DOCUMENTO 1
PROCESSO
AC - Apelação Cível
08077458320228230010
ÓRGÃO JULGADOR:
Câmara Cível
DATA DO JULGAMENTO:
14/06/2024
DATA DA PUBLICAÇÃO:
14/06/2024
EMENTA:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO REALIZADO ENTRE O CONSUMIDOR E TERCEIRO. PROMESSA DE RECEBIMENTO DE VALORES A MAIOR QUE OS DAS PARCELAS DOS CONSIGNADOS. FORTUITO EXTERNO. RESPONSABILIDADE BANCÁRIA. INEXISTENTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. RECURSOS PROVIDOS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.Diante da falta de demonstração de defeito no serviço ou prática de ilícito pelas instituições financeiras, determinante para a consumação do evento danoso, e, sendo constatada a contratação voluntária em apartado, sem participação dos bancos ou seus prepostos e a transferência dos valores para terceiro, resta caracterizada a ocorrência de fortuito externo que impede a responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras.
CÂMARA CÍVEL - SEGUNDA TURMA
Apelação Cível n.º 0807745-83.2022.8.23.0010 1.º Apelante: Banco do Brasil S.A. Procurador: Marcelo Neumann Moreiras Pessoa 2.º Apelante: Banco Pan S/A Advogado: Antônio de Moraes Dourado Neto Apelado: Carlos Augusto Matos de Carvalho Advogados: Ronnie Brito Bezerra e Isabelle Campelo Bessa Relator: Des. Erick Linhares
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista/RR, que, nos autos da AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MEDIDA LIMINAR DE URGÊNCIA, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com relação aos réus Fitbank Instituição de pagamentos eletrônicos S/A, JMA Investimentos e Consultoria Eireli e RS Promotora de Vendas Eireli, na forma do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, ante o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva (EP. 172.1 – mov. 1.º grau). Condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos réus, fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. Observada a suspensão em razão da gratuidade da justiça concedida. Bem como julgou parcialmente procedente a pretensão autoral e extinguindo, por consequência, o processo, com resolução do mérito, na forma do inciso I do art. 487 do Código de Processo Civil, para condenar, solidariamente, a parte ré à restituição de forma simples das parcelas descontadas em seu salário referente aos contratos retrocitados em favor da autora, levando-se em conta os descontos específicos de cada Banco réu, que deverá ser apurado em liquidação de sentença; e (b) ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título d reparação por danos morais, a serem acrescidos de juros de 1% ao mês, a contar da citação válida, e correção monetária pelo índice oficial deste Tribunal, desde a data da publicação desta decisão, tornando definitiva a antecipação dos efeitos da tutela concedida no EP 18. Determinou que a restituição de eventual saldo residual a uma das partes deverá seguir a fundamentação supra, com a liquidação em fase de cumprimento de sentença, com correção monetária pelo índice oficial deste Tribunal, a partir do desconto de cada parcela, com juros legais de mora (1% a.m.), a contar da citação válida nos autos. Condenou os corréu, de forma solidária, ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, fixados em 12% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. Em sede recursal (EP. 187.1 – mov. 1.º grau), aduz o Banco do Brasil S.A., em síntese, que “a parte apelada deixou de comprovar parte de suas alegações, razão pela qual deixou de cumprir com o ônus de comprovar os fatos que constituiriam seu pretenso direito”. Explicou que a “apelante firmou contrato de empréstimo junto a apelada, sem intermédio de terceiros, sendo que esta não vem honrando com o pagamento das prestações, logo, qual o erro praticado por esta apelante?”