RELATÓRIO
Trata-se de Recurso de Apelação interposto por LINDENBERG BOAVENTURA SILVA, em face da Sentença condenatória proferida pela MM. Juíza de Direito do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, desta Comarca, objetivando a reforma do referido decisum que o condenou a uma pena total de 01 (um) ano e 22 (vinte e dois) dias de detenção, em regime aberto, pela prática do crime previsto no artigo 129 (lesão corporal), § 9°, do Código Penal, c/c com o artigo 7°, I, da Lei n.° 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
O Apelante, em suas razões recursais, alega que não restou provado, durante a instrução os crimes indicados na denúncia e confirmados na r. sentença; assim, o decisum condenatório deve ser reformado, para absolver o Apelante por falta de prova. Requer, por fim, a absolvição do Réu pelo crime de lesão corporal, alegando falta de provas para sua condenação. (Evento 11, 2º grau)
Em suas Contrarrazões, defendeu o Ministério Público de 1º Grau, ora Apelado, o desprovimento do Recurso interposto, requerendo a manutenção da Sentença ora vergastada. (Evento 15)
O d. Ministério Público graduado manifestou-se pelo conhecimento do presente recurso, e, no mérito, pelo seu total desprovimento, mantendo-se incólume a sentença a quo. (evento 19.1)
Vieram os autos conclusos.
É o breve relatório.
Recurso que dispensa a revisão regimental, inclua-se em pauta de julgamento.
Boa Vista/RR, data constante no sistema.
Des. Leonardo Cupello
Relator
VOTO
Conheço do recurso, pois presentes os seus requisitos.
O Apelante interpôs o presente recurso sob a tese de insuficiência de provas para a condenação.
Vejamos.
A r. sentença fundamentou provada a materialidade do crime pelo laudo de exame de corpo de delito, acostada no evento 1.3, dos autos originários, nos seguintes termos em síntese:
“Descrição
Escoriação linear de coloração avermelhada medindo aproximadamente 1,5 cm localizada em região supraclavicular esquerda. Escoriação linear de coloração, com presença de crosta hemática medindo aproximadamente 1cm x 0,5cm localizada em região dorsal de pé direito. Edema leve em região malar direita.
Discussão As lesões observadas possuem nexo causal e temporal com o relato da periciada.” (evento 1.3, 1º grau)
Portanto, a materialidade encontra-se suficientemente demonstrada para lesões corporais leves.
Quanto à autoria, foram colhidos depoimentos da vítima e testemunhas. Passo ao exame das provas orais, portanto.
A vítima narrou que os fatos ocorreram como constam na denúncia. Disse que, no dia dos fatos, pegou uma carona com seu patrão, e a certa altura eles foram surpreendidos por uma pedrada no carro; o patrão perguntou quem era e a vítima disse que era o esposo; que a própria vítima foi quem pediu para que o condutor não parasse, pois o réu poderia fazer alguma coisa; que eles rodaram a cidade, e o réu atrás; então o patrão da vítima deixou-a bem próximo de sua residência, na esquina da rua na qual morava na época, pedindo para que a vítima descesse do carro, pois temia que algo de mais grave acontecesse com ele também. Quando a vítima desceu do carro do patrão, entrou no carro do réu, e foi logo agredida por ele; foi agredida com puxões de cabelo, bateu o rosto dela contra o vidro do carro, com murros. Afirmou que o seu pai apareceu pediu para o réu parar, mas ele não ouviu; mas ainda tacou uma pedra de longe e pegou no pé da vítima; que retirou as medidas protetivas porque quis; que tem uma boa convivência atualmente, porque possuem um filho de sete anos juntos; que se divorciou do réu; que não precisou fazer tratamento psicológico, que não tem interesse em receber algum valor pecuniário a título de danos morais. (mídia de audiência)
A informante Maria Cleses da Silva respondeu em juízo que é mãe da vítima Luciana, que viu as agressões, que no dia do fato, a depoente estava deitada e o réu chegou na casa de depoente dizendo pro marido, que estava na sala, pra irem buscar a vítima senão iria matá-la; então a depoente e o marido saíram de carro, quando chegou na casa deles, o réu já estava chegando em casa com a vítima, e dentro do carro com ele, ela foi saindo do carro e ele deu mais um tapa nela; então o marido da depoente advertiu ele dizendo que ele estava batendo em mulher; então o réu correu; que o motivo foi por ciúmes; que depois da delegacia, eles não tiveram mais problemas. (mídia de audiência)
O réu, em seu interrogatório, respondeu que sim, a narrativa da denúncia é verdadeira, porque viu a vítima dentro de um carro traindo o interrogado; que não jogou a pedra; que a agressão começou no local, que o interrogado quebrou o vidro do carro com um murro, não foi com a pedra; então o réu se dirigiu até a casa dos pais da vítima, que depois que foi pra casa chamou os pais dela pra evitar que o interrogado fizesse besteira; ela estava chegando em casa, começou a discussão, bate-boca, os pais estavam do lado dela; que quando chegou em casa, de fato o amante e a vítima estavam na esquina de casa, ele deixou ela no meio da rua; que quando ela entrou no carro do réu agrediu a vítima verbalmente; não tinha como dar puxão de cabelo, tapa, porque os pais estavam juntos. Depois, ao ser indagado pelo próprio advogado disse que não lembrava se realmente tinha agredido a vítima, que pode ter agredido, mas não se recordava pelo decurso do tempo. (mídia de audiência)
Sendo assim, pelo arcabouço probatório, não restam dúvidas sobre a autoria do crime de lesões corporais sofridas pela vítima, pois além do relato da vítima, o Réu confessou que se descontrolou motivado por ciúmes a ponto de confessar que quebrou o vidro do carro do suposto amante da vítima, dando um soco na janela. Outrossim a mãe da vítima, mesmo demonstrando durante a audiência não ter interesse no prosseguimento da ação penal, confirmou ao Juiz que viu o réu agredindo a filha.
