Processo número: 9002439-77.2021.8.23.0000


CÂMARA CÍVEL - PRIMEIRA TURMA 

AGRAVO INTERNO Nº. 9002439-77.2021.8.23.0000
AGRAVANTE: ESTADO DE RORAIMA
AGRAVADA: TANIA LIMA DE SÁ CRUZ OLIVEIRA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA



RELATÓRIO

ESTADO DE RORAIMA interpôs Agravo Interno contra a Decisão do EP 12 do Agravo de Instrumento nº. 9002439-77.2021.8.23.0000.

Consta nos autos que o Juiz de Direito da 2ª. Vara da Fazenda Pública proferiu decisão no EP 55 do Cumprimento de Sentença nº. 0806122-52.2020.8.23.0010, nos seguintes termos:

“Proc. n.° 0806122-52.2020.8.23.0010

DECISÃO

Intimado para comprovar o cumprimento da obrigação de fazer, a parte executada deixou de apresentar qualquer documento que ateste o cumprimento da obrigação de fazer estabelecida.

Assim, passados aproximadamente três meses desde o prazo final para comprovação do cumprimento do comando judicial, proceda-se a expedição de ofício ao Banco do Brasil S/A – Agência Setor Público que realize o bloqueio de R$ 6.000,00 (seis mil reais) na conta do Estado de Roraima, a título de multa coercitiva, prevista do decisum lançado no evento 46, com determinação de transferência do respectivo valor para uma conta judicial vinculada ao presente feito.

Após, remeta-se o presente processo à Contadoria Judicial, para anotação de eventuais obrigações, tributária e previdenciária, incidentes sobre pessoa física (exequente), em relação ao valor penhorado.

Intime-se o executado para conhecimento da presente decisão, no prazo de 30 (trinta) dias, e, com o retorno do processo da Contadoria, transcorrido o prazo para oposição/interposição do recurso cabível, expeça-se alvará de levantamento em nome do exequente, nos termos dos §§2º e 3º do art. 537 do CPC.

Dando regular prosseguimento aos presentes autos, estabeleço o prazo de 10 (dez) dias para que o executado promova o reenquadramento da exequente na jornada assinalada no requerimento administrativo, sob pena de multa por descumprimento que majoro para R$ 8.000,00 (oito mil reais), com fulcro nos arts. 536 e 537 c/c inciso IV, do art. 139, ambos do Código de Ritos.

Intimem-se e Cumpra-se.

Boa Vista, data constante do sistema”.

O agravo de instrumento foi desprovido e o ESTADO interpôs o presente agravo interno.

O Agravante alega, em síntese, que (EP 01):

a) o recurso é tempestivo;

b) é necessária uma sentença com trânsito em julgado para que haja o pagamento por parte da fazenda pública;

c) o título executivo é exigível a partir do trânsito em julgado da sentença, que não foi comprovado no presente processo;

d) “Portanto, nula é a determinação judicial proferida pelo juízo de piso, pois os valores apresentados não se revestem de exigibilidade, uma vez que não houve a juntada de certidão de comprovação do trânsito em julgado da sentença condenatória relativa à obrigação de pagar quantia” (fl. 06).

Pede a reforma da decisão para reconhecer a impossibilidade de bloqueio de valores.

A Agravada apresentou contrarrazões no EP 10, dizendo, em resumo, que:

a) o princípio da dialeticidade não foi observado;

b) “Gerando desta forma, o presente Cumprimento de Sentença entre outros. Vale ressaltar, que o Estado de Roraima desde o início vem tumultuando o presente cumprimento de sentença, arguindo fatos inexistentes na OBRIGAÇÃO DE FAZER, pois já faz mais 02 anos do trânsito do julgado da Ação de Conhecimento sem o seu devido cumprimento” (fl. 02);

c) a jurisprudência admite a aplicação de multa por descumprimento de ordem judicial contra a fazenda pública.

