CÂMARA CÍVEL - PRIMEIRA TURMA
APELAÇÃO Nº 0824243-31.2020.8.23.0010
APELANTE: FEDERAÇÃO DAS UNIMEDS DA AMAZÔNIA
APELADO: A. A. S. G REPRESENTADO POR PÂMELA MORAES DE SOUZA
RELATORA: DESEMBARGADORA ELAINE BIANCHI
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista-RR (EP . 64.1), nos autos da ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência c/c indenização por danos morais, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o réu em “i) obrigação de garantir o tratamento da autora nos moldes da prescrição médica; ii) ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, com juros de mora de 1% a.m., a contar da citação válida, e correção monetária, pelo índice oficial deste Tribunal, a partir da publicação desta decisão; iii) ao pagamento de R$ 5.330,00 (cinco mil, trezentos e trinta reais)a título de danos materiais, com juros legais de mora (1% a.m.) da citação, e correção monetária, pelo índice oficial deste Tribunal, da data de cada desembolso”.
Em suas razões recursais aduz a parte recorrente que “a operadora não busca “determinar a forma de tratamento”, mas tão somente fornece os serviços nos limites do contrato entabulado, ficando à discricionariedade do beneficiário arcar com serviços além do pactuado se assim desejar, como de fato ocorreu” e que “a amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS”.
Reforça que a jurisprudência pátria não é uníssona quanto à natureza do rol de procedimentos e eventos em saúde, mas que a RN nº 465/2021 sedimentou o entendimento pela taxatividade.
Informa que “a parte contrária jamais formulou pedido de psicopedagogo, mas sim de Acompanhante Terapêutico (AT) estritamente para propósitos escolares conforme expressamente ditado pelo laudo médico” e, ainda, que “o plano-de-saúde se presta estritamente ao custeio apenas dos profissionais que atuem no âmbito médico-hospitalar”.
Reforça que a sentença não analisou o pedido subsidiário de custeio em coparticipação e “ainda que houvesse concessão dos pedidos, ele não podia se dar de forma indiscriminada e/ou ilimitada, devendo a cobertura total (paga integralmente pela operadora) ser adstrita ao número de consultas fixado na lista da Agência”.
Por fim, defende o não cabimento da condenação por dano moral, sob o fundamento de que a parte não comprovou o suposto abalo psicológico sofrido.
Pugna pelo provimento do recurso com a reforma integral da sentença ou, ao menos, a reforma parcial para afastar completamente a condenação do dano moral (EP . 73.1).
Em sede de contrarrazões, a recorrida alega que “o argumento de que o rol apresentado pela ANS seria taxativo, não merece prosperar, principalmente por não ser possível a previsão de todos os tipos de tratamento que são fornecidos e aplicados na medicina”.
Quanto ao acompanhamento terapêutico, defende que “A assistência à criança autista não resta resumida ao acompanhamento escolar especializado. Outro profissional é de extrema importância no acompanhamento da criança autista em sala de aula, sendo este um profissional, integrante da Equipe Multiprofissional de tratamento da criança e responsável por aplicar a intervenção ABA” e que “a limitação de quantidade de sessões de terapia para paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro de Autista, fere a Carta Magna, pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e o Princípio do Acesso à Saúde”.
Finalmente, em relação ao dano moral, afirma que “O Superior Tribunal de Justiça ao analisar casos análogos ao presente, pacificou o entendimento no sentido de que “a injusta recusa de plano de saúde à cobertura securitária enseja reparação por dano moral”.
Pugna que seja negado provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença em todos os seus termos (78.1).
O Parquet graduado manifestou-se pela rejeição das razões apresentadas, mantendo-se a sentença por seus bastantes fundamentos (EP . 13.1).
Consta certidão de tempestividade e adequado recolhimento do preparo no EP. 8.1.
É o necessário a relatar.
Inclua-se em pauta de julgamento eletrônico, nos termos do art. 109 do RITJRR.
Havendo manifestação na forma do art. 110-B, inciso II, e inserindo-se nas hipóteses do art. 102, ambos do RITJRR, inclua-se o feito em pauta presencial (videoconferência).
Boa Vista-RR,16 de novembro de 2021.