. Argumentou que a “apelante apresentou nos autos todos os contratos firmados pelo banco e apelado, contudo, o juízo sentenciante simplesmente condenou esta apelante em danos morais e materiais, afirmando, sem qualquer fundamento probatório, que o contrato realizado entre apelante e apelado foi por intermédio da empresa MS CAPITA”. Arrazoou que “a parte apelada apenas alega que houve dano, porém, sem que viesse comprovar tal fato, tampouco, sendo capaz de demonstrar qual dissabor suportado”. Asseverou que “afigura-se muito mais que simples lenitivo ou conforto em busca de atenuar o suposto dano sofrido, é grande quantia para qualquer pessoa, independentemente de sua condição sócio-econômica, até porque, como disposto acima, não houve qualquer conduta da empresa Apelante que fosse capaz de causar danos significativos à parte apelada”. Ao final, pugna pelo provimento do presente recurso, a fim de reformar a sentença proferida. Requer que todas as intimações e publicações sejam feitas em nome de Marcelo Neumann (OAB/RJ 110.501). Por sua vez (EP. 211.1 – mov. 1.º grau), o apelante Banco Pan S/A aduziu, em síntese, que: “não há qualquer indício de anuência pelo PAN: nenhuma assinatura, carimbo, e-mail, telefone de SAC, endereço, logomarca, sequer há o número de CNPJ ou qualquer comprovação de vínculo (eis que inexistente) do PAN com a empresa (MS CAPITAL)”. Citou que “ao evidenciar a exordial e seus documentos é patente a inércia da parte recorrida em não realizar o procedimento, ou seja, a parte autora quem deu causa ao acontecido, inexistindo o nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o narrado na inicial. Não houve qualquer juntada de comprovação do procedimento da parte fora realizado, sendo este o ônus da parte autora, conforme art. 373, I, CPC.”. Argumentou que “a sentença registra que o banco recorrente não trouxe aos autos o Contrato de Empréstimo Consignado assinado, livre de erro pela parte recorrida, não comprovando a contratação de crédito consignado em questão, mediante a exibição de prova hábil para tanto”. Asseverou que “o presente contrato se trata na verdade de um contrato formalizado digitalmente, passo que, no momento da formalização o Banco Pan dá um alerta de prevenção à golpes, o qual deverá ter o aceite do cliente para prosseguimento da formalização do contrato”. Explicou que “inexistindo pressuposto indispensável ao arbitramento de indenização por danos morais, qual seja, o ato ilícito, deve a sentença ser reformulada também nesse ponto, para que seja julgado improcedente o pleito indenizatório”. Aduziu ainda que “o cômputo dos juros ocorra, exclusivamente, a partir do arbitramento decorrente da Decisão Judicial, sendo certo que, como a Decisão que advirá deste Órgão Colegiado promoverá alteração no Julgado, pleiteia-se ainda que tais juros somente iniciem após o trânsito em julgado da demanda ou, na pior das hipóteses, após a data do julgamento deste Recurso”. Ao final, requer que: 1. Seja o presente apelo recebido em seu duplo efeito. 2. Seja reconhecida a ilegitimidade passiva do Banco Pan, devendo o mesmo ser excluído do polo passivo da ação. 3. Seja reconhecida a legalidade do contrato firmado entre as partes, reformando a sentença para julgar os pedidos autorais totalmente improcedentes. 4. Caso se entenda pela nulidade do contrato, o que se cogita por argumentar, que seja afastada a condenação em danos morais, ante a ausência dos requisitos necessários à sua fixação, ou caso mantida, que o valor seja reduzido, por não ter observado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. Caso se entenda pela nulidade do contrato, seja determinada a compensação do crédito liberado em favor da parte recorrida, por meio de compras e saques, com o valor da eventual condenação imposta ao banco recorrente, sob pena de enriquecimento sem causa da parte recorrida. 6. O cômputo dos juros ocorra, exclusivamente, a partir do arbitramento decorrente da Decisão Judicial, sendo certo que, como a Decisão que advirá deste Órgão Colegiado promoverá alteração no Julgado, pleiteia-se ainda que tais juros somente iniciem após o trânsito em julgado da demanda ou, na pior das hipóteses, após a data do julgamento deste Recurso. 