, 06 de fevereiro de 2018.

Juiz convocado Luiz Fernando Mallet - Relator



V O T O

Conforme relatado, o impetrante alega a existência de constrangimento ilegal por parte do MM. Juiz da 1.ª Vara do Tribunal do Júri que, após veredicto condenatório proferido pelo egrégio Tribunal do Júri, determinou a prisão do paciente para  execução provisória da pena.
Sustenta a Defesa, em síntese, que a decisão impugnada violaria aos princípios da presunção de inocência; da não-culpabilidade e do duplo grau de jurisdição, vez que o paciente respondeu ao processo em liberdade, sem qualquer registro em seu desfavor.
Compulsando os autos, em que pese a alegação de constrangimento ilegal trazida pelo impetrante, verifica-se que  a decisão impugnada possui respaldo na mais atual jurisprudência pátria, notadamente em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no HC 118.770/SP, indicando que não é vedado ao juízo a quo, em condenações pelo Tribunal do Júri, determinar o imediato cumprimento provisório da pena. Anote-se:
"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO, AMBOS QUALIFICADOS. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. 2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso. 4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: "A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.
(HC 118770, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 20-04-2017 PUBLIC 24-04-2017)"
Nesse mesmo sentido, trago à baila os seguintes precedente do TJRS:
"HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. TRIBUNAL DO JÚRI. POSSIBILIDADE. CONFORME VEM DECIDINDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É VEDADO AO JUÍZO A QUO, EM CONDENAÇÕES PELO TRIBUNAL DO JÚRI, DETERMINAR O IMEDIATO INÍCIO DO CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA PENA. CONSIDERANDO A MUDANÇA DE ENTENDIMENTO PELA SUPREMA CORTE, ATRAVÉS DO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS N.º 118.770/SP, DA LAVRA DO MINISTRO LUIZ ROBERTO BARROSO, NÃO HÁ ILEGALIDADE A SER SANADA NO CONTEXTO DOS AUTOS EM EXAME. ORDEM DENEGADA, POR MAIORIA." (TJRS/Habeas Corpus Nº 70075655266, Terceira Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes, Julgado em 08/11/2017)
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. PRISÃO DOMICILIAR. MOLÉSTIA GRAVE. NÃO COMPROVADA NECESSIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. 1. Paciente condenado pelo Plenário do Tribunal do Júri à pena de 07 anos em regime inicialmente fechado ante sua incidência nas penas do art. 121, §2°, III, c/c art. 14, II, ambos do CP. 2. No julgamento do habeas corpus n. 118.770/SP, o Supremo Tribunal Federal entendeu por autorizar a execução antecipada da pena a partir da decisão condenatória proferida em sessão plenária do Tribunal do Júri. Todavia, a decisão pode ser impugnada caso se constate flagrante ilegalidade no julgamento. 3. Inexistente ilegalidade na modificação do regime e na execução imediata da pena privativa de liberdade, pois ambas de acordo com os preceitos da legalidade e do devido processo legal. A modificação do regime de cumprimento de pena, em sede de embargos declaratórios, levou em consideração a contradição entre a gravidade em concreto do delito, atestada pela majoração de duas vetoriais do art. 59, caput, do CP, e a manutenção do regime legal. 4. Incomprovada a impossibilidade de tratamento da doença em conjunto com a segregação em regime fechado. Pedido que deve ser veiculado ao juízo da execução, face à existência de PEC. 5. Tratando-se de cumprimento antecipado de pena, não se mostram relevantes possíveis condições pessoais favoráveis, ao menos para análise da segregação. DENEGARAM A ORDEM. POR MAIORIA. (Habeas Corpus N° 70075170621, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em 18/10/2017). (grifo nosso).
Assim, de acordo com o precedente paradigma do STF, em se tratando de condenação pelo Tribunal do Júri, o princípio constitucional da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o princípio da soberania dos veredictos e a da efetividade e credibilidade do sistema de justiça criminal em crimes dolosos contra a vida.
Tal peculiaridade faz-se presente em julgados do Tribunal do Júri justamente porque a alteração do mérito de sua decisão é mais rígida que nos demais casos, uma vez que apenas diante de flagrante nulidade no procedimento ou de decisão manifestamente contrária a prova dos autos é possível falar-se na anulação do julgamento.
Extrai-se, a propósito, o seguinte trecho do voto condutor do Acórdão proferido pelo Ministro Luiz Roberto Barroso:
"interpretação que interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas."
Vê-se que a decisão proferida pelo STF no Acórdão acima citado é desdobramento do que fora anteriormente decidido no Plenário Físico da Corte Suprema no HC 126.292 Rel. Min. Teori Zavascki; ADCs 43 e 44, Rel. Min. Marco Aurélio e pelo Plenário Virtual (ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki), relativamente à exequibilidade das condenações criminais após o julgamento em segundo grau de jurisdição.
Desta forma, conforme entendimento da Corte Suprema, não há que se falar em constrangimento ilegal, tendo em vista que o cumprimento provisório da pena é corolário lógico da condenação imposta pelo Júri, em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Conselho de Sentença e eventual Apelação ao Tribunal de Justiça possibilitaria, apenas, a submissão do réu a novo julgamento pelo Júri. 
Com efeito, como regra geral, o Tribunal não poderá substituir uma decisão do júri, mas apenas determinar a realização de um novo julgamento quando constatada decisão manifestamente contrária a prova dos autos, ou a existência de nulidade no julgado, vez que o juiz togado não pode rediscutir autoria ou materialidade, ante a impossibilidade de substituir os jurados na apreciação de fatos e provas. Daí ser legítima a execução antecipada da condenação.
Assim, pelo novel entendimento, o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional da efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa resguardar, mormente a soberania dos veredictos e a efetividade e credibilidade do sistema de justiça criminal no caso de crimes dolosos contra a vida.
Ademais, cumpre registrar que a ressalva mencionada no Acórdão proferido pelo STF que permitiriam a suspensão da decisão constritiva até o julgamento de eventual recurso pela Defesa, quais sejam, indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, a princípio, não se fazem presentes nos autos, cingindo-se a impetração, tão somente, à possibilidade de o paciente recorrer em liberdade face à condenação que lhe foi imposta.
Quanto à alegada precária condição de saúde do paciente, que encontra-se em tratamento para hanseníase, depreende-se do Relatório Médico de Alta Hospitalar (fls. 34/35), que Euclides Pereira Lima Júnior, de 24 anos, pode continuar o tratamento da Hanseníase na Unidade Prisional, pois nas palavras do médico responsável por sua liberação da unidade de saúde, em 23 de novembro de 2017:
"o paciente encontra-se estável clinicamente, sem sinais de processo infeccioso (...) em desmame de Corticóide. Exames laboratoriais dentro dos padrões normais para seu quadro clínico. Necessitando de continuidade de tratamento para Hanseníase (Paciente está com medicações nas mãos) e analgesia contínua. Procedimentos que não necessitam de internação hospitalar para sua continuidade. Podem ser realizados a nível ambulatorial." (grifo nosso).
Com lastro nos argumentos apresentados, o Dr. Edson Castro Neto, médico, decidiu pela Alta Hospitalar do paciente.
Como bem assinalado no judicioso parecer ministerial, os demais documentos juntados aos autos não comprovam a necessidade superveniente da internação hospitalar ou de conclusão diversa daquela já feita pelo médico.
Logo, não há impedimentos para que o paciente permaneça cumprindo a r. sentença que determinou a execução imediata da pena privativa de liberdade.
Ressalte-se que eventual mudança no estado de saúde do paciente deve ser informada diretamente ao juízo da execução para adoção das medidas cabíveis,
Diante de tais considerações, em consonância com o parecer ministerial, conheço e nego provimento ao presente Habeas Corpus, mantendo a decisão vergastada.
É como voto.
Boa Vista, 06 de fevereiro de 2018.