ELAINE BIANCHI
Desª. - Relatora
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise do mérito.
Da análise dos autos e das razões invocadas pela parte apelante, tenho que a pretensão recursal não merece acolhimento.
Isso porque, de acordo com os laudos médicos acostados nos EPs. 1.4, 1.9, 1.10, o menor apelado foi diagnosticado com TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA, CID F 84.0, com a necessidade de acompanhamento por profissionais especialistas nas terapias comportamental, ocupacional e fonoaudióloga, todos pelo método ABA ou Denver.
Um dos laudos colacionados recomenda a presença de auxiliar terapêutico durante o período escolar, também pelo método supracitado.
Primeiramente, não merece guarida o argumento do apelante de que a operadora de plano de saúde somente fornece os serviços nos limites do contrato entabulado. Sobre o tema, o STJ já se posicionou acerca da abusividade de tais limitações, consoante julgado in verbis:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANOS DE SAÚDE. LIMITAÇÃO OU RESTRIÇÃO A PROCEDIMENTOS MÉDICOS, FONOAUDIOLÓGICOS E HOSPITALARES. CLÁUSULA ABUSIVA. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. À luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetam de maneira significativa a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares (v.g. limitação do tempo de internação, número de sessões de fonoaudiologia, entre outros) prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes. 2. Se há cobertura de doenças ou sequelas relacionadas a certos eventos, em razão de previsão contratual, não há possibilidade de restrição ou limitação de procedimentos prescritos pelo médico como imprescindíveis para o êxito do tratamento, inclusive no campo da fonoaudiologia. 3. Incabível o exame de teses não expostas no recurso especial e invocadas apenas no agravo interno, pois configura indevida inovação recursal 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1219394 BA 2017/0322768-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 07/02/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/02/2019) (Grifos acrescidos)
No tocante à natureza do rol de procedimentos previstos pela ANS, é válido destacar dispositivo da Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: [...]
No mesmo sentido, a Lei 9.961/00, que criou a ANS, prevê que compete à agência, “elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades” (art. 4º, inciso III).
Pois bem.
Primeiramente, como se depreende dos dispositivos supra, um plano-referência abarca determinados “tratamentos” de doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças editada pela OMS.
No caso em apreço, o recorrente possui transtorno do espectro autista, constante da classificação internacional de doenças como “F 84.0” e que ocasiona prejuízos e dificuldades na área de comunicação e linguagem, nas habilidades sociais, para brincar e para autocuidado, além do processamento sensorial diferenciado, necessitando de intervenção terapêutica intensa.
A alegação da recorrente se resume ao fato de que a amplitude da cobertura é delineada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS que, segundo aduz, estabeleceu um rol taxativo de procedimentos a serem abarcados pelos contratos de seguro saúde.
Ora, a 4ª Turma do STJ proferiu decisão no REsp nº 1.733.013-PR decidindo pela taxatividade do rol, contudo, a posição majoritária do e. Tribunal Superior é no sentido de que o rol é exemplificativo, sob o fundamento de que “compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o tratamento, mas, sim, custear as despesas de acordo com a melhor técnica”.
