DOCUMENTO 1
PROCESSO
ADin - Ação Direta de Inconstitucionalidade
90003120620208230000
ÓRGÃO JULGADOR:
Tribunal Pleno
DATA DO JULGAMENTO:
22/03/2024
DATA DA PUBLICAÇÃO:
22/03/2024
EMENTA:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO §
4.° DO ART. 17 DA
LC N.° 194/2012 (ESTATUTO DOS MILITARES DE
RORAIMA) QUE IMPÕE
LIMITE DE 15% PARA MULHERES NA TROPA
DA POLÍCIA MILITAR E
CORPO DE BOMBEIRO DE RORAIMA. NORMA
PLURISSIGNIFICATIVA.
PROCEDÊNCIA PARCIAL PARA
EMPRESTAR INTERPRETAÇÃO
CONFORME A CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL.
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DOCUMENTO 2
PROCESSO
ADin - Ação Direta de Inconstitucionalidade
90003120620208230000
ÓRGÃO JULGADOR:
Tribunal Pleno
DATA DO JULGAMENTO:
03/12/2020
DATA DA PUBLICAÇÃO:
09/12/2020
EMENTA:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ART. 17, §4°, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 194/2012. RESTRIÇÃO MÁXIMA DE 15% PARA O INGRESSO DE MULHERES NA POLÍCIA MILITAR E NO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE RORAIMA. PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS. CAUTELAR DEFERIDA.
TRIBUNAL PLENO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 9000312-06.2020.8.23.0000 REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA REQUERIDO: GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA e ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RORAIMA VISTOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO-VISTA
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, movida pela Procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Roraima, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 17, §4°, da Lei Complementar nº 194/2012, que, ao instituir o Estatuto dos Militares do Estado de Roraima, reservou às mulheres o percentual máximo de 15% (quinze por cento) das vagas oferecidas no concurso público para ingresso na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros do Estado de Roraima. O relator, Des. Jefferson Fernandes da Silva, votou pelo indeferimento da cautelar, pois “… nesta fase inicial de cognição, deve ser dada prevalência ao princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos” (fl. 16). Asseverou, ainda, que ação dos autos não possui perigo de dano, visto que a norma está inserida no ordenamento jurídico estadual há 8 anos (EP. 67). Pedi vista e agora peço vênia para apresentar o meu posicionamento. Como apontado no voto do ilustre Desembargador Jefferson Fernandes, o cerne da presente demanda consiste na possibilidade, ou não, de limitação do percentual de vagas de concurso público da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado de Roraima a 15% para mulheres. Inicialmente cabe destacar que o art. 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal, consagra o princípio da Isonomia entre homens e mulheres, visando coibir qualquer forma de discriminação entre os gêneros. Vejamos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; Também merece menção o art. 7º, XXX, da Constituição Federal, que, por sua vez, rege as relações de trabalhos, estabelecendo o princípio da não discriminação ao vedar diferenças de critério de admissão por motivo de sexo, in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; Contudo, em dissonância aos artigos anteriormente citados, dispõe o §4º, art. 17, da Lei Complementar nº 194/2012: Art. 17 (…) §4º Das vagas ofertadas no concurso público, 15% (quinze por cento) serão destinadas às candidatas do sexo feminino. Uma interpretação sumária do dispositivo impugnado poderia, por certo, levar à conclusão de que o mesmo versa sobre questões de ações afirmativas – no sentido de assegurar a representatividade feminina no quadro das instituições por meio de cotas –, o que, por óbvio, consiste em uma brilhante política de afirmação, acentuada, ainda, devido às enormes lutas diárias que todas as mulheres enfrentam, em todos os setores da sociedade, na busca inconstante por igualdade. A igualdade, por sua vez, veda as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, que permanecem presentes até os dias atuais, e, mesmo implicitamente – arraigadas pelo machismo estrutural –, constituem um enorme problema, assim como demandam, da sociedade como um todo, medidas concretas e debates pertinentes, de modo a atingir a igualdade formal, que, em linhas gerais, funciona como proteção contra a existência de tratamentos discriminatórios, conteúdo essencial da ideia de democracia. Estamos diante de uma. Ainda que a norma, numa leitura superficial, possua sentido no tocante à reserva de vagas para mulheres, tal interpretação constitui uma restrição à inserção feminina nos quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado de Roraima. Pois, ao instituir que apenas 15% (quinze por cento) das vagas ofertadas nos certames poderiam ser preenchidas por mulheres, os demais 85% (oitenta e cinco por cento) das vagas, seriam, impreterivelmente, ocupadas por homens. Tal fato manifesta-se, ainda, perante as informações prestadas pela Procuradoria-Geral do Estado e pela Assembleia Legislativa (EP. 17 e 20, respectivamente), que, ao trazer justificativas para a adoção do percentual máximo, somente o fazem embasados em critérios físicos. Longe, portanto, dos conceitos de representatividade ou inserção. Nas palavras da Procuradoria-Geral do Estado de Roraima: “Seria temerário afirmar que a mulher, no desempenho da função da policia militar ou do corpo de bombeiros, quando necessário, teria o mesmo rigor físico de um homem” (EP. 17, fl. 04). Para fins de exemplificação, menciono o disposto na Lei Eleitoral nº 9.504/97, que, em