Pede que a decisão seja mantida.

É o relatório.



VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade.

Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando o julgador puder extrair do recurso os fundamentos suficientes e a notória intenção de reforma da sentença, não haverá ofensa ao princípio da dialeticidade. Confira-se:

“1. Esta Corte Superior já firmou entendimento no sentido de que não há ofensa ao princípio da dialeticidade quando puderem ser extraídos do recurso de apelação fundamentos suficientes e notória intenção de reforma da sentença” (STJ, trecho da ementa do AgInt no AREsp 1753209/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2021).

Este Tribunal de Justiça, em julgamento com quorum qualificado, adotou o mesmo entendimento. Confira-se:

“AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR. CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. PERTINÊNCIA ENTRE A IMPUGNAÇÃO E A MATÉRIA DECIDIDA. COMPREENSÃO DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO. 1. O princípio da dialeticidade consiste na exigência de que o recorrente apresente motivação apta a justificar a reforma ou a anulação da decisão, devendo especificar os fundamentos e os respectivos argumentos da sua insatisfação. 2. O excessivo rigor na análise dos fundamentos trazidos nas razões recursais dos recorrentes pode conduzir a uma indesejável negativa de jurisdição e a uma injustificável mitigação dos princípios do duplo grau de jurisdição e da colegialidade. 3. No caso em análise, não se verifica violação ao princípio da dialeticidade, uma vez que os fundamentos centrais da decisão monocrática foram impugnados no recurso. 4. Agravo interno que deve ser submetido a julgamento do Tribunal Pleno Turma Cível, em atenção ao princípio da colegialidade” (TJRR, AgInt 9000932- 81.2021.8.23.0000, Presidência, Rel. Des. MOZARILDO CAVALCANTI, julgado em 10/11/2021).

No caso concreto, é possível entender os fundamentos e a intenção de reforma da sentença por parte do Agravante.

Registro, novamente (como fiz na decisão agravada), que a previsão de multa e seu valor foram feitas na sentença executada, que transitou em julgado. Contudo, exclusivamente a questão da multa por descumprimento de ordem judicial não preclui nem faz coisa julgada material, conforme o entendimento do STJ (vide, por exemplo, AgInt no REsp 1882502/SP).

O Superior Tribunal de Justiça entende pelo cabimento da multa em discussão contra a fazenda pública, inclusive sob o regime de recurso repetitivo.

Transcrevo, novamente, os precedentes que utilizei:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. CUMPRIMENTO. FAZENDA PÚBLICA. MULTA DIÁRIA. CABIMENTO. VALOR. REVISÃO. REEXAME FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.474.665/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, reafirmou a compreensão pacífica desta Corte no sentido de ser cabível a imposição de multa em condenações de obrigação de fazer contra a Fazenda Pública.
2. A reapreciação dos critérios previstos no art. 497 do CPC/2015 (ou do art. 461 do CPC/1973) ‘para a fixação de seu valor e a análise da adequação do prazo fixado para o cumprimento da obrigação ensejaria o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. Excepcionam-se apenas as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura na espécie.’ (AgRg no AREsp 619.408/SE, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015).
3. Caso em que o Tribunal de origem, sem tecer maiores detalhes acerca das circunstâncias que cercam o caso concreto, concluiu que a imposição de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) por dia estaria condizente e razoável, circunstância que esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ.
4. Agravo interno desprovido” (STJ, AgInt no REsp 1932060/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2021).