7. Requer que todas as publicações, intimações e demais notificações de estilo sejam realizadas, exclusivamente e independentemente de algum outro Causídico ter realizado ou vir a realizar algum ato processual neste caso, em nome do advogado ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO, inscrito na OAB/PE sob o nº 23.255, com endereço profissional na Av. Visconde de Suassuna, nº 639, Boa Vista, Recife/PE - CEP: 50.050-540, sob pena de nulidade, nos termos do art. 272, § 5°, do Códex Processual Civil e na conformidade do entendimento pacificado pela Corte Especial do STJ no EREsp. n. 812.041. Em contrarrazões, a parte apelada requer o não conhecimento da presente apelação, por tratar-se de verdadeira inovação recursal e ferir o princípio da dialeticidade dos recursos, bem como, acaso ultrapassada a preliminar, que seja o recurso julgado improcedente, mantendo-se incólume a respeitável sentença do juiz a quo (EP. 236.1 – mov. 1.º grau). Por fim, requer a condenação e a consequente majoração dos honorários sucumbenciais, nos termos do art. 85, §1º, do CPC. Determinação de redistribuição por prevenção no EP. 9.1. Recurso redistribuído por sorteio no EP. 11.1. É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento eletrônico. Boa Vista, 13 de maio de 2024. Des. Erick Linhares Relator.
VOTO
Conheço do recurso, porquanto presentes seus requisitos de admissibilidade. Extrai-se da inicial que a parte autora ajuizou a presente ação pleiteando a declaração de inexistência de negócio jurídico e indenização por danos morais e materiais alegando os seguintes motivos: Que possuía um empréstimo no corréu Banco Pan, com descontos regulares em sua folha de pagamento e que a empresa corré MS Capital teria entrado em contato para lhe oferecer a portabilidade do seu empréstimo, com a alegação de taxas de juros menores. Informa que aceitou a referida proposta, momento em que realizou a transição para a empresa corre MS Capital, e que, após a quitação do empréstimo, a corré MS Capital novamente teria entrado em contato para lhe informar sobre sua linha de crédito nos corréus Banco Pan e Banco do Brasil, propondo a realização de novos contratos, e, caso os realizasse, o valor deveria ser transferido para MS Capital, que quitaria a dívida, depositando mensalmente na sua conta valor superior ao da parcela, para que assim houvesse proveito econômico do autor. Acrescenta que, em fevereiro de 2021, realizou empréstimo consignado no corréu Banco Pan, no valor de R$ 174.611,14, a ser pago em 96 parcelas de R$ 4.282,33. Aduz que, posteriomente, firmou contrato com a corré MS Capital, no qual ficou estipulado que o autor, após realizado o emprestimo transferiria o valor total à MS Capital, e, em contrapartida, esta efetivaria o pagamento de 18 prestações de, R$ 5.252,39, a partir de fevereiro de 2021, e após, 78 parcelas de R$ 4.282,33, diretamente na conta do autor. Noticia que, em janeiro de 2021, procedeu ao segundo empréstimo, dessa vez no corréu Banco do Brasil, no valor de R$ 96.299,00, parcelado em 96 vezes de R$ 3.910,48, com os descontos em folha, programados para março de 2021, de modo que receberia por 18 meses o valor de R$ 4.443,81. Sustenta que foi transferido para a corré MS Capital o valor total de R$ 270.910,14 (soma dos dois empréstimos realizados), e que no período de fevereiro a novembro de 2021 foram pagas as parcelas dos dois consignados conforme o contrato. Ressalta, porém, que os dois empréstimos realizados não foram quitados nos respectivos bancos, e que, consequentemente as parcelas, totalizando R$ 8.192,81, começaram a ser descontadas no seu contracheque. Primeiramente, observa-se que ações dessa natureza têm sido reiteradamente propostas. Desse modo, defendo a necessidade de uma análise individualizada das condutas das partes quanto à ocorrência de fortuito externo ou interno. Da leitura atenta da petição inicial, observa-se que há duas relações jurídicas distintas que devem ser analisadas. A primeira, estabelecida entre o consumidor e as instituições financeiras BANCO PAN e BANCO DO BRASIL S/A, apresentando-se