seu art. 10, §3º, aprimorada pela Lei nº 12.034/09, dispõe sobre o sistema de cotas para mulheres no âmbito eleitoral, com inequívoco intuito de assegurar a representatividade de mulheres no pleito eleitoral. Vejamos: Art. 10 (...) §3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. A referida Lei Eleitoral destoa do conteúdo da lei impugnada nesta ação, pois, ao estabelecer uma cota mínima, garante o preenchimento de pelo menos 30% (trinta por cento) de mulheres, ao contrário do disposto no §4º, art. 17, da Lei Complementar nº 194/2012, que estabelece o máximo de 15% (quinze por cento). Nota-se que, apesar do art. 17, §4º, da referida lei, não estabelecer expressamente a palavra máximo, a interpretação correta do dispositivo impugnado faz dizer acerca da delimitação total para ingresso de candidatas nos concursos para PM/CBM, pois, como asseverado anteriormente, destoa de outras normas de cunho afirmativo ao assegurar 85% (oitenta e cinco por cento) das vagas aos homens. Outrossim, faz-se extremamente importante ressaltar que qualquer forma de tratamento diferenciado oferecido a homens e mulheres só se justifica, excepcionalmente, quando a intenção for diminuir as diferenças concretas existentes entre os dois gêneros ou diante da impossibilidade de um tratamento igualitário devidamente comprovado. O dispositivo legal impugnado peca, como frisado, ao atribuir um quantitativo máximo para ocupação de mulheres nos cargos aqui tratados, tão somente fundamentando na natureza da função, em evidente discriminação acerca das capacidades físicas e intelectuais de mulheres frente ao exercício da função policial. Ademais, o caso em epígrafe deve estrita atenção ao fato de que os concursos públicos para cargos relativos à segurança pública incluem testes físicos capazes de mensurar se o candidato, ou candidata, está apto, ou apta, para exercer suas funções inerentes ao cargo disputado. Tais testes certificam objetivamente os requisitos físicos necessários para o exercício correto das funções. Ainda, acerca do argumento de que as mulheres, por força da formação corporal, não possuam condições de atuar ostensivamente, tal afirmação tampouco fundamenta a adoção deste percentual máximo para mulheres. A atuação policial dispõe de aparatos tecnológicos cada vez mais sofisticados, que minimizam a necessidade de força física no cotidiano, de modo que as eventuais diferenças entre condições físicas masculinas e femininas mostram-se ainda menos relevantes. Ademais, o trabalho do policial deve pautar-se de inteligência e técnica na maior parte das vezes. Não sendo coerente adotar o entendimento de que mulheres, ao exercerem a função ostensiva, estariam submetidas constantemente ao uso de força física. Pelo contrário, o exercício de funções por policiais do sexo feminino pode, por certo, ser exponencialmente proveitoso no que se refere à garantia de atendimento a problemas específicos, como os enormes números de violências pautadas pelo gênero, que, vale a ressalva, constituem atualmente um dos maiores índices de ocorrências criminais neste Estado. Por fim, vislumbro presentes os requisitos necessários à concessão da medida cautelar. A plausibilidade do direito invocado reside, obviamente, na evidente violação do dispositivo impugnado às normas presentes na Constituição Estadual, que asseguram os princípios da isonomia, da equidade e justiça, dignidade humana, assim como aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
O perigo da demora, no que lhe diz respeito, reside no fato de que a manutenção da norma implica na aceitação aos ditames abusivos e discriminatórios contidos no referido diploma legal, e, em que pese a norma estar inserida no ordenamento jurídico estadual há algum tempo, sua retirada ainda é necessária com urgência, frente ao concurso atual da Polícia Militar de Roraima, que está na quarta fase – de investigação social -, conforme se depreende do EDITAL Nº 004/DEP/PMRR, de 06/11/2020.
Por essas razões, presentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida, defiro a cautelar pleiteada, para suspender a eficácia do §4º, art. 17, da Lei Complementar nº 194/2012, até o julgamento do mérito da presente ação.
Notifique-se o Presidente da Assembleia Legislativa, para que se manifeste no prazo de 30 (trinta) dias, conforme art. 139, do RITJRR. Após, dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral do Estado e ao Procurador- Geral de Justiça, para manifestação meritória, no prazo de quinze (15) dias, nos termos do art. 141, do RITJRR. É como voto. Boa Vista, 02 de dezembro de 2020.
DES. ALMIRO PADILHA Relator
E M E N T A
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ART. 17, §4°, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 194/2012. RESTRIÇÃO MÁXIMA DE 15% PARA O INGRESSO DE MULHERES NA POLÍCIA MILITAR E NO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DE RORAIMA. PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS. CAUTELAR DEFERIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros do Tribunal Pleno deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por maioria dos votos, deferir a medida cautelar pleiteada e suspender a eficácia do §4º, art. 17, da Lei Complementar nº 194/2012, nos termos do voto vencedor. Participaram os eminentes Desembargadores Mozarildo Cavalcanti, Almiro Padilha, Ricardo Oliveira, Tânia Vasconcelos, Cristóvão Suter, Jefferson Fernandes da Silva, Jésus Nascimento, e os Juízes Convocados Luiz Fernando Mallet, Antônio Augusto Martins Neto. Boa Vista/RR, 02 de dezembro de 2020.
Des. Almiro Padilha Relator
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