É o que se observa dos julgados litteris:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. LIMITAÇÃO DE SESSÕES DE TERAPIAS ESPECIALIZADAS. RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA. 1. Ação de obrigação de fazer, na qual se imputa à operadora de plano de saúde a conduta abusiva de negar a cobertura de terapias especializadas prescritas para o tratamento da doença que acomete o beneficiário (transtorno do espectro autista). 2. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de procedimento cirúrgico prescrito para o tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. 3. Consoante jurisprudência desta Corte "é o médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde - quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta" (REsp 1.679.190/SP, 3ª Turma, DJe de 02/10/2017). 4. Agravo interno no recurso especial não provido.(STJ - AgInt no REsp: 1937863 DF 2021/0143548-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/10/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/2021) (Grifos acrescidos)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO. LIMITAÇÃO DE SESSÕES DE TERAPIA. CONDUTA ABUSIVA. INDEVIDA NEGATIVA DE COBERTURA. PRECEDENTES. SÚMULA N. 83/STJ. RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA TERCEIRA TURMA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1.O entendimento desta Corte Superior é firme no sentido de que "há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento de terapia por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei 8.078/1990). Precedente" (REsp 1.642.255/MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018). 2. Cabe ressaltar o advento de um precedente da Quarta Turma em sentido contrário ao deste voto - REsp n. 1.733.013/PR, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020 -, conforme apontado pela ora agravante. Entretanto, esse precedente não vem sendo acompanhado pela Terceira Turma, que ratifica o seu entendimento quanto ao caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos. 3. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1721252/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020) (Grifos acrescidos)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO. DOENÇA COBERTA PELO PLANO. ABUSIVIDADE. ALEGAÇÃO DE PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. IRRELEVANTE. ENUMERAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA. 1. A circunstância de o tratamento prescrito pelo médico não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário por se tratar de rol exemplificativo. 2. Entendimento do acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência da Terceira Turma desta Corte. Precedentes. 3. Alegações genéricas não são capazes de rebater especificamente os fundamentos da decisão agravada relativa à incidência da Súmula 7 do STJ. Incidência da Súmula 182 do STJ. 4. Existência de precedente recente da QUARTA TURMA no sentido de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS. 5. Reafirmação da jurisprudência desta TURMA no sentido do caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos. 6. Agravo interno parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (AgInt no REsp 1890825/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020 (Grifos acrescidos)
Alguns tribunais pátrios, inclusive esta Corte de Justiça, estão alinhados com o entendimento do STJ sus o mencionado, conforme se depreende a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR INDICADO PELO MÉDICO ASSISTENTE. MÉTODO DENVER OU ABA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. CONDUTA ABUSIVA. ROL DA ANS MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. RECUSA INJUSTIFICADA. DANO MORAL. CABIMENTO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO, MAS NÃO PROVIDO. TJRR (AC 0823582-52.2020.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, julgado em 24/09/2021, DJe: 28/09/2021) (Grifos acrescidos)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTISMO. TRATAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL. MÉTODO DENVER - ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. EXPRESSA INDICAÇÃO MÉDICA. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. INDEVIDA NEGATIVA DE COBERTURA. RELAÇÃO DE CONSUMO. GARANTIA LEGAL DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PRECEDENTES. DANO MORAL E MATERIAL CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. TJRR (AC 0825963-33.2020.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, julgado em 27/08/2021, DJe: 30/08/2021) (Grifos acrescidos)
DIREITO DO CONSUMIDOR – APELAÇÃO CÍVEL – PORTADOR DE AUTISMO– TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – CUSTEIO INTEGRAL PELO PLANODE SAÚDE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO DO TRATAMENTO NO ROL DA ANS –INDIFERENÇA – ROL NÃO TAXATIVO – RESGUARDO DA SAÚDE DO PACIENTE – INDICAÇÃO MÉDICA – RECURSO DESPROVIDO – 1- Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o rol de tratamentos da ANS não é taxativo, não se podendo utilizar dele para se negar métodos imprescindíveis para o resguardo da saúde e do bem estar do paciente, ainda mais quando devidamente respaldados por laudo médico; 2- Recurso desprovido. (TJAP – Ap0048739-16.2018.8.03.0001 – C.Única – Relª Desª Sueli Pereira Pini – DJe11.10.2019 – p. 55) (Grifos acrescidos)
PLANO DE SAÚDE – NEGATIVA DE COBERTURA – AUTISMO –EQUOTERAPIA – INTEGRAÇÃO SENSORIAL – CONSULTA COM NEUROPEDIATRA – ROL DA ANS – TAXATIVIDADE – AUSÊNCIA – DANO MORAL – INEXISTÊNCIA – A relação entre segurado e operadora de plano de saúde se subsume aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, conforme preceitua o Enunciado nº 469 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. O fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois se trata de rol exemplificativo, devendo ser coberto o tratamento indispensável. A negativa de cobertura, por si só, não tem o condão de caracterizar dano moral, para o qual é necessária a comprovação de prejuízos que ultrapassem o limite do razoável.(TJRO – Ap 7021755-76.2017.8.22.0001 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Kiyochi Mori –DJe 03.10.2018 – p. 22) (Grifos acrescidos)
Em face do exposto, em consonância com os Tribunais pátrios, notadamente, o STJ, afasto a alegação do recorrente acerca da taxatividade do rol de procedimentos listados pela ANS.