Juiz convocado Luiz Fernando Mallet - Relator



EMENTA 

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. ATUAL ENTENDIMENTO DO STF (HC 118.770). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. O ora paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri, em 21 de novembro de 2017, pelo crime previsto no art. 121, § 2.º, IV do Código Penal.
2. Embora estivesse usufruindo de liberdade provisória por ocasião do julgamento, o MM. Juiz a quo, seguindo o atual entendimento da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, (HC 118.770, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 07/03/2017), determinou  o imediato recolhimento do acusado para cumprimento provisório da pena.
3. Assim, de acordo com o novel entendimento do STF, nas condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Conselho de Sentença, não constitui violação ao princípio da presunção de inocência o imediato cumprimento provisório da pena, ressalvada a possibilidade de suspensão da decisão constritiva, uma vez verificada, de plano, a existência de nulidade no julgamento, ou em caso de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, o que não se amolda à hipótese presente.
4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial, para manter a decisão impugnada.



A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores membros da Câmara Criminal - por unanimidade, e em consonância com o parecer ministerial, em denegar a ordem, nos termos do voto do Relator.
Estiveram presentes à Sessão os eminentes Desembargadores  Almiro Padilha e  Euclides Calil. Também presente o(a) ilustre representante do Ministério Público graduado.
Sala das Sessões, TJ-RR, em 06 de fevereiro de 2018

Juiz convocado Luiz Fernando Mallet – Relator



RESUMO ESTRUTURADO
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. ATUAL ENTENDIMENTO DO STF (HC 118.770). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. O ora paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri, em 21 de novembro de 2017, pelo crime previsto no art. 121, § 2.º, IV do Código Penal.
2. Embora estivesse usufruindo de liberdade provisória por ocasião do julgamento, o MM. Juiz a quo, seguindo o atual entendimento da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, (HC 118.770, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 07/03/2017), determinou  o imediato recolhimento do acusado para cumprimento provisório da pena.
3. Assim, de acordo com o novel entendimento do STF, nas condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Conselho de Sentença, não constitui violação ao princípio da presunção de inocência o imediato cumprimento provisório da pena, ressalvada a possibilidade de suspensão da decisão constritiva, uma vez verificada, de plano, a existência de nulidade no julgamento, ou em caso de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, o que não se amolda à hipótese presente.
4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial, para manter a decisão impugnada.

TJRR (HC 0000.17.002833-6, Câmara Criminal, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, julgado em 06/02/2018, DJe: 08/02/2018)