a empresa MS Capital como correspondente bancária para empréstimo dos consignados. E uma segunda relação jurídica entabulada apenas entre o autor e as empresa MS Capital (EP1.16/1.17). Quanto à primeira, o conjunto probatório demonstra que o consumidor realizou a contratação de novos empréstimos com as instituições financeiras apelantes, tendo a empresa MS Capital como correspondente bancária, sendo incontroverso o recebimento de tais valores pela parte autora, conforme descrito na inicial. Paralelamente, o consumidor celebrou contratos com a empresa MS CAPITAL, pelo qual, segundo diz, ajustou “que faria a transferência do valor recebido pelos empréstimos consignados para a conta pessoal da empresa e ela quitaria o empréstimo junto à instituição financeira além de depositar mensalmente na conta corrente do Autor as parcelas num valor superior do que seria pago referente ao empréstimo, para que assim houvesse um proveito econômico ao autor”, conforme inicial. No que se refere à primeira contratação, entre a parte autora e as instituições financeiras, verifica-se que os contratos têm objeto licito, determinado e foram celebrados por pessoa capaz na forma não proibida por lei, conforme exige o artigo 104 do Código Civil. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, caput, dispõe sobre a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relacionados à prestação dos serviços, sendo considerado defeituoso aquele serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, consideradas as circunstâncias previstas nos incisos do art. 14, § 1º, do mesmo diploma legal. Tal responsabilidade pode ser isenta se comprovado que inexiste defeito no serviço prestado ou que o dano foi originado de culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro. ( § 3º do mesmo artigo). Desse modo, mesmo diante das demandas subsumidas à legislação consumerista, não se pode eximir minimamente do consumidor a comprovação dos fatos constitutivos do direito alegado, tais como evento danoso, prejuízos dele decorrentes e nexo de causalidade entre a conduta da Agravada e o ato ilícito. ( AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.663.481/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 30/11/2021.). No caso dos autos, quanto aos consignados, embora as operações de empréstimo tenham sido intermediadas pela empresa MS Capital, foram concluídas com êxito, sendo incontroverso o recebimento dos valores pelo consumidor. Desse modo, não se vislumbra falha na prestação do serviço dos empréstimos ou quebra de segurança pelas instituições bancárias, pois o autor já mantinha um relacionamento anterior com a empresa MS Capital que disponha de seus dados para consulta de eventual margem para novos consignados. Assim, efetuados os consignados e devidamente recebidos pelo consumidor, não pode a instituição financeira interferir no uso do dinheiro pela consumidora, pois tal interferência violaria sua privacidade, um direito fundamental protegido pela Constituição Federal. Por outro lado, no que se refere ao contrato realizado entre o consumidor e a empresa MS Capital, pode se constatar que o autor foi induzido a contratar um empréstimo com as instituições financeiras sob a promessa de depósito mensal “na conta corrente do Autor das parcelas num valor superior do que seria pago referente ao empréstimo, para que assim houvesse um proveito econômico ao autor”. Essa contratação bastante estranha se deu em apartado, sem qualquer participação das instituições financeiras apelantes ou seus prepostos e difere da operação de portabilidade de crédito, prevista na Resolução nº 4.292/2013/BACEN conceituada como a “transferência de operação de crédito de instituição credora original para instituição proponente, por solicitação do devedor;” (art. 1º, parágrafo único, inciso I), em que na transação haveria de contar com a anuência e a participação da instituição credora original (Banco do Brasil e Banco Pan) e da instituição proponente, empresa MS CAPTAL. Ademais, da leitura do contrato, observa-se