No mesmo sentido, deixo de acolher a alegação de que os procedimentos cobertos pelo plano de saúde estão restritos aos profissionais que atuem no âmbito médico-hospitalar. Isso porque, como dito, a própria Lei nº 9.656/1998, no art. 10, cita que o plano-referência inclui a realização de “tratamentos” indicados pelos profissionais, não havendo que se falar em restrição de local.
Em relação à coparticipação, o STJ também já se posicionou no tocante à abusividade de limitação da quantidade de procedimentos no REsp 1846108 SP 2019/0217283-5, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, em fevereiro do corrente ano, cujo trecho transcrevo a seguir:
[...]
14. É forçoso concluir que o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS tem natureza meramente exemplificativa, porque só dessa forma se concretiza, a partir das desigualdades havidas entre as partes contratantes, a harmonia das relações de consumo e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, de modo a satisfazer, substancialmente, o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo. 15. Hipótese em que a circunstância de o rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecer um número mínimo de sessões de terapia ocupacional de cobertura obrigatória, ao arrepio da lei, não é apta a autorizar a operadora a recusar o custeio das sessões que ultrapassam o limite previsto. Precedente do STF e do STJ. 16. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários. (Grifos acrescidos)
Quanto ao dano moral, a negativa de autorização para o tratamento de saúde é considerado ato ilícito passível de indenização, em face da necessidade de proteção à saúde e vida da criança, direitos previstos constitucionalmente, sem olvidar das disposições presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente que garantem aos infantes, com prioridade absoluta, “a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (art. 4º, caput, ECA).
Nesse sentido, os seguintes julgados deste e. Tribunal de Justiça: AC 0809011-76.2020.8.23.0010 e AC 0823582-52.2020.8.23.0010 (Relator: Juiz convocado Fernando Mallet); AC 0825963-33.2020.8.23.0010 (Relator: Desembargador Almiro Padilha).
O montante arbitrado, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem como fim precípuo evitar a ocorrência futura de situações análogas à descrita nos autos, bem como compensar a pessoa ofendida pelo abalo sofrido, razão pela qual não poderá ser fonte de enriquecimento, mas também não pode consistir em quantia irrisória.
Assim, diante dos elementos constantes dos autos, das particularidades da situação em litígio, homenageando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e o caráter indenizatório e pedagógico do dano moral, mantenho o quantum fixado pelo Juízo de origem.
O dano material, por fim, também é devido em face da comprovação cabal de custeio realizado pela apelada por meio das notas fiscais e recibo dos EPs. 1.11 a 1.13.
Dessa forma, alinhada ao parecer ministerial, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento, mantendo a sentença combatida em sua integralidade.
Majoro os honorários para 12% (doze por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §11, do CPC.
É como voto.
Intimem-se.
Certificado o trânsito em julgado, façam-me conclusos para determinação de arquivamento.
Boa Vista-RR, data constante do sistema.
ELAINE BIANCHI
Desª. - Relatora
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA C/C COM DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MÉTODO DENVER. ROL DE PROCEDIMENTO DA ANS. EXEMPLIFICATIVO. PRECEDENTE DO STJ. DANO MORAL CONFIGURADO. FIXAÇÃO QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANO MATERIAL CONFIGURADO. PRECEDENTES TJRR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da 1ª Turma Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.
Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores: Mozarildo Cavalcanti (Presidente/Julgador), Elaine Bianchi (Relatora) e Almiro Padilha (Julgador).
Sessão virtual do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, data constante no sistema.
ELAINE BIANCHI
Desª. - Relatora
RESUMO ESTRUTURADOAPELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA C/C COM DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MÉTODO DENVER. ROL DE PROCEDIMENTO DA ANS. EXEMPLIFICATIVO. PRECEDENTE DO STJ. DANO MORAL CONFIGURADO. FIXAÇÃO QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANO MATERIAL CONFIGURADO. PRECEDENTES TJRR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
TJRR (AC 0824243-31.2020.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Des. ELAINE BIANCHI, julgado em 19/11/2021, DJe: 22/11/2021)