Processo número: 0811666-55.2019.8.23.0010


CÂMARA CÍVEL - SEGUNDA TURMA


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0811666-55.2019.8.23.0010
APELANTE: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RELATOR: JUIZ CONVOCADO RODRIGO BEZERRA DELGADO



RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença (EP. 57 dos autos originários) proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista, que julgou parcialmente procedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público em face do Município de Boa Vista, e condenou a apelante ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 100.00,00, ratificou a decisão de tutela de urgência do EP.15 dos autos originários, bem como impedir construções na área objeto da inicial.

Em suas razões recursais (EP 64 dos autos de origem), a apelante alega, em suma, que: não houve omissão do ente público; a multa fixada foi irrazoável e desproporcional; bem como a ausência de dano moral coletivo.

Requer o conhecimento e provimento do recurso para que a sentença seja reformada declarando a improcedência do pleito referente a omissão estatal respectiva a regular fiscalização das áreas declinadas na peça exordial.

Em caso de manutenção da sentença que seja reduzido o valor da condenação a título de danos morais coletivos e da multa arbitrada por descumprimento da decisão judicial, bem como que a mesma recaia sobre o servidor que der causa à desobediência.

Em contrarrazões, o recorrido pugna pelo desprovimento do recurso (EP. 68 dos autos originários).
 
Consta certidão de tempestividade no EP 65. No EP 08, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento parcial do apelo. Vieram-me os autos em razão da convocação contida na Portaria n. 1110, do dia 1º/10/2021 (DJe 7010, de 6/10/2021).

É o necessário a relatar.

Inclua-se em pauta de julgamento eletrônico, nos termos do art. 109 do RITJRR.

Boa Vista-RR, data constante do sistema.


Rodrigo Bezerra Delgado
Juiz Convocado Relator




VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a sua análise.
 
Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública em que o Ministério Público exige atuação mais enérgica e eficaz do Município de Boa Vista no combate às edificações irregulares existentes em Áreas de Preservação Permanente.
 
A sentença julgou-se parcialmente procedente os pedidos do autor para condenar a edilidade em obrigações de fazer cumuladas com indenização por dano moral coletivo.
 
Não restam dúvidas que as invasões, ocupações irregulares e edificações nas áreas de preservação permanente apontadas pelo órgão ministerial causaram danos à coletividade, degradando o meio ambiente e impedindo que o mesmo se regenerasse.
 
O centro da discussão consiste em saber se o Município de Boa Vista efetivamente agiu ou não no combate das invasões em área de preservação permanente e, em caso de omissão, suporte às sanções judiciais impostas pelo juízo fazendário da Segunda Vara desta capital.
 
Conforme dispõe a CF/88, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, cabendo ainda a preservação das florestas, da fauna e da flora, ex vi do art. 23, incisos VI e VII.
 
Prevê, ainda, a Carta Magna nos termos do art. 225, caput e §3º que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
 
A partir das premissas acima, conclui-se que ao município compete também envidar esforços para evitar a ocorrência de degradação do meio ambiente, e, no caso de ocorrência, puna os infratores com as sanções penais e administrativas cabíveis, independentemente da reparação dos danos cometidos, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.
 
No caso de a edilidade não atuar de maneira satisfativa a evitar os danos, o Ministério Público estará legitimado a pleitear o provimento jurisdicional adequado para impor tal obrigação, nos termos do art. 1°, inciso I c/c art. 5°, inciso I, ambos da Lei n° 7.347/85.
 
Analisando todo o conjunto fático e probatório trazidos aos autos, reputo evidenciado o ato omissivo do Município de Boa Vista, porquanto embora havendo previsão legal para adoção de medidas outras, mais eficazes, foram apenas aplicadas multas e embargos às edificações em andamento, mas nada foi feito no sentido de permitir que a referida área se regenerasse, em especial aos imóveis já concluídos.
 
Ou seja, diferentemente do alegado pelo Apelante, consta dos autos farta documentação que atesta a ocorrência dos fatos noticiados na inicial, notadamente, a ausência de providências mais enérgicas do ente municipal face à existência de degradação vegetal em área de preservação permanente (APP)
 
Veja-se o contexto normativo aplicável:
 
Decreto Federal n° 6.514, de 22 de julho de 2008:
 
Art.2° Considera-se infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, conforme o disposto na Seção III deste Capítulo. Parágrafo único. O elenco constante da Seção III deste Capítulo não exclui a previsão de outras infrações previstas na legislação.
 
Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:

I- advertência;
II- multa simples;
III- multa diária;
IV- apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
V- destruição ou inutilização do produto VI- suspensão de venda e fabricação do produto;
VII- embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
VIII- demolição de obra;
IX- suspensão parcial ou total das atividades; e
X- restritiva de direitos. (sem grifos no original)

Lei n° 9.605/98:
 
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos. (sem grifos no original)
 
Além disso, no âmbito municipal foi instituída a Lei nº 924/2006, que trata do Plano Diretor Estratégico do Município de Boa Vista e que estabelece, além da observância do Código Florestal (art. 12, II), a proteção das áreas de Preservação Permanente (art. 13, II) e o sofreamento de ocupações irregulares (art. 49, III).
 
As Áreas de Preservação Permanente encontram-se definidas nos art. 4º e 6º, do Código Florestal Brasileiro – Lei n º 12.651/2012, sendo vedada a supressão da vegetação nativa para além das hipóteses estritamente definidas no diploma legal como a utilidade pública, o interesse social ou o baixo impacto ambiental.
 
A legislação ambiental ainda determina que as áreas degradadas sejam recuperadas pelo invasor e as áreas devem ser desocupadas, evitando-se, por decorrência, novas intervenções.
 
De acordo com o §7ª do artigo 72, colacionado acima, a sanção de demolição indicada no inciso VIII será aplicada quando a obra não estiver obedecendo às prescrições legais ou regulamentares. A pena de demolição, portanto, é imposição legal que deveria ser observada no âmbito do procedimento administrativo municipal, já que não identificada, por meio da documentação acostada ao feito, nenhuma causa de justificação das supressões não autorizadas em Lei.
 
Dessa forma, tendo no ordenamento jurídico meios de resolução da problemática descrita, com a instauração de processo administrativo, assegurado o cumprimento aos princípios do contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, deveria o apelante ter feito, pois ao administrador público agir não é uma faculdade, mas sim uma obrigação irrenunciável, isto em função da indisponibilidade do interesse público.
 
Vê-se desse modo, descumprida a legislação ambiental por parte do Município de Boa Vista, que ao aplicar unicamente multa simples sem que para tanto promova a desocupação e desobstrução dos cursos d'água, perpétua a degradação das APPs.
 
Acontece que, ao invés de atuar no sentido de coibir ofensas ao meio ambiente e consequentemente à coletividade, o apelante defende a permanência das referidas edificações irregulares.

Entretanto, no que concerne ao dano ambiental, inexiste direito adquirido que proteja a manutenção da situação que gere prejuízo ao meio ambiente, nos termos da Súmula 613: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de direito ambiental.
 
O STJ detém jurisprudência trilhando no mesmo caminho, aplicando a sanção cabível em casos análogos.
 
Veja-se:
 