que diferente do alegado pela parte autora o parágrafo único da cláusula segunda dispõe que “ as obrigações do NEGOCIADOR se restringem ao pagamento das parcelas deste Instrumento Particular, permanecendo inalteradas as obrigações pactuadas diretamente entre o negociante e a Instituição financeira” É consabido que havendo conduta ilícita praticada por terceiro, e, mostrando-se desidiosa ou sem cautela a conduta da instituição financeira, ocorre o fortuito interno e, consequentemente, a responsabilidade das instituições financeiras, pois elas não teriam observado os critérios de segurança necessários para averiguação das informações e verificação da autenticidade do contrato. (STJ - AgInt no AREsp 1158721/SP, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018.). Todavia, como já apontado, não é o que se verifica nos autos. Isso porque o contrato que teria redundado em prejuízo ao Autor foi o realizado entre ele e a empresa MS Capital, sem qualquer participação das instituições financeiras, e, por essa razão não se qualifica como fortuito interno apto a impor a responsabilidade solidária dos recorrentes, uma vez que a contribuição do Autor foi decisiva para a concretização da fraude perpetrada, razão porque houve o rompimento do nexo de causalidade e, consequentemente, a responsabilidade das instituições financeiras pelo evento danoso. Nessa linha de entendimento, colaciono jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – GOLPE DO WHATSAPP – FORTUITO EXTERNO – TRANSFERÊNCIA DE VALOR POR VOLUNTARIEDADE DA VÍTIMA – RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO CARACTERIZADA – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA. Ausente a demonstração de falha operacional ou prática de ilícito pelas instituições financeiras determinante para a consumação do golpe e, constatada a transferência voluntária de valores pecuniários por solicitação de estelionatário via "WhatsApp", resta caracterizada a ocorrência de fortuito externo que impede a responsabilidade civil objetiva. (TJ-MS - Apelação Cível: 0808151-77.2022.8.12.0021 Três Lagoas, Relator: Juiz Vitor Luis de Oliveira Guibo, Data de Julgamento: 21/11/2023, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/11/2023) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEITADA - MÉRITO - PAGAMENTO DE BOLETO NÃO EMITIDO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO RECONHECIDA - FORTUITO EXTERNO - CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR E/OU TERCEIRO - RECURSO DESPROVIDO. O princípio da dialeticidade impõe ao recorrente o dever de expor as razões de seu inconformismo, contrastando a decisão recorrida com outros argumentos suficientes para levar o Tribunal a adotar um outro entendimento. Se a peça recursal atacou os fundamentos da decisão, o recurso deve ser conhecido. Nos termos do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. No presente caso, contudo, deve ser afastada a responsabilidade da instituição bancária ( CDC, art. 14, § 3º, inciso II), haja vista os danos sofridos não serem decorrentes de atos da empresa, mas sim de terceiro procurado pelo próprio autor, fato refoge do dever de fiscalização e de segurança e que se enquadra na hipótese de caso fortuito externo. Precedentes. (TJMS. Apelação Cível n. 0805537-67.2019.8.12.0001, Campo Grande, 2a Câmara Cível, Relator (a): Des. Eduardo Machado Rocha, j: 15/03/2023, p: 16/03/2023). Grifei. Assim, não se deve aplicar ao caso o enunciado da súmula 479 do STJ, pois, como visto, se trata de culpa exclusiva da vitima, que contribuiu decisivamente para o evento danoso que, seduzido por um suposto proveito econômico (uma espécie de agiotagem) emprestou à empresa MS CAPITAL os valores oriundos dos consignados, confira-se: (...) O Autor realizou o empréstimo junto ao Banco Pan, no valor de R$ 174.611,14 (centos e setenta e quatro mil, seiscentos e onze reais e catorze centavos), a ser pago em 96 parcelas no valor de R$ 4.282,33 (quatro mil, duzentos e oitenta e dois reais e trinta e três centavos) descontadas diretamente na fonte de pagamento do autor a partir do dia 10/02/2021. E em 21 de dezembro de 2020 firmou “Instrumento Particular de Negociação de Dívida” com a Empresa MS CAPITAL, na qual ficou acordado que transferiria para a empresa o valor total obtido pelo Empréstimo e em contrapartida, a empresa realizaria o pagamento de 18 parcelas mensais no valor de R$ 5.252,39 (cinco mil, duzentos e cinqüenta e dois reais e trinta e nove centavos) a partir de fevereiro de 2021 e, após, 78 parcelas mensais de R$ 4.282,33 (quatro mil, duzentos e oitenta e dois reais e trinta e três centavos). Já em janeiro de 2021, o Autor realizou outro empréstimo, dessa vez junto ao Banco do Brasil, como orientado pela Empresa Requerida, a qual detinha todos os dados e informações bancárias do Autor, no valor de R$ 96.299,00 (noventa e seis mil, duzentos e noventa e nove reais), a ser pago em 96 parcelas de R$ 3.910,48 (três mil, novecentos e dez reais e quarenta e oito centavos) descontados direto na fonte de pagamento do autor a partir de março de 2021. Do mesmo modo, em 19 de janeiro de 2021, firmou outro “Instrumento Particular de Negociação de Dívida” com a Empresa MS CAPITAL, na qual ficou acordado que transferiria para a empresa o valor total obtido pelo Empréstimo e em contrapartida, a empresa realizaria o pagamento de 18 parcelas mensais no valor de R$ 4.443,81 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e três reais e oitenta e um centavos) a partir de março de 2021 e, após, 78 parcelas mensais de R$ 3.910,48 (três mil, novecentos e dez reais e quarenta e oito centavos). (...) Por conseguinte, em decorrência da ausência de defeito no serviço financeiro prestado, afasta-se a responsabilidade dos recorrentes, conforme previsão do art. 14, § 3º, I e II, do CDC, e por conseqüência o dever de indenizar. Isso posto, conheço dos recursos e dou-lhes provimento para reformar em parte a sentença, para afastar a responsabilidade dos recorrentes no evento danoso, mantendo-se os empréstimos consignados firmados e os demais termos da sentença. Inverto o ônus da sucumbência. É como voto. A fim de evitar a oposição de embargos de declaração meramente protelatórios, considera-se, desde já, prequestionada toda matéria constitucional e infraconstitucional, observando o entendimento do STJ no sentido de que, para o prequestionamento, é desnecessária a explícita indicação dos dispositivos de lei que o fundamentaram. No ensejo, advirto às partes que, a interposição de eventual recurso meramente protelatório ou com o fito de rediscutir a controvérsia dos autos ensejará na aplicação de multa, nos termos dos artigos 79, 80 e 81, do Código de Processo Civil. Boa Vista-RR, 10 junho de 2024. Des. Erick Linhares - Relator.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO REALIZADO ENTRE O CONSUMIDOR E TERCEIRO. PROMESSA DE RECEBIMENTO DE VALORES A MAIOR QUE OS DAS PARCELAS DOS CONSIGNADOS. FORTUITO EXTERNO. RESPONSABILIDADE BANCÁRIA. INEXISTENTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. RECURSOS PROVIDOS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. Diante da falta de demonstração de defeito no serviço ou prática de ilícito pelas instituições financeiras, determinante para a consumação do evento danoso, e, sendo constatada a contratação voluntária em apartado, sem participação dos bancos ou seus prepostos e a transferência dos valores para terceiro, resta caracterizada a ocorrência de fortuito externo que impede a responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Segunda Turma Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer dos recursos e dar-lhes provimento, nos termos do voto do Relator. Participaram da Sessão de Julgamento a Senhora Desembargadora Tânia Vasconcelos (Julgadora) e os Senhores Desembargadores Erick Linhares (Relator) e Cristóvão Suter (Julgador). Sessão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos quatorze dias do mês de junho de dois mil e vinte e quatro.
Des. Erick Linhares - Relator.
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