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“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. ACÓRDÃO PARADIGMA: RESP 1.474.665/RS, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJE 22.6.2017 (TEMA 98). ASTREINTES FIXADAS EM R$ 1.000,00. MONTANTE QUE NÃO SE AFIGURA EXCESSIVO. INVIABILIDADE DE DIMINUIÇÃO DA QUANTIA SEM REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO INTERNO DO ENTE ESTADUAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior - reafirmada em sede de julgamento repetitivo (Tema 98) - posiciona-se de maneira uníssona pelo cabimento da cominação de multa diária em face do Poder Público como meio coercitivo para o cumprimento de determinações judiciais.
2. A apreciação dos critérios previstos no art. 537 do Código Fux, quanto ao seu enquadramento e quanto à correta fixação do valor, ensejaria nova análise dos fatos e das provas da causa. Excepcionam- se dessa limitação apenas as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante, que podem ser revistas em sede de Recurso Especial.
3. No caso dos autos, o valor diário de R$ 1.000,00 não se mostra excessivo, mormente quando se considera a relevância do bem jurídico (o direito à saúde) tutelado.
4. Agravo Interno do Ente Estadual a que se nega provimento” (STJ, AgInt no AREsp 1604195/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020).
 
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“PROCESSUAL CIVIL. FIXAÇÃO DE ASTREINTES CONTRA O PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE.
1. O STJ entende ser cabível a cominação de multa diária (astreinte) contra a Fazenda Pública como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa (arts. 536 e 537 do CPC/2015).
2. Recurso Especial provido” (STJ, REsp 1827009/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2019).

No que se refere à desnecessidade do regime de precatório para a efetivação de sentença de obrigação de fazer, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PELA FAZENDA PÚBLICA. REGIME DE PRECATÓRIO AFASTADO. PRECEDENTES.
1. O caso envolve descumprimento, pela Administração Pública, de obrigação de fazer determinada por decisão judicial transitada em julgada, o que afasta a exigência do regime de precatórios. Nesse sentido: RE 573.872-RG.
2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF).
3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, em caso de unanimidade da decisão” (STF, RE 636158 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 30/06/2017). 

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“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO. SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS (ART. 100, CF/88). EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE DÉBITOS DA FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. EMENDA CONSTITUCIONAL 30/2000.
1. Fixação da seguinte tese ao Tema 45 da sistemática da repercussão geral: ‘A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios.’
2. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da inaplicabilidade ao Poder Público do regime jurídico da execução provisória de prestação de pagar quantia certa, após o advento da Emenda Constitucional 30/2000. Precedentes.
3. A sistemática constitucional dos precatórios não se aplica às
obrigações de fato positivo ou negativo, dado a excepcionalidade do regime de pagamento de débitos pela Fazenda Pública, cuja interpretação deve ser restrita. Por consequência, a situação rege-se pela regra regal de que toda decisão não autossuficiente pode ser cumprida de maneira imediata, na pendência de recursos não recebidos com efeito suspensivo.
4. Não se encontra parâmetro constitucional ou legal que obste a pretensão de execução provisória de sentença condenatória de obrigação de fazer relativa à implantação de pensão de militar, antes do trânsito em julgado dos embargos do devedor opostos pela Fazenda Pública.
5. Há compatibilidade material entre o regime de cumprimento integral de decisão provisória e a sistemática dos precatórios, haja vista que este apenas se refere às obrigações de pagar quantia certa. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (STF, RE COM REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO 573872, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/05/2017).

Menciono, também, um trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº. 1266044/SP: “2. Como afirmado na decisão agravada, o Supremo Tribunal Federal assentou que a efetivação de sentença pela qual se impõe à Fazenda Pública obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa não se submete ao regime dos precatórios”.

Por essas razões, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É como voto.

Boa Vista, 05 de maio de 2022.

Des. Almiro Padilha Relator



EMENTA

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESNECESSIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os integrantes da Primeira Turma Cível da Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
 
Participaram do julgamento os Desembargadores Almiro Padilha, Elaine Bianchi e Mozarildo Cavalcanti.

Boa Vista, 05 de maio de 2022.


Almiro Padilha
Des. Relator



RESUMO ESTRUTURADO
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESNECESSIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

TJRR (AgInt 9002439-77.2021.8.23.0000, Câmara Cível, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, julgado em 05/05/2022, DJe: 12/05/2022)