Diante desse contexto, não resta outra alternativa senão afastar a tese de ausência de provas, pois a palavra da vítima foi ratificada pelos demais elementos probatórios produzidos nos autos.
Como descrito na r. sentença, a vítima, de forma muito coesa e segura, narrou toda a dinâmica do episódio.
Como se sabe, o depoimento da vítima, nesse tipo de delito – violência doméstica contra a mulher – possui valor probatório diferenciado, consoante reiterada jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça e deste Eg. Tribunal de Justiça de Roraima.
Destaco precedentes:
DIREITO PENAL – APELAÇÕES CRIMINAIS – CONDENAÇÃO NAS PENAS DOS ARTIGOS 129, § 9º, 147 C/C 61, II, “F” (PARTE FINAL) NA FORMA GABINETE DES. LEONARDO CUPELLO DO 69, TODOS DO CPB C/C 7º, I E II, DA LEI Nº 11.340/06. PEDIDOS DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE 1º GRAU:1) NEGATIV AÇÃO DAS VETORIAIS DOS MAUS ANTECEDENTES E DA CONDUTA SOCIAL – IMPOSSIBILIDADE – VEDAÇÃO DO RECONHECIMENTO DE INQUÉRITOS OU AÇÕES PENAIS EM CURSO PARA AGRAVAR A PENA-BASE – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 444 DO STJ – AUSÊNCIA DE PROVAS NOS AUTOS PARA AFERIR A CONDUTA SOCIAL DO RÉU; E 2) AFASTAMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E AGRAVAMENTO DO REGIME – INVIABILIDADE – RÉU PRIMÁRIO DE BONS ANTECEDENTES QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 77 DO CP. PLEITOS DEFENSIVOS: 1) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE AMEAÇA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME COMPROVADAS – ACERVO PROBATÓRIO APONTANDO PARA A CULPABILIDADE DO APELANTE – A PALAVRA DA VÍTIMA TEM ESPECIAL RELEVÂNCIA, MÁXIME QUANDO EM HARMONIA COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS; E 2) PEDIDO DE REDUÇÃO DO QUANTUM DE PENA APLICADO PARA A AGRAVANTE DO ART. 61, II, “F”, DO CP EM RELAÇÃO AO DELITO DE AMEAÇA – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A ELEVAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO DE 1/6 – PENA REDIMENSIONADA – RECURSOS CONHECIDOS, DESPROVIDO PARA MP DE 1º GRAU E PROVIDO PARCIALMENTE PARA A DEFESA, EM CONSONÂNCIA COM O PARQUET GRADUADO. TJRR (ACr 0826885-45.2018.8.23.0010, Câmara Criminal, Rel. Juíza Conv. GRACIETE SOTTO MAYOR RIBEIRO, julgado em 01/09/2021, DJe: 27/09/2021) [negrito nosso]
DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONDENAÇÕES NAS PENAS DOS ARTS. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL C/C ART. 7º, INCISO I, DA LEI Nº 11.343/2006. PLEITO QUE BUSCA A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DE CORPO DE DELITO REALIZADO NA VÍTIMA APONTA HEMATOMAS RECENTES E COMPATÍVEIS COM AS AGRESSÕES QUE A OFENDIDA DISSE TER SOFRIDO. ACERVO PROBATÓRIO APONTADO PARA A CULPABILIDADE DO APELANTE. A PALAVRA DA VÍTIMA TEM ESPECIAL RELEVÂNCIA, MÁXIME QUANDO EM HARMONIA COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VETORES JUDICIAIS: CULPABILIDADE, REINCIDÊNCIA, MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS. FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA AO MAGISTRADO ATENDENDO À RAZOABILIDADE E À PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O RESPEITÁVEL PARECER DO DOUTO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. TJRR (ACr 0812103-33.2018.8.23.0010, Câmara Criminal, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, julgado em 01/12/2020, DJe: 02/12/2020) [negrito nosso]
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DENÚNCIA. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. INDÍCIOS DE AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Dispõe o art. 395, III, do Código de Processo Penal que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para a ação penal, consubstanciada no lastro probatório mínimo e firme, indicativo da autoria e da materialidade da infração penal. 2. Havendo, na peça acusatória, a descrição dos indícios suficientes de autoria que apontam para o cometimento do crime de ameaça, praticado por ex-companheiro, e ainda lastro probatório mínimo, não há falar em inépcia da denúncia, a obstar prematuramente a ação penal pela prática do delito do art. 147 do Código Penal. 3. No âmbito da violência doméstica, a palavra da vítima ganha especial importância, ainda que colhida extrajudicialmente, por se tratar de infrações praticadas na clandestinidade. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 1353090 MT 2018/0220030-0, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 23/04/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/05/2019) [negrito nosso]
Nesse contexto, mantenho a condenação do Apelante pela prática do crime previsto no artigo 129 (lesão corporal), § 9°, do Código Penal, c/c com o artigo 7°, I, da Lei n.° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), bem como a reprimenda de 01 (um) ano e 22 (vinte e dois) dias de detenção, em regime aberto.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, em consonância com o r. parecer do Parquet graduado, mantenho a r. sentença condenatória na íntegra.
É como voto.
Boa Vista/RR, 07 de dezembro de 2021.
Des. Leonardo Cupello
Relator
EMENTA