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA A QUAISQUER DAS SITUAÇÕES QUE AUTORIZAM A EXCEPCIONAL INTERVENÇÃO NESSE ESPAÇO TERRITORIAL ESPECIALMENTE PROTEGIDO. IMPERIOSA A DEMOLIÇÃO DA CONSTRUÇÃO NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRECEDENTES. A REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL ENVOLVE, ALÉM DAS MEDIDAS PARA SUA RECUPERAÇÃO, A COMPENSAÇÃO PELO PERÍODO EM QUE FORAM DESRESPEITADAS AS NORMAS AMBIENTAIS. PROTEÇÃO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES. I - Na origem trata-se de ação civil pública ambiental movida pela Sociedade Pró Educação, Resgate e Recuperação Ambiental SERRA em desfavor de vários réus. II - Na sentença julgou-se procedente em parte o pedido para condenar solidariamente os réus nas obrigações de (a) demolir todas as construções situadas na Zona de Vida Silvestre do imóvel no prazo de sessenta dias do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária, limitada a 60 dias, sem prejuízo de se determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente; (b) recompor a vegetação nativa, conforme o PRAD (projeto de recuperação da área degradada), aprovado pela CBRN, que deverá ser apresentado no prazo de 30 dias do trânsito em julgado; (c) pagar pelos danos ambientas praticados, imediatos e contínuos, apurados na perícia judicial, com atualização monetária desde a data da perícia complementar e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, com exceção das Fazendas, cujo pagamento se faz por precatórios. Sujeitou a sentença ao reexame necessário. No Tribunal a quo a sentença foi parcialmente reformada para julgar improcedente o pedido de condenação com relação ao Estado e ao ente municipal. Considerou-se, ainda, a impossibilidade de cumulação da condenação a demolir com a indenização dos danos materiais, e que não foi demonstrada a ocorrência de dano coletivo. Afastou-se, também, a condenação em honorários. III - No recurso especial, a parte recorrente defende a violação dos arts. 17, 18 e 19 do Decreto n. 99.274/90; 9º da Lei n. 6.902/81; 9º, IV , 10, ambos da Lei n. 6.938/81; 3o, § I, e 4o, ambos da Lei n. 4.771/65; 2o da Lei n. 9.784/99; 28 da Lei n. 9.985/00 e das Resoluções CONAMA n. 10/99, 13/90, 237/97 e 369/2006. IV - Sustenta a ofensa ao art. 2º, I, II, IV, V, VIII e IX, da Lei n. 6.938/81 e à Resolução CONAMA n. 10/88, considerando que não foram avaliados os atributos e objetivos particulares da Zona de Vida Silvestre, área objeto da presente demanda, para compatibilizá-los ou não com a intervenção havida. V - Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso especial. VI - Segundo entendimento desta Corte "O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)". (AgRg no REsp n. 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 7/6/2016; AgInt no AREsp n. 1.319.376/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4/12/2018, DJe 11/12/2018.) VII - Portanto, a manutenção de edificação em área de preservação permanente, é claramente atentatória à ordem jurídica ambiental. Nesse sentido, em casos bastante semelhantes ao presente, o Superior Tribunal de Justiça proveu o recurso especial, para reformar acórdão que mantivera imóvel construído em Área de Preservação Permanente. Nesse sentido: REsp n. 1.510.392/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/4/2017, DJe 5/5/2017; REsp n. 1.245.149/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/10/2012, DJe 13/6/2013. VIII - Também conforme entendimento pacífico desta Corte, é cabível a cumulação da obrigação de reparação com indenização, estando o acórdão também neste ponto em confronto com a jurisprudência desta Corte. Nesse sentido: AgInt no REsp 1581257/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019; REsp 1676459/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 08/03/2019. IX - Ademais, é firme o entendimento jurisprudencial desta Corte de que a responsabilidade pelo dano é objetiva e solidária, o que afeta a todos os agentes que obtiveram proveito da atividade de resultou em dano ambiental (EDcl no AREsp 1233356/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 27/06/2018). Entende-se, entretanto, que a execução possa ser subsidiária (AgInt no AREsp 1136393/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 24/05/2018; AgInt no REsp 1326903/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018. X - Portanto, deve ser dado provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença. XI - Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1768207 SP 2017/0277775-0, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 12/03/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2019).
 
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO. ÁREA DE PRESERV AÇÃO PERMANENTE. RIO PARANÁ. DEMOLIÇÃO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. PREJUÍZO AO MEIO AMBIENTE. DIREITO ADQUIRIDO. TEORIA DO FATO CONSUMADO. CONSOLIDAÇÃO DA ÁREA URBANA. INAPLICABILIDADE. 1. A proteção ao meio ambiente não difere entre área urbana ou rural, porquanto ambos merecem a atenção em favor da garantia da qualidade de vida proporcionada pelo texto constitucional, pelo Código Florestal e pelas demais normas legais sobre o tema. 2. Não há falar em direito adquirido à manutenção de situação que gere prejuízo ao meio ambiente. 3. A simples manutenção de construção em área de preservação permanente "impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob o regime de responsabilidade civil objetiva" (REsp 1.454.281/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/9/2016). 4. Inaplicabilidade da teoria do fato consumado nos casos em que se alega a consolidação da área urbana. 5. Agravo interno a que se nega provimento.(STJ - AgInt no REsp: 1545177 PR 2015/0180904-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 13/11/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2018).
 
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP. SUPOSTA ANTINOMIA DO CÓDIGO FLORESTAL COM A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO NO QUE TANGE À DEFINIÇÃO DA ÁREA NÃO-EDIFICÁVEL ÀS MARGENS DE RIO. MAIOR PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. INCIDÊNCIA DO LIMITE PREVISTO NO CÓDIGO AMBIENTAL VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROVIDO, PARA RECONHECER A IMPOSSIBILIDADE DE CONTINUIDADE OU PERMANÊNCIA DE QUALQUER EDIFICAÇÃO NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO DAS MARGENS DO RIO TUBARÃO. 1. Discute-se nos autos, no âmbito de análise desta Corte Superior de Justiça, o suposto conflito da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (art. 4o., III, da Lei 6.766/1979) sobre o Código Florestal (art. 2o. da Lei 4.771/1965) no que tange à definição da dimensão non a edificandi no leito do Rio Tubarão, considerada como Área de Preservação Permanente-APP, restando incontroverso nos autos que os recorridos edificaram a uma distância de 22 metros do corpo d'água. 2. A aparente antinomia das normas foi enfrentada pela Corte de origem com enfoque na suposta especialidade da Lei 6.766/1979, compreendendo que a Lei 4.771/1965 cederia espaço à aplicação da Lei de Parcelamento do Solo no âmbito urbano. 3. O âmbito de proteção jurídica das normas em confronto seria, na realidade, distinto. Enquanto o art. 2o. do Código Florestal visa à proteção da biodiversidade, a Lei de Parcelamento do Solo tem por finalidade precípua a ordenação do espaço urbano destinado à habitação, de modo que a proteção pretendida estaria mais relacionada à segurança da população, prevenindo edificações em terrenos alagadiços ou sujeitos a inundações. 4. Por ser o que oferece a maior proteção ambiental, o limite que prevalece é o do art. 2o. da Lei 4.771/1965, com a redação vigente à época dos fatos, que, na espécie, remontam ao ano de 2011. Incide, portanto, o teor dado ao dispositivo pela Lei 7.511/1986, que previu a distância mínima de 100 metros, em detrimento do limite de 15 metros estabelecido pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Precedente da Segunda Turma: REsp. 1.518.490/SC, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.10.2018. 5. Frise-se, ademais, não se admitir, notadamente em temas de Direito Ambiental, a incidência da Teoria do Fato Consumado para a manutenção de situação que, apesar do decurso do tempo, é danosa ao ecossistema e violadora das normas de proteção ambiental. 6. Não se olvida que, ao que tudo indica, a particular agiu de boa-fé, amparada no Plano Diretor do Município de Orleans/SC (Lei Complementar Municipal 2.147/2004)- que estabelece a distância de 20 metros - e na referida Lei do Parcelamento do Solo Urbano, tendo sua edificação licenciada pela co-ré FUNDAÇÃO AMBIENTAL MUNICIPAL DE ORLEANS-FAMOR, órgão ambiental responsável no âmbito do Município. Por essa razão, terá ela, a princípio, direito à persecução do ressarcimento pelas perdas e danos na via processual adequada. 7. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA provido, reconhecendo a imprescindibilidade da observância do limite imposto pelo Código Ambiental para a edificação nas margens do Rio Tubarão, e, por conseguinte, a necessária demolição da edificação construída na Área de Preservação Permanente-APP, impondo, ainda, à FUNDAÇÃO AMBIENTAL MUNICIPAL DE ORLEANS-FAMOR a obrigação de não mais expedir licenciamentos e autorizações para projetos de construção na referida área. (STJ - REsp: 1505083 SC 2014/0338358-7, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 27/11/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/12/2018).

No que concerne à multa fixada por descumprimento da ordem e ao valor arbitrado a título de danos morais coletivos, entendo irretocáveis, porquanto estão dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, respeitando a jurisprudência pátria.
 
Registro que o próprio STJ, em acórdão lavrado pelo Min. Humberto Martins, já decidiu que em determinadas hipóteses “o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado”, como decorrência da “simples violação do bem tutelado”, prescindindo de demonstração de dor ou padecimento, que derivam da própria violação. (REsp n. 1.410.698/MG, 2ª T., j. 23.06.2015).
 
E mais. Não se mostra estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. (TJRR – AgInst 0000.17.002208-1, Rel. Desa. TANIA VASCONCELOS, 2ª Turma Cível, julg.: 28/02/2019, 0000.17.002208-1, Rel. Desa. TANIA VASCONCELOS, 2ª Turma Cível, julg.: 28/02/2019, public.: 12/03/2019, p. 05-06).
 
Por fim, entende o apelante que é vedada a condenação em obrigação de fazer com indenização pecuniária. Ocorre que o tema carece de maiores debates, uma vez que o STJ possui entendimento sumulado a respeito:
 
Súmula 629 STJ: Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.
 
Por fim, considerando que o este Egrégio Tribunal já se manifestou em casos semelhantes trago à colação os julgados:
 
APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. TJRR (AC 0822947-47.2015.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Des. ELAINE BIANCHI, julgado em 26/02/2021, DJe: 02/03/2021).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO VEGETAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃOPERMANENTE. INÉRCIA/OMISSÃO DO ENTE MUNICIPAL EM APLICAR AS PENALIDADES CABÍVEIS. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DO TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA CELEBRADO PELA SECRETARIA MUNICIPAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. FIXAÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM PARCIAL CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL, APENAS PARA AFASTAR A COMINAÇÃO DE MULTA NA PESSOA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL. TJRR (AC 0837797-43.2014.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel. Des. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, julgado em 27/11/2020, DJe: 01/12/2020).

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1.Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2.Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3.Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. TJRR (AC 0802898-43.2019.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel. Des. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, julgado em 18/12/2020, DJe: 21/12/2020).

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. TJRR (AC 0806572-68.2015.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel. Juiz Conv. ANTÔNIO AUGUSTO MARTINS NETO, julgado em 27/08/2021, DJe: 31/08/2021)

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRELIMINAR. SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Constatada a invasão em área de preservação permanente, deve o ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, instaurando o devido procedimento administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. Em se tratando de dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem. TJRR (AC 0814678-77.2019.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Juiz Conv. ANTÔNIO AUGUSTO MARTINS NETO, julgado em 22/10/2021, DJe: 27/10/2021).

Diante do exposto, nego provimento ao recurso e mantenho na íntegra a sentença prolatada em primeiro grau.

É como voto.

Intimem-se. Com o trânsito em julgado, arquive-se. Boa Vista-RR, data constante do sistema.


Rodrigo Bezerra Delgado
Juiz Convocado Relator




EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Comprovada a invasão em área de preservação permanente, constitui obrigação do ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, mediante o devido procedimento administrativo assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. No que concerne ao dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da 1ª Turma Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, e em dissonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento nos termos do voto do Relator.

Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores Mozarildo Cavalcanti (Presidente/Julgador), Elaine Bianchi (Julgadora) e o Juiz Convocado Rodrigo Bezerra Delgado (Relator).

Sessão virtual do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, data constante no sistema.


Rodrigo Bezerra Delgado
Juiz Convocado Relator



RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NÃO APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS CABÍVEIS. DANO AO MEIO AMBIENTE CONSTATADO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEVER DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. MULTA NA PESSOA DO SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Comprovada a invasão em área de preservação permanente, constitui obrigação do ente público responsável agir no sentido de coibir e retirar as irregularidades, mediante o devido procedimento administrativo assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, tomando, ao final, as medidas cabíveis ao caso. 2. No que concerne ao dano ambiental, é cabível a condenação em obrigação de fazer ou não fazer, cumulada com o dever de indenizar. 3. Não é possível estender a obrigação de pagamento de multa por descumprimento de ordem judicial aos agentes públicos, quando estes não integraram o polo passivo da demanda, independentemente de sua intimação pessoal para cumprir a ordem.

TJRR (AC 0811666-55.2019.8.23.0010, Câmara Cível, Rel. Juiz Conv. RODRIGO BEZERRA DELGADO, julgado em 10/12/2021, DJe: